Escrito ou enviado por Revista Cobertura, in Seguros
O 21º Congresso Internacional UNIDAS – CAMINHOS PARA INOVAR terá a participação das médicas portuguesas Paula Cristina Silva e Joana Abreu. Elas participam, com o médico e presidente da Aliança Global de Centros Internacionais de Longevidade, Alexandre Kalache, do painel “Viver mais, mas com saúde: os desafios da longevidade”, e levarão aos participantes o contraponto europeu, com o contexto epidemiológico, indicadores de saúde demográficos da população geriátrica atual e diferença entre os países. “Vamos apresentar as estratégias europeias para lidar com o envelhecimento e falar do estímulo ao envelhecimento ativo, promoção de estilos de vida saudáveis e prevenção de doenças crônicas”, informa Paula.
“Também trataremos da realidade em Portugal, apresentando a história e estrutura do nosso Serviço Nacional de Saúde e os Planos de Ação existentes nesta área. Neste contexto, faremos uma reflexão sobre os desafios do dia a dia da prática clínica e das estratégias para adaptar os serviços de saúde, o atendimento, a articulação entre profissionais, comunidade; análise das dificuldades e perspectiva de melhoria no futuro”, complementa, lembrando que o envelhecimento da população é uma realidade e um desafio para os sistemas de saúde de todo o mundo.
Congresso UNIDAS
O Congresso UNIDAS ocorre de 7 a 9 de novembro, na Costa do Sauípe (BA). O evento contará com a participação de especialistas internacionais, nacionais, gestores de planos de saúde, dirigentes e executivos de instituições públicas e privadas, médicos, enfermeiros, acadêmicos, formadores de opinião e prestadores de serviços. Este ano, 800 congressistas devem acompanhar as palestras.
Durante o Congresso acontecerá a 4ª Expo UNIDAS, na qual empresas fornecedoras expõem seus produtos e serviços desenvolvidos para atender o sistema de saúde brasileiro (equipamentos, soluções tecnológicas e ferramentas de gestão). Também haverá a entrega do Prêmio Saúde UNIDAS 2018 para os autores dos melhores trabalhos sobre a assistência à saúde de qualidade fundamentada nas práticas da autogestão em saúde.
24.9.18
A República não pode desistir dos ciganos
in Público on-line
É espantoso o silêncio quase generalizado da opinião pública perante uma discriminação grave, ainda mais quando justificada por razões "culturais" ou "étnicas".
Um tribunal de Portalegre decidiu que uma rapariga "cigana" podia abandonar a escola – aos 15 anos e, portanto, sem cumprir a escolaridade obrigatória. O acórdão alega o peso da "tradição" (cigana) e que a rapariga já terá as "competências escolares básicas necessárias (...) à integração social no seu meio de pertença". A decisão não é (infelizmente) inédita, e a dramática lentidão da justiça implica que dificilmente poderá ser revertida em tempo útil. Todavia, é espantoso o silêncio quase generalizado da opinião pública perante uma discriminação grave, ainda mais quando justificada por razões "culturais" ou "étnicas".
Mais populares
A escolaridade obrigatória não é um direito como os outros. É o direito que deve permitir às crianças emanciparem-se das limitações sociais e culturais do seu meio de origem e tornarem-se cidadãos iguais entre si. Negá-lo é impedir que venham realmente a integrar-se na sociedade e viver a plenitude das suas escolhas. É abdicar da igualdade de todos perante a lei. Além disso, contribui para que as taxas de insucesso e abandono escolar dos ciganos se mantenham mais elevadas do que a média – como acontece principalmente entre as raparigas –, prejudicando o progresso recente no acesso desta minoria ao ensino. Esta discriminação junta-se a outras da responsabilidade do Estado, como a não garantia completa de acesso à habitação social ou a manutenção de turmas e até escolas exclusivamente frequentadas por ciganos (como é o caso numa escola de Famalicão).
