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Qual o impacto da crise no setor solidário?

in Educação e Informação

Através das respostas de 341 instituições, a EAPN (Rede Europeia Anti-Pobreza) Portugal tomou o pulso à economia social nacional e às consequências da crise no setor. As conclusões constam, agora, do estudo “O impacto social e institucional da crise económica e financeira nas Organizações do Terceiro Setor”, apresentado em maio. Conheça os principais resultados desta auscultação ao setor solidário.

De que forma é que o setor da economia social aguentou os efeitos da crise e, perante este impacto, que soluções tem encontrado? Esta foi a pergunta que motivou o mais recente estudo setorial da Rede Europeia Anti-Pobreza Portugal (EAPN), apresentado a 9 de maio no Encontro Nacional de Associados da instituição. Na resposta, encontra-se um setor solidário mais enfraquecido, do ponto de vista económico, mas, simultaneamente, mais consolidado e com provas dadas no apoio de proximidade à comunidade – mesmo face ao acréscimo das dificuldades e vulnerabilidades do período de crise.

O que nos diz o estudo da EAPN?

“O estudo demonstrou claramente que há um enfraquecimento da dimensão mais económica, ligada à sustentabilidade, das entidades do Terceiro Setor”, referem, em entrevista, Fátima Veiga e Paula Cruz, duas das coautoras do estudo “O impacto social e institucional da crise económica e financeira nas Organizações do Terceiro Setor”. As responsáveis acrescentam que este enfraquecimento veio “revelar uma das áreas em que este setor continua frágil: a sustentabilidade financeira”.

A EAPN Portugal sublinha, também, que a crise resultou num maior número de pessoas a precisar dos serviços da economia social. Ou seja, mais pedidos para dar resposta, com menos robustez financeira. Perante estes desafios, “o setor conseguiu encontrar respostas” e, “no período em que a intervenção destas entidades era crucial, elas conseguiram manter uma resposta de proximidade à comunidade”, afirma Fátima Veiga.

Esta não é, contudo, a primeira vez que a EAPN põe mãos à obra para estudar o setor solidário em Portugal. O estudo surge na continuação de outras análises setoriais à economia social elaboradas pela entidade, desde 1995. O percurso, de mais de 20 anos, veio dar maior luz ao trabalho feito pelas organizações da economia social, mas também ao seu potencial na luta contra a pobreza – área prioritária da missão da EAPN. E, sobretudo, dando voz às perceções dos próprios agentes das entidades.Ao longo desta caminhada de duas décadas, muito mudou para o setor. “Há uma mensagem que prevalece ao longo do tempo e que se refere ao papel que as entidades do Terceiro Setor têm, e reconhecem que têm, no desenvolvimento e coesão social em Portugal”, frisa Paula Cruz. A responsável destaca ainda o papel dos fundos que, a partir do III Quadro Comunitário de Apoio, contribuíram para “formar profissionais e desenvolver processos de qualificação organizacional”. Estas foram etapas essenciais para a melhoria da qualidade na economia social nacional, presente agora “no setor, no discurso e na forma de trabalhar das organizações”.

O setor pela voz das próprias organizações

“Aquilo que ressalta da auscultação das instituições é a vitalidade do setor e a sua capacidade de adaptação às adversidades e dificuldades que a crise criou e que ainda não se encontram sanadas”, aponta Paula Cruz. Não obstante, existem diversos ângulos de análise resultantes do estudo, desde a caracterização atual do setor – através da autoavaliação das 341 entidades respondentes –, à reação perante a crise e adversidades e, até, ao futuro da economia social.

Em resposta ao questionário, as organizações afirmaram a importância da Economia Social, sobretudo pela dimensão do bem-estar e desenvolvimento sociais. “O seu papel no desenvolvimento económico é considerado importante, mas é, ainda assim, o que possui menos avaliações de importância”, esclarece a responsável do EAPN.

Além do questionário quantitativo, o estudo apresenta também uma componente qualitativa, com entrevistas a stakeholders diretamente envolvidos no setor. Entre os temas abordados, destaque para o impacto da crise, a relação com o Estado e, também, o futuro do setor.

