por José Bastos, in RR
“As mesmas causas produzem as mesmas consequências”, alerta o antigo ministro da Economia, na sequência da “vigilância apertada” de Bruxelas. O economista Álvaro Santos Almeida diz que só “com juízo” não se repetirá 1978, 1983 e 2011.
“Portugal só vai voltar a dar passos grandes no sentido de reformar quando cair no próximo resgate. Então lá estamos outra vez”, defende o economista Daniel Bessa no programa da Renascença “Conversas Cruzadas”.
O relatório da Comissão Europeia que valida a colocação de Portugal “sob vigilância apertada” desenha, no essencial, um quadro muito preocupante resultado de “desequilíbrios macroeconómicos graves e excessivos”.
Álvaro Santos Almeida, ex-economista do FMI, não contraria a tese. Sem alterações profundas, um país que em menos de 40 anos teve de recorrer três vezes à ajuda externa (1978, 1983 e 2011) arrisca uma quarta. “O professor Daniel Bessa não disse ‘se’, disse ‘quando’. E eu não vou contestar”, afirma.
“As mesmas causas produzem as mesmas consequências. As causas que produziram o primeiro, o segundo e o terceiro resgate, em grande parte, continuam aí. Por isso é que o professor Santos Almeida diz que não utilizei um ‘se’”, prossegue Daniel Bessa.
Há data para novo resgate?
A meio da semana, a ministra das Finanças, Maria Luís Albuquerque, havia criticado “o facilitismo” e “a repetição dos mesmos erros”, defendendo a “responsabilidade” na gestão das contas públicas.
Na sessão de encerramento da conferência de homenagem a António Borges, a ministra afirmou que os níveis de dívida pública e privada são elevados e que “o potencial de mais reformas é ainda grande”.
Daniel Bessa critica quem mostrou desconforto com a decisão da Comissão Europeia. “Estou gratíssimo à ministra das Finanças e estou muito grato ao senhor Moscovici que, como comissário dos Assuntos Económicos, alertou para esta questão e disse que temos de ser postos debaixo de vigilância reforçada”, afirma.
E explica: “Cá dentro, quem me devia pôr debaixo de vigilância reforçada dá-me a entender que o problema não existe. Está-me a enganar”.
Mas há data provável para novo resgate? “Não, não”, enfatiza o antigo professor da Faculdade de Economia da Universidade do Porto Daniel Bessa. E acrescenta: “Se há coisa que me surpreendeu no terceiro resgate é o ter demorado tanto tempo”.
“Há dez anos, quantas horas se gastaram no interior daquelas salas de aulas das faculdades a explicar que a situação era insustentável? Era insustentável como se viu. Para meu espanto, o terceiro resgate demorou muito a chegar, portanto, sei eu lá quando vai chegar o quarto. É preciso muito juízo”, remata.
Um resgate fora da moeda única? “Estando fora do euro chega na mesma, mas resolve-se de outra maneira. Tem outro tipo de consequências”, antecipa, logo corrigido por Álvaro Santos Almeida: “Não, chega mais rápido”.
“A causa imediata da intervenção é a do excesso de endividamento do Estado, mas há uma série de outros problemas na economia portuguesa. Alguns da década passada, outros de há 50 anos que continuam a ser factores negativos no desenvolvimento económico”, refere o economista ex-FMI.
“Não é por acaso que na década anterior à chegada das instituições, o crescimento da economia portuguesa foi dos mais baixos do mundo e não chegou sequer, em média, ao 1% ao ano. Portanto, havia problemas estruturais na economia portuguesa, óbvios nessa altura, que era preciso resolver”, faz notar.
Álvaro Almeida: “Comissão diz que há reformas por fazer”
“Aquilo que podíamos estar aqui a discutir – e infelizmente, na minha opinião é muito pouco discutido – é, concretamente, saber se as reformas que foram planeadas e, depois, foram feitas – as estruturais – foram as que eram necessárias”, defende Álvaro Santos Almeida.
“O que a Comissão Europeia diz é que há muitas reformas necessárias que não foram feitas. De facto, isso é verdade. Nós sabemos disso”, lamenta, acrescentando: “Não foram feitas, porque o Tribunal Constitucional não permitiu; outras porque o Governo não quis. Podíamos estar a discutir uma série de reformas necessárias e se a afirmação da Comissão Europeia é a de que não está tudo bem, parece-me pacífico ser óbvio que não está tudo bem”.
Mecanismos como o tratado orçamental e/ou a “vigilância apertada” são eficazes para manter Portugal afastado da bancarrota? O professor de Economia na Universidade do Porto não esconde reservas: “São eficazes, sobretudo, nas questões orçamentais. Já quanto às reformas fora do sector público, da economia como um todo, é muito mais difícil de actuarem”.
“Por alguma razão as discussões, por exemplo, com a França e Itália são sempre à volta desse tema. As metas para o défice são, mais ou menos, dentro das regras, mas deixam de fora uma série de reformas estruturais, a precisar de ser feitas, mas a Comissão não tem instrumentos muito fortes para obrigar a que sejam feitas”, explica.
Estas reformas, adianta Álvaro Santos Almeida são as “que vêm mexer com o sistema, com interesses instalados e que, portanto, encontram mais resistência”.
“Evitar resgate? Só com juízo!”
“A literatura económica tem uma série de modelos a demonstrar que a existência de um mecanismo externo pode ser um factor incentivador de alterações. Sem esse mecanismo externo é muito mais difícil fazer reformas”, afirma Álvaro Santos Almeida.
Daniel Bessa valida a tese. “Não posso estar mais de acordo que a forma mais eficaz de intervir é alguém que tem um cheque para passar e na hora de o assinar vai perguntar se as coisas foram feitas ou não”.
Mas podemos evitar um quarto resgate? “Podemos evitar, mas é preciso querer”, destaca Daniel Bessa.
“Quando alguém começa por querer mal a quem me avisa da possibilidade eu fico desconfiado. Quando a Comissão Europeia me vem chamar a atenção para a existência de problemas que correm o risco de voltar a produzir a mesma consequência – as tais causas - eu estou agradecido e não consigo perceber como é que alguém caia em cima do senhor Pierre Moscovici”, confessa o ex-ministro.
“Só com juízo, Portugal evita repetir 1978, 1983 e 2011”, sustenta Álvaro Santos Almeida. “De facto, como a Comissão Europeia alerta, há uma série de problemas estruturais a subsistirem na economia portuguesa. São exactamente esses problemas estruturais que estiveram na causa dos três resgates anteriores”, indica.
“Mas entre qualquer coisa como um ano e 20 anos esse resgate irá acontecer. Podemos evitar se tivermos juízo como diz o Daniel Bessa”, conclui.