A segregação dos ciganos conforta preconceitos: de uma parte da sociedade maioritária, que por racismo prefere os ciganos isolados, assinalados e pobres; e de uma parte dos ciganos, que consideram a sobrevivência das suas tradições e costumes ameaçados pela maioria. Nem os preconceitos de uns nem de outros podem ser considerados numa decisão de um tribunal da República. Porque o Estado desistir de integrar os ciganos é assumir que a cidadania é de geometria variável com as culturas e tradições. E porque o direito à diferença não pode descambar em diferenças no Direito: os cidadãos portugueses ciganos têm direito a manter sem estigmatização os seus costumes e tradições que respeitem as leis gerais, mas não se pode ignorar que dentro das minorias também existe frequentemente estigmatização de quem abandona o grupo – e na cultura cigana uma menorização tradicional das mulheres.
Por entre a floresta das culturas, das tradições, das identidades e dos preconceitos, a República tem que ver cada cidadão como uma árvore que independentemente das suas raízes merece atenção para poder crescer e frutificar.
É espantoso o silêncio quase generalizado da opinião pública perante uma discriminação grave, ainda mais quando justificada por razões "culturais" ou "étnicas".
Um tribunal de Portalegre decidiu que uma rapariga "cigana" podia abandonar a escola – aos 15 anos e, portanto, sem cumprir a escolaridade obrigatória. O acórdão alega o peso da "tradição" (cigana) e que a rapariga já terá as "competências escolares básicas necessárias (...) à integração social no seu meio de pertença". A decisão não é (infelizmente) inédita, e a dramática lentidão da justiça implica que dificilmente poderá ser revertida em tempo útil. Todavia, é espantoso o silêncio quase generalizado da opinião pública perante uma discriminação grave, ainda mais quando justificada por razões "culturais" ou "étnicas".
Mais populares
A escolaridade obrigatória não é um direito como os outros. É o direito que deve permitir às crianças emanciparem-se das limitações sociais e culturais do seu meio de origem e tornarem-se cidadãos iguais entre si. Negá-lo é impedir que venham realmente a integrar-se na sociedade e viver a plenitude das suas escolhas. É abdicar da igualdade de todos perante a lei. Além disso, contribui para que as taxas de insucesso e abandono escolar dos ciganos se mantenham mais elevadas do que a média – como acontece principalmente entre as raparigas –, prejudicando o progresso recente no acesso desta minoria ao ensino. Esta discriminação junta-se a outras da responsabilidade do Estado, como a não garantia completa de acesso à habitação social ou a manutenção de turmas e até escolas exclusivamente frequentadas por ciganos (como é o caso numa escola de Famalicão).
A segregação dos ciganos conforta preconceitos: de uma parte da sociedade maioritária, que por racismo prefere os ciganos isolados, assinalados e pobres; e de uma parte dos ciganos, que consideram a sobrevivência das suas tradições e costumes ameaçados pela maioria. Nem os preconceitos de uns nem de outros podem ser considerados numa decisão de um tribunal da República. Porque o Estado desistir de integrar os ciganos é assumir que a cidadania é de geometria variável com as culturas e tradições. E porque o direito à diferença não pode descambar em diferenças no Direito: os cidadãos portugueses ciganos têm direito a manter sem estigmatização os seus costumes e tradições que respeitem as leis gerais, mas não se pode ignorar que dentro das minorias também existe frequentemente estigmatização de quem abandona o grupo – e na cultura cigana uma menorização tradicional das mulheres.
Por entre a floresta das culturas, das tradições, das identidades e dos preconceitos, a República tem que ver cada cidadão como uma árvore que independentemente das suas raízes merece atenção para poder crescer e frutificar.
Quase duplicou o número de estrangeiros a viver em Portugal
Lucília Tiago, in DN
Condições do país e benefícios fiscais atraíram no último ano e meio mais estrangeiros. Foi um aumento de 83% no número de residentes não habituais, que faz subir para 23 767 as pessoas com este estatuto. São sobretudo franceses, britânicos e italianos que estão a subir. Também há portugueses a voltar, mas são apenas 6% do total.
Regime dos Residentes Não Habituais rende mais do que desconto de 50% no IRS
Em apenas um ano e meio, entre janeiro de 2017 e agosto deste ano, o número de residentes não habituais (RNH) em Portugal aumentou 83%, atraídos pelos benefícios fiscais oferecidos pelo governo. Ao todo são já 23 767, a grande parte franceses, britânicos e italianos. O regime fiscal criado em 2009 para atrair estrangeiros (trabalhadores qualificados e reformados) também pode ser usado por portugueses desde que não tenham residido no país nos cinco anos anteriores. Mas poucos o fazem. Apenas 1502 residentes não habituais (6%) têm naturalidade portuguesa.