A respeito da crise, por exemplo, o presidente do Montepio Geral – Associação Mutualista e da Fundação Montepio, António Tomás Correia, referiu que as instituições do setor “poderão aproveitar este momento adverso para se fundirem, reorganizarem e convergirem em esforços em vez de manterem muitas vezes agendas paralelas e de competição”. Na entrevista citada do estudo do EAPN, António Tomás Correia reforçou também a mudança interna necessária para dar resposta a novas problemáticas e perfis de pobreza que surgiram como consequência da crise. “Esta alteração do perfil da exclusão exige, igualmente, uma alteração das estruturas de governação, que deve ser cada vez mais integrada e partilhada e determina uma aposta clara na qualidade, na tecnologia, na modernidade de processos e na excelência de pessoas”.

Economia social: Impacto positivo no emprego

Outra das dimensões analisadas pelo estudo diz respeito ao contributo do setor solidário para o emprego e, naturalmente, ao efeito da crise nesta vertente. “Das respostas aos inquéritos percebe-se que, mesmo no contexto de crise, a estratégia das organizações não passou por diminuir o número de funcionários. Embora tenha havido uma diminuição do pessoal em algumas organizações (28,4%), houve também um aumento em outras (41%)”, ressalvam as conclusões do estudo da EAPN.

Recorde-se que, segundo os dados da Conta Satélite da Economia Social (referentes a 2010), a economia social representava 5,5% do emprego remunerado e 4,7% do emprego total, em Portugal. Mesmo em período de constrangimentos financeiros, “o reconhecimento que o setor tem do papel que desempenha na área social” levou a que, “independentemente da crise ter atingido o rendimento das organizações, estas não optaram por reduzir o seu quadro de pessoal (mesmo sendo este o que mais pesa nos orçamentos das organizações) ”, pormenoriza Fátima Veiga.

O estudo permite também avaliar o equilíbrio entre trabalho remunerado e voluntário nas organizações do setor solidário. “O Terceiro Setor é caracterizado pela componente muito vincada do voluntariado e foi unânime a sua importância”, pode ler-se na investigação. Mesmo assim, ao longo das entrevistas efetuadas, foi referida “a ameaça que pode constituir o trabalho voluntário num contexto de crise económica, em que os recursos humanos são escassos”, sendo necessário definir, claramente, fronteiras entre trabalho voluntário e remunerado.A esse respeito, António Tomás Correia contribuiu para o estudo com uma visão vincada sobre o tema: “Claramente [houve um aumento do voluntariado], mas é preciso algum cuidado para garantir que o voluntariado não substitui recursos humanos indispensáveis nem é um subterfúgio para substituir estágios. No momento em que vivemos, o voluntariado não pode constituir uma ameaça ao emprego, antes deve ser uma alavanca de sustentabilidade”.

O futuro depois da crise no setor solidário

O presidente da Fundação Montepio, “apesar de vaticinar um futuro promissor para a economia social”, considera que “é fundamental que o Estado Social não se fragilize e não abdique das suas funções, nomeadamente de tutela pedagógica e vigilante”.

Do leque de entrevistas realizadas às várias entidades, reforçam os autores do estudo, “sobressai uma perspetiva positiva face ao futuro do setor”, assim como a identificação dos vários desafios que urgem ser ultrapassados. Aqui, Fátima Veiga aponta questões como a resposta pronta às necessidades sociais, o desafio da manutenção da qualidade dos serviços e a sustentabilidade das organizações.

“Na sua visão do futuro, algumas organizações consideram que se reforçará, de forma mais paritária, a cooperação com o Estado, enquanto outras assinalam o desenvolvimento de maior cooperação com as empresas e o envolvimento das comunidades ao nível de doações e do voluntariado”, indica ainda a responsável. O financiamento continua a ser um dos tópicos essenciais na abordagem ao presente e futuro das entidades da economia social. “Com a crise e entrada da Troika em Portugal, o financiamento destas instituições sofreu um duplo golpe: por um lado, as comparticipações dos utentes diminuíram, por outro lado, assistiu-se a um aumento das restrições nos apoios públicos concedidos”, conclui Fátima Veiga.

O estudo “O impacto social e institucional da crise económica e financeira nas Organizações do Terceiro Setor” é da autoria de Fátima Veiga (EAPN Portugal), Paula Cruz (EAPN Portugal), Elizabeth Santos (EAPN Portugal), Mónica Lopes (CES - Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra) e Sílvia Ferreira (CES; Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra). A iniciativa da EAPN Portugal surge no seguimento de estudos anteriores da entidade, também sobre a realidade da economia social portuguesa, em 1995 e 2009.