in Esquerda.net
José Soeiro sublinhou que “é bom lembrar, em particular às bancadas da Direita, que o subsídio de desemprego não é um favor do Estado” e que “achar que o exercício de um direito deve ter como contrapartida uma humilhação quinzenal é uma ofensa”.
Durante a discussão da proposta do Bloco de Esquerda que visa eliminar a obrigatoriedade de apresentação quinzenal dos desempregados, José Soeiro lembrou que “há meses que o Bloco mantém um diálogo com o Governo sobre este assunto”.
“Hoje, chegamos a um compromisso. E para que não haja dúvidas, esse compromisso é acabar com as humilhações quinzenais e refundar o modo como o Estado olha para os desempregados e para a sua dignidade”, congratulou o deputado bloquista.
“Não resolve tudo, certamente. Mas começamos pelo princípio: o respeito que as pessoas nos merecem”, acrescentou.
O Esquerda.net transcreve, na íntegra, a intervenção do deputado bloquista José Soeiro durante o debate potestativo agendado pelo Bloco de Esquerda:
“Quem teve o infortúnio de ficar desempregado não cometeu nenhum delito. Não é suspeito. É vítima, e não culpado, de uma situação involuntária, que é alheia à sua vontade.
O debate que hoje aqui trazemos é por isso um debate sobre o respeito que nos devemos uns aos outros. E é um debate sobre a dignidade com que nos tratamos.
Um Estado que trata os desempregados como se fossem criminosos é um Estado que não respeita os seus cidadãos.
Obrigar os desempregados a ir a uma junta de freguesia de 15 em 15 dias carimbar um papel para fazerem prova de vida é um procedimento vazio do ponto de vista do acompanhamento a que os desempregados têm direito e é um procedimento burocrático sem qualquer conteúdo, que trata os desempregados como se fossem arguidos obrigados a termo de identidade e residência.
Além disso, custa dinheiro a quem já tem muito pouco. É um luxo a que os desempregados não se podem dar. E se falharem duas apresentações, perdem o subsídio de desemprego.
É uma injustiça, é um desrespeito e uma humilhação inútil que as pessoas não merecem. Por isso, tem mesmo de acabar.
Perder o emprego é quase sempre uma desgraça. Não é apenas o rendimento que se perde, é o quotidiano que se esfrangalha, é o isolamento que cresce e o sentimento de utilidade que fica em causa.
A obrigação do Estado é garantir a proteção social das pessoas que se viram involuntariamente nesta situação. É ter um serviço público de emprego capaz de canalizá-las para uma nova função compatível com as suas competências profissionais. É propor-lhes uma formação que seja útil, que seja pertinente, que faça sentido e que seja adequada quer às suas qualificações quer aos seus interesses. Nada disto é garantido pelas apresentações quinzenais.
É bom lembrar, em particular às bancadas da Direita, que o subsídio de desemprego não é um favor do Estado. É um direito previsto na Constituição da República, que aliás resulta das contribuições que os próprios trabalhadores fazem mensalmente, entregando uma parte do seu salário à Segurança Social. Achar que o exercício de um direito deve ter como contrapartida uma humilhação quinzenal é uma ofensa. Ao acabar com esta ofensa, respondemos aos desempregados.
Quando as apresentações quinzenais obrigatórias surgiram, em 2006, foram apresentadas com um objetivo que até parecia generoso: garantir um contacto regular entre as pessoas desempregadas e os centros de emprego, para que pudessem ser acompanhadas, traçar um plano de emprego, ter acesso a formação profissional, valorizar as suas qualificações.
Como é sabido, nada disto acontece.
As apresentações quinzenais passaram a ser feitas, na esmagadora maioria dos casos, nas Juntas de Freguesia. Quando uma pessoa vai carimbar o papel, não é nenhum técnico de emprego nem nenhum profissional de orientação vocacional do IEFP que a recebe. É um funcionário da secretaria cuja única função é pôr um carimbo num papel e marcar a data da próxima vistoria. É absurdo, é inútil e é humilhante.
Se queremos repensar a relação entre os desempregados e os serviços de emprego, há uma evidência de partida: as apresentações quinzenais não têm nenhuma função a esse nível. São um obstáculo a uma relação saudável entre o Estado e as pessoas desempregadas, são uma obstrução a um acompanhamento sério feito por quem tem competência para fazê-lo. É também em nome da seriedade que devem ser removidas da lei.
Remover apenas?, têm perguntado alguns ao longo dos últimos dias. Sim, eliminá-las da lei. Retirar as apresentações quinzenais da lei é o primeiro passo para que se leve a sério o direito que as pessoas desempregadas têm ao apoio do centro de emprego.
A lei já prevê, no seu art. 42º que os desempregados estão obrigados a comunicar obrigatoriamente ao centro de emprego: “a) A alteração de residência”; e “c) O período de ausência do território nacional”.