Em traços gerais, o regime dos RNH permite a trabalhadores que integram uma lista de profissões consideradas de elevado valor acrescentado pagar uma taxa de IRS de 20% sobre os rendimentos do trabalho e confere uma dupla isenção de tributação aos reformados (nas pensões). Para se beneficiar destas condições (que são concedidas por um período de dez anos, não renovável) é necessário ter tido residência fiscal fora de Portugal nos cinco anos anteriores ao pedido de adesão e passar a morar em Portugal pelo menos 183 dias por ano.
dinheiro vivo
Regime dos Residentes Não Habituais rende mais do que desconto de 50% no IRS
A vaga de emigração a que o país assistiu durante o período da crise abre caminho para que muitos portugueses possam aderir àquele regime, caso regressem a Portugal. Mas os dados facultados pelo Ministério das Finanças indicam que o número tem um peso relativo reduzido.
Os 1502 aderentes portugueses contrastam com os quase sete mil pedidos que, ao que o DN/Dinheiro Vivo apurou, terão chegado à Autoridade Tributária e Aduaneira. Os consultores fiscais que habitualmente acompanham estes processos admitem que a diferença se deva a alguns entraves que encontram na formalização do pedido e que travam o seu deferimento. E exemplificam com os casais em que apenas um dos elementos regressa a Portugal, mas ao qual é vedada a adesão ao regime dos RNH porque - apesar de o regime da tributação em separado ter passado a ser regra - a administração fiscal entende que não estão preenchidos os requisitos.
À semelhança de Portugal são vários os países europeus que têm regimes fiscais desenhados com o objetivo de atrair determinada tipologia de rendimentos ou de contribuintes, mas o facto de por cá ter sido decidido não cobrar IRS aos reformados estrangeiros (desde que a pensão seja paga por outro país) colocou o regime português na mira das críticas das Finanças finlandesa e sueca.
Mas os dados agora divulgados mostram que há somente 2071 suecos que têm o estatuto de residente não habitual em Portugal, tendo sido 2042 os que vieram da Suécia - o que indicia que 30 já viviam fora do seu país natal e se mudaram para cá. Os países de onde têm vindo mais RNH são França (5448), Grã-Bretanha e Irlanda do Norte (2718) e Itália (2513). Da Finlândia vieram apenas 491.
O Bloco de Esquerda, nas medidas propostas para o Orçamento do Estado, defende o fim deste regime fiscal. Mas quem acompanha estes casos vê com preocupação eventuais mudanças na lei pela instabilidade que causam e por poderem levar a que muitos destes estrangeiros, mais qualificados e com maior poder de compra, se mudem para um outro país europeu onde poderão beneficiar de soluções fiscais que foram desenhadas com o mesmo fim.
habitação
BE quer travar benefícios fiscais a reformados estrangeiros
António Costa, paralelamente, já anunciou que o próximo OE incluirá medidas fiscais (em sede de IRS) dirigidas aos portugueses que deixaram o país no período da troika e queiram regressar nos próximos dois anos. A solução passará por um desconto de 50% no imposto, mas os contornos da medida não são ainda conhecidos.
Condições do país e benefícios fiscais atraíram no último ano e meio mais estrangeiros. Foi um aumento de 83% no número de residentes não habituais, que faz subir para 23 767 as pessoas com este estatuto. São sobretudo franceses, britânicos e italianos que estão a subir. Também há portugueses a voltar, mas são apenas 6% do total.
Regime dos Residentes Não Habituais rende mais do que desconto de 50% no IRS
Em apenas um ano e meio, entre janeiro de 2017 e agosto deste ano, o número de residentes não habituais (RNH) em Portugal aumentou 83%, atraídos pelos benefícios fiscais oferecidos pelo governo. Ao todo são já 23 767, a grande parte franceses, britânicos e italianos. O regime fiscal criado em 2009 para atrair estrangeiros (trabalhadores qualificados e reformados) também pode ser usado por portugueses desde que não tenham residido no país nos cinco anos anteriores. Mas poucos o fazem. Apenas 1502 residentes não habituais (6%) têm naturalidade portuguesa.
Em traços gerais, o regime dos RNH permite a trabalhadores que integram uma lista de profissões consideradas de elevado valor acrescentado pagar uma taxa de IRS de 20% sobre os rendimentos do trabalho e confere uma dupla isenção de tributação aos reformados (nas pensões). Para se beneficiar destas condições (que são concedidas por um período de dez anos, não renovável) é necessário ter tido residência fiscal fora de Portugal nos cinco anos anteriores ao pedido de adesão e passar a morar em Portugal pelo menos 183 dias por ano.
dinheiro vivo
Regime dos Residentes Não Habituais rende mais do que desconto de 50% no IRS
A vaga de emigração a que o país assistiu durante o período da crise abre caminho para que muitos portugueses possam aderir àquele regime, caso regressem a Portugal. Mas os dados facultados pelo Ministério das Finanças indicam que o número tem um peso relativo reduzido.
Os 1502 aderentes portugueses contrastam com os quase sete mil pedidos que, ao que o DN/Dinheiro Vivo apurou, terão chegado à Autoridade Tributária e Aduaneira. Os consultores fiscais que habitualmente acompanham estes processos admitem que a diferença se deva a alguns entraves que encontram na formalização do pedido e que travam o seu deferimento. E exemplificam com os casais em que apenas um dos elementos regressa a Portugal, mas ao qual é vedada a adesão ao regime dos RNH porque - apesar de o regime da tributação em separado ter passado a ser regra - a administração fiscal entende que não estão preenchidos os requisitos.
À semelhança de Portugal são vários os países europeus que têm regimes fiscais desenhados com o objetivo de atrair determinada tipologia de rendimentos ou de contribuintes, mas o facto de por cá ter sido decidido não cobrar IRS aos reformados estrangeiros (desde que a pensão seja paga por outro país) colocou o regime português na mira das críticas das Finanças finlandesa e sueca.
Mas os dados agora divulgados mostram que há somente 2071 suecos que têm o estatuto de residente não habitual em Portugal, tendo sido 2042 os que vieram da Suécia - o que indicia que 30 já viviam fora do seu país natal e se mudaram para cá. Os países de onde têm vindo mais RNH são França (5448), Grã-Bretanha e Irlanda do Norte (2718) e Itália (2513). Da Finlândia vieram apenas 491.
O Bloco de Esquerda, nas medidas propostas para o Orçamento do Estado, defende o fim deste regime fiscal. Mas quem acompanha estes casos vê com preocupação eventuais mudanças na lei pela instabilidade que causam e por poderem levar a que muitos destes estrangeiros, mais qualificados e com maior poder de compra, se mudem para um outro país europeu onde poderão beneficiar de soluções fiscais que foram desenhadas com o mesmo fim.
habitação
BE quer travar benefícios fiscais a reformados estrangeiros
António Costa, paralelamente, já anunciou que o próximo OE incluirá medidas fiscais (em sede de IRS) dirigidas aos portugueses que deixaram o país no período da troika e queiram regressar nos próximos dois anos. A solução passará por um desconto de 50% no imposto, mas os contornos da medida não são ainda conhecidos.
A surpresa dos salários parados
Manuel Carvalho da Silva, in JN
As tendências da evolução salarial nos últimos anos têm gerado pronunciamentos públicos de surpresa e preocupação, por parte de instituições internacionais, sobre o que se passa no plano global, na Europa e em Portugal. Dizem-se perplexos por a trajetória de crescimento económico e de expansão do emprego não estar a ser acompanhada por um crescimento dos salários. Este cenário, aparentemente contraditório, desafia a teoria económica nas suas conjeturas sobre a relação entre níveis de emprego e desemprego e evolução dos salários, ou no que se refere à relação entre emprego, produtividade e salários.
A imposição de políticas de austeridade e de corte nos direitos laborais e sociais - promovida por estas instituições que agora se dizem perplexas - empobreceu as pessoas no imediato e criou outras realidades negativas para o futuro, por exemplo, no que se refere à distribuição da riqueza produzida.