E também já prevê, no art. 49, uma infinidade de obrigações cujo não cumprimento determina mesmo que os beneficiários do subsídio de desemprego veem anulada a sua inscrição no centro de emprego e perdem o subsídio. São mais de uma dezena, desde a recusa de emprego conveniente, à recusa de formação profissional, desde a não demonstração de procura ativa de emprego ao incumprimento das obrigações do plano pessoal de emprego, desde a falta de comparência a uma convocatória do centro de emprego à falta de comparência nas entidades para onde foi encaminhado pelo centro de emprego.
A lei já prevê um número extensíssimo de mecanismos com vista a garantir que a situação, a morada e a condição da pessoa desempregada são do conhecimento do centro de emprego. Aliás, os mecanismos que existem não pecam por defeito. Pecam, pelo contrário, por terem uma concepção de “ativação dos beneficiários” que insinua erradamente que a situação de desemprego resulta mais de défices individuais do que de escolhas de política económica, ou seja, que imputa aos próprios desempregados a solução para o seu desemprego, obrigando-os a demonstrar em permanência que procuram trabalho como quem procura água no deserto.
Aos desempregados não é preciso que se exijam mais obrigações. É preciso é que se garanta emprego, formação e proteção social.
Acabemos então com a humilhação quinzenal para podermos repensar o modo como o Estado lida com os desempregados e para podermos qualificar e refundar a missão do IEFP, que foi degradado até ao limite ao longo dos últimos anos.
O anterior Governo esvaziou a capacidade de resposta o Instituto de Emprego e Formação Profissional.
Esvaziou o IEFP, desde logo, ao nível dos seus profissionais. Falta pessoal ao IEFP e é um escândalo que haja centenas de pessoas a trabalharem a falso recibo verde como formadores, técnicos de emprego, de orientação profissional, de validação e reconhecimento de competências. Muitos destes precários do IEFP representam institucionalmente o Instituto em reuniões externas, são a cara do IEFP para o público, trabalham no IEFP há 4, 5, 10, 15 anos. Mas são ilegal e ilegitimamente considerados trabalhadores independentes.
Mas o IEFP foi também esvaziado enquanto entidade de colocação de mão-de-obra. É bom lembrar que os centros de emprego públicos nasceram de uma resolução internacional aprovada no dia 1 de julho de 1949 na OIT. Essa resolução tinha como objetivo, e cito, “suprimir as agências de colocação não gratuitas com fins lucrativos”, ou seja, extinguir as empresas privadas que serviam de intermediários entre um trabalhador e um empregador, e substituí-las por serviços públicos de emprego. Hoje, como se sabe, as empresas de trabalhão temporário fizeram renascer o que em tempos fora proibido, ou seja, fizeram ressurgir o miserável negócio de alugar pessoas a outras empresas.
Como se isto não bastasse, o anterior Governo aprovou em 2015 um decreto–lei para que as empresas de trabalho temporário passassem a operar nos próprios centros de emprego. Ou seja, privatizou a colocação dos desempregados, pondo o Estado a financiar o negócio das empresas de trabalho temporário para fazer o que cabe ao IEFP fazer.
Se queremos valorizar a função dos centros de emprego, temos também de acabar com este negócio deplorável e atribuir aos centros de emprego a missão que lhes pertence: serem a plataforma de encontro entre as ofertas de emprego disponíveis e os desempregados que procuram um emprego compatível com as suas competências.
Mas há uma segunda dimensão de degradação da missão do Instituto de Emprego e Formação Profissional, que é o modo como se tem tratado a própria formação. Nos últimos anos, os centros de emprego transformaram-se em centros de gestão punitiva de desempregados e a formação passou a ser feita em pacotes, assegurada por formadores a falso recibo verde e com uma única orientação central: manipular as estatísticas do desemprego.
Este modelo não faz nenhum sentido. As formações propostas não têm em conta a realidade local e a economia do território, não têm em conta o perfil da pessoa desempregada, ignoram as suas qualificações, os seus interesses e a pertinência da formação para aquela pessoa. São pacotes que é preciso encher com pessoas para que os técnicos apresentem números e para que os ministros façam desparecer desempregados mesmo sem terem criado um único emprego. Foi isto que aconteceu nos quatro anos do governo do PSD e do CDS. E sim, é também isto que é preciso mudar.
Acabar com as apresentações quinzenais, procedimento vazio feito nas juntas de freguesia, não é substituí-las por um procedimento igualmente vazio feito nos centros de emprego, o que seria ainda pior porque os centros de emprego são mais longe da residência das pessoas e por isso é mais cara a deslocação. Não, o objetivo não é esse. É acabar com as apresentações quinzenais, seja nas juntas seja nos centros de emprego.
Acabar com as apresentações quinzenais também não é substituí-las por apresentações igualmente vazias, mas mensais. O problema das apresentações obrigatórias não é um problema de periodicidade. É o facto de serem vazias e humilhantes – e por isso burocráticas e por isso totalmente inúteis.
Há meses que o Bloco de Esquerda mantém um diálogo com o Governo sobre este assunto. Hoje, chegamos a um compromisso. E para que não haja dúvidas, esse compromisso é acabar com as humilhações quinzenais e refundar o modo como o Estado olha para os desempregados e para a sua dignidade.
Não resolve tudo, certamente. Mas começamos pelo princípio: o respeito que as pessoas nos merecem".