A partir de 2016, começou a formar-se um consenso entre decisores políticos e instituições, acerca da necessidade de crescimento dos salários. Declarações de responsáveis do Banco Central Europeu (BCE), da Comissão Europeia e do Fundo Monetário Internacional (FMI) expressaram essa preocupação. Trata-se de uma preocupação que nada tem a ver com a criação de melhores condições de vida para os cidadãos. O objetivo destes grandes atores dos poderes dominantes é somente garantir que as pessoas, tal como as empresas e os estados, paguem "as suas dívidas" até ao tutano e dediquem uma maior parcela do seu rendimento ao consumo e ao investimento. Sempre favorecendo os que mais podem e têm.
Um relatório recente da OCDE (Employment Outlook 2018) tem exatamente por tema o paradoxo (e o problema) dos salários que não sobem quando o emprego aumenta. Nesse relatório, Portugal surge nas posições cimeiras dos países onde mais emprego foi criado depois de 2013 e em que menos subiram os salários reais.
A matéria é complexa e justifica análises de natureza multidisciplinar. Não haverá, seguramente, uma única explicação para os factos que sustentam a "perplexidade" daquelas instituições. Uma hipótese é as taxas de desemprego estarem a subestimar o desemprego real e o subemprego. Uma outra é a disseminação da precariedade substituir cada vez mais empregos permanentes e mais bem pagos por trabalho precário e mal pago.
Será que a estagnação dos salários médios é fruto de o novo emprego estar a ser criado sobretudo em setores com níveis remuneratórios inferiores à média? A reconfiguração da estrutura do emprego ao nível setorial é uma dimensão de análise importantíssima.
A nova forma de organização económica de base tecnológica, ancorada em atividades "colaborativas", bem como velhas e novas expressões da economia paralela, também podem estar a ajudar a estagnar os salários. Por outro lado, não será que o Estado, ao negar aumentos salariais aos seus trabalhadores, acaba por marcar um referencial de políticas salariais e de rendimentos para a economia nacional?
Nesta análise, não se pode deixar de fora da equação os impactos das alterações à legislação laboral no plano europeu e nacional, que enfraqueceram a posição dos trabalhadores e a capacidade negocial e de ação dos sindicatos. Desde as que reduziram a proteção no emprego facilitando despedimentos e permitindo que a precariedade se tornasse um problema sistémico, às que em nome da flexibilidade do tempo de trabalho permitem que o trabalho extraordinário não seja pago como tal, em resultado da proliferação dos bancos de horas. E a fragilização da negociação coletiva, bem como a subversão do papel e da natureza do direito do trabalho travaram muito crescimento dos salários.
Impõe-se um debate que permita identificar as causas e consequências da estagnação e, sobretudo, desenhar políticas que evitem a projeção no futuro de um novo normal de salários baixos e de uma população ativa e residente que declina. Contribuindo para este objetivo, vai realizar-se, no próximo dia 28, no ISCTE-IUL, em Lisboa, um importante seminário internacional sob o lema "Porque não sobem os salários? - salário, emprego e legislação laboral".
As tendências da evolução salarial nos últimos anos têm gerado pronunciamentos públicos de surpresa e preocupação, por parte de instituições internacionais, sobre o que se passa no plano global, na Europa e em Portugal. Dizem-se perplexos por a trajetória de crescimento económico e de expansão do emprego não estar a ser acompanhada por um crescimento dos salários. Este cenário, aparentemente contraditório, desafia a teoria económica nas suas conjeturas sobre a relação entre níveis de emprego e desemprego e evolução dos salários, ou no que se refere à relação entre emprego, produtividade e salários.
A imposição de políticas de austeridade e de corte nos direitos laborais e sociais - promovida por estas instituições que agora se dizem perplexas - empobreceu as pessoas no imediato e criou outras realidades negativas para o futuro, por exemplo, no que se refere à distribuição da riqueza produzida.
A partir de 2016, começou a formar-se um consenso entre decisores políticos e instituições, acerca da necessidade de crescimento dos salários. Declarações de responsáveis do Banco Central Europeu (BCE), da Comissão Europeia e do Fundo Monetário Internacional (FMI) expressaram essa preocupação. Trata-se de uma preocupação que nada tem a ver com a criação de melhores condições de vida para os cidadãos. O objetivo destes grandes atores dos poderes dominantes é somente garantir que as pessoas, tal como as empresas e os estados, paguem "as suas dívidas" até ao tutano e dediquem uma maior parcela do seu rendimento ao consumo e ao investimento. Sempre favorecendo os que mais podem e têm.
Um relatório recente da OCDE (Employment Outlook 2018) tem exatamente por tema o paradoxo (e o problema) dos salários que não sobem quando o emprego aumenta. Nesse relatório, Portugal surge nas posições cimeiras dos países onde mais emprego foi criado depois de 2013 e em que menos subiram os salários reais.
A matéria é complexa e justifica análises de natureza multidisciplinar. Não haverá, seguramente, uma única explicação para os factos que sustentam a "perplexidade" daquelas instituições. Uma hipótese é as taxas de desemprego estarem a subestimar o desemprego real e o subemprego. Uma outra é a disseminação da precariedade substituir cada vez mais empregos permanentes e mais bem pagos por trabalho precário e mal pago.
Será que a estagnação dos salários médios é fruto de o novo emprego estar a ser criado sobretudo em setores com níveis remuneratórios inferiores à média? A reconfiguração da estrutura do emprego ao nível setorial é uma dimensão de análise importantíssima.
A nova forma de organização económica de base tecnológica, ancorada em atividades "colaborativas", bem como velhas e novas expressões da economia paralela, também podem estar a ajudar a estagnar os salários. Por outro lado, não será que o Estado, ao negar aumentos salariais aos seus trabalhadores, acaba por marcar um referencial de políticas salariais e de rendimentos para a economia nacional?
Nesta análise, não se pode deixar de fora da equação os impactos das alterações à legislação laboral no plano europeu e nacional, que enfraqueceram a posição dos trabalhadores e a capacidade negocial e de ação dos sindicatos. Desde as que reduziram a proteção no emprego facilitando despedimentos e permitindo que a precariedade se tornasse um problema sistémico, às que em nome da flexibilidade do tempo de trabalho permitem que o trabalho extraordinário não seja pago como tal, em resultado da proliferação dos bancos de horas. E a fragilização da negociação coletiva, bem como a subversão do papel e da natureza do direito do trabalho travaram muito crescimento dos salários.
Impõe-se um debate que permita identificar as causas e consequências da estagnação e, sobretudo, desenhar políticas que evitem a projeção no futuro de um novo normal de salários baixos e de uma população ativa e residente que declina. Contribuindo para este objetivo, vai realizar-se, no próximo dia 28, no ISCTE-IUL, em Lisboa, um importante seminário internacional sob o lema "Porque não sobem os salários? - salário, emprego e legislação laboral".
Investigadores criticam concurso da FCT que negou contrato a 3500 candidatos
Andrea Cunha Freitas, in Público on-line
Fundação para a Ciência e a Tecnologia lembra que os candidatos podem recorrer das decisões e também sublinha que existem “outras oportunidades” para apoiar investigadores nas diferentes fases da sua carreira, num total de 5000 contratos de trabalho.
Os resultados do Concurso Estímulo ao Emprego Científico da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) foram conhecidos no início desta semana ficando a saber-se que foram atribuídos 500 contratos de trabalho, com a duração de seis anos. A polémica encontra-se, no entanto, entre os 3500 excluídos. As críticas são de todo o tipo, abrangentes e específicas, e vêm de todo o lado, de investigadores juniores até ao topo da carreira, dos investigadores coordenadores. Muitos candidatos mostraram-se surpreendidos com os resultados deste concurso que excluiu, entre outros nomes conhecidos, Maria Manuel Mota e Irene Pimentel, ambas vencedoras do Prémio Pessoa. Mas há outros. Cosmin Nada, que poucas pessoas deverão conhecer, também ficou de fora e sente que “perdeu o chão”.
As investigadoras Maria Manuel Mota e Irene Pimentel, cientistas de topo de carreira com um palmarés de fazer inveja, são dois dos nomes na longa lista de milhares de candidaturas recusadas pelo júri internacional do Concurso Estímulo ao Emprego Científico, lançado pela FCT. A exclusão destas investigadoras surpreendeu muita gente dentro e fora da comunidade científica, mas terá sido, sobretudo, uma surpresa para as próprias. “Foi algo que me chocou, que me surpreendeu completamente. Porque não tem a ver com o currículo, nem com o projecto que foi elogiadíssimo”, desabafou ao PÚBLICO a historiadora Irene Pimentel.
Já foi um supermercado, agora voltou a ser um palheiro
Passados cinco dias do anúncio dos resultados, Irene Pimentel refere que ainda não decidiu se vai recorrer da decisão. Mas não é possível rebater os argumentos que sustentam a exclusão da sua candidatura? “É, completamente. Uma das coisas que eu depois quero fazer é divulgar a avaliação que foi feita. Mas que não posso agora fazer, porque o processo ainda está em andamento e ainda não decidi se vou recorrer”. A hesitação sobre o recurso surge quase por cansaço. “Eu já concorri outras vezes e sei que os recursos normalmente não servem de nada”, acredita a historiadora.
Irene Pimentel insiste que a sua exclusão “é fácil de rebater”, mas, pelo menos para já, abstém-se de a criticar. “Não posso concorrer a um concurso e depois dizer que a avaliação, porque me foi recusada a candidatura, foi disparatada. Sei que no júri estão especialistas estrangeiros, são de várias universidades, mas não os conheço”.
Agora, diz, resta procurar outras instituições interessadas em financiar o seu trabalho que tinha como propósito a investigar as relações entre a PIDE/DGS e os serviços secretos na Europa e nos Estados Unidos da América. “Não vou ficar parada. Para continuar a trabalhar preciso do dinheiro no fim do mês.” Na proposta feita à FCT, a investigadora candidatava-se a um contrato de trabalho por seis anos na mais alta categoria, o topo de carreira, de investigador coordenador. Irene Pimentel afirma que desconhece ao certo o valor definido nos estatutos para esta categoria. A FCT esclarece que o vencimento de um investigador coordenador é de 4.664,97 euros (brutos).
"Mecenas são bem-vindos"
A cientista Maria Manuel Mota, directora do Instituto Medicina Molecular e distinguida em 2013 com o Prémio Pessoa pelos anos de estudo na área da malária, em que se destacou a nível internacional, também ficou de fora do Concurso Estímulo ao Emprego Científico da FCT. A investigadora começa por explicar ao PÚBLICO que “o problema central aqui não é este concurso em particular ou situações caricatas que possam sair do concurso”. E continua: “O que na minha opinião (e na de muitos colegas que conheço) está errado é esta estratégia de contratação científica feita em cima do joelho. Não podemos criar 'emprego científico' às cegas e a torto e a direito, se as instituições não têm a solidez para assegurar compromissos de longo prazo. O que precisamos é de instituições de grande qualidade e sólidas, com orçamentos baseados numa avaliação periódica mas multianuais e previsíveis, de modo a que se lhes seja exigido estratégias de médio e longo prazo”.
Dito isto, Maria Mota refere que sobre o processo agora em discussão não há muito a dizer. A investigadora queria avançar mais ainda na pesquisa sobre os mecanismos e estratégias usadas pelo parasita da malária para infectar o hospedeiro, na esperança de ajudar a travar a doença que afecta milhões de pessoas. Agora, se o fizer, não será ao abrigo deste contrato de trabalho da FCT, até porque, avisa desde já, que não vai apresentar recurso da decisão. “Quando entramos no jogo cumprimos as regras e aceitamos o resultado. Por isso não irei recorrer. Eu gosto muito do projecto que submeti e acho que já demonstrei no passado ter capacidade para executar projectos deste tipo, mas o júri não tem a mesma opinião e eu tenho mais é que a respeitar”, diz ao PÚBLICO, numa resposta por email.
Sobre os argumentos apresentados para a exclusão do seu projecto, adianta apenas que sobre o seu currículo tem “apenas uma frase muito neutra que parece transmitir que não o acham nada de especial” e em relação ao projecto “afirmam que, apesar de muito inovador, não se explica bem qual a importância e o impacto para a saúde humana”. E agora? Entre outro tipo de financiamento que possa vir a conseguir, Maria Mota afirma que "todos os mecenas são bem-vindos”. “Não só como investigadora mas também como directora executiva do IMM, adoraria que grande parte do nosso financiamento fosse coberto por filantropos que acreditam no nosso projecto global do instituto com o objectivo de criar uma sociedade futura com mais saúde e menos doença”, anuncia.
A verdade é que a investigadora e a sua equipa têm arrecadado vários prémios. É fácil perder o fio à moeda em contas de milhões. “Entre financiamentos de maior calibre, projectos de investigação e prémios, a nossa equipa de investigação já arrecadou mais de seis milhões de euros desde 2005. Neste valor não estão incluídas as bolsas individuais nacionais e internacionais dos investigadores na equipa e que cobrem os salários de muitos deles”, esclarece a cientista.
Bolsas de pós-doutoramento vão ser substituídas por contratos de trabalho
Por fim, resta uma resposta à estupefacção manifestada nas redes sociais sobre o facto de Maria Mota ainda ter de concorrer a estes concursos que querem acabar com a precariedade na ciência e ainda não lhe ter sido oferecido um lugar no quadro da Universidade de Lisboa. “Não sou precária e não o sou desde 2005, quando iniciei a minha equipa no IMM. Sempre tive contratos de trabalho com o IMM. O último era coberto por fundos da FCT (FCT investigador) mas não deixa de ser um contrato feito com o IMM, com segurança social, IRS. Nunca achei que ter um contrato de cinco anos possa ser considerado um estado de precariedade”, clarifica.
E sobre o lugar no quadro da universidade, a investigadora também esclarece que em 2005 a Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa a convidou para ser professora. “Não aceitei um contrato a 100%, pois, apesar de gostar muito de dar aulas e do contacto com os alunos, queria continuar a dedicar-me com toda a minha energia à descoberta científica. Assim, desde 2005 que mantenho um contrato a 30% com a FMUL, dou algumas aulas, e tudo isto foi minha opção.”
Cosmin Nada sem opções
Cosmin Nada tem 30 anos, um doutoramento ainda fresco (concluído no final de 2017) e poucas opções depois da “nega” que recebeu da FCT esta semana. Depois de ter mostrado na sua tese de doutoramento que as universidades portuguesas falham no acolhimento a estudantes estrangeiros, fez agora uma proposta sobre “a internacionalização do ensino superior e a forma como as universidades lidam com a diversidade cultural”. Ao contrário de outros investigadores, não ficou surpreendido com a exclusão do seu projecto, uma vez que, apesar do mérito que lhe atribui, já previa este desfecho por ter pouca experiência. Mas a confirmação de uma esperada exclusão não diminui o desalento e indignação de Cosmin Nada.
O investigador que concorreu a um contrato como investigador júnior (2128,34 euros brutos por mês), sente-se injustiçado por várias razões. Denuncia, por exemplo, que a sua proposta foi avaliada por um júri do painel de Educação, Psicologia e Ciências Cognitivas. “A junção destas áreas é discriminatória para os cientistas da área da Educação”, diz. Denuncia ainda que no painel de 17 cientistas internacionais que o avaliaram existiam apenas três especialistas em Ciências da Educação. “Ou seja, a FCT incluiu no título do painel a palavra educação, mas desconsiderou quase por completo esta área”, diz. Sobre o mesmo tema, arrisca dizer que, tanto quanto conseguiu perceber, apenas quatro candidatos de centros de investigação em educação foram financiados a nível nacional neste painel. No Centro de Investigação e Intervenção Educativas da Universidade do Porto houve mais 12 candidaturas além da sua. Resultado? Todas excluídas.
As críticas não ficam por aqui. Para o candidato é difícil encontrar justiça num concurso que na categoria de investigador júnior mete no mesmo saco todos os candidatos com menos de cinco anos de experiência, atribuindo um peso de 70% na nota final ao currículo (os restantes 30% são para a avaliação do projecto). “Naturalmente, um investigador que tenha concluído o doutoramento há quatro anos vai ter um currículo radicalmente diferente de uma pessoa que o concluiu há quatro meses”, constata o candidato com cinco artigos publicados.
O cenário parece-lhe ainda mais incoerente quando a própria FCT define o investigador júnior no Aviso para a Apresentação de Candidaturas como "doutorado com reduzida experiência de investigação pós-doutoral ou sem currículo científico após o doutoramento na área científica a que se candidata". Ou seja, não precisam de ter experiência, mas essa experiência tem um peso decisivo na candidatura e, além disso, concorrem com quem tem quatro vezes mais? “Parece-me que os recém-doutorados têm pouquíssimas hipóteses de conseguir um contrato destes e, visto que as bolsas de pós-doutoramento acabaram, o que lhes resta?”, pergunta Cosmin Nada.
“Cada bolsa tem de ser transformada num contrato de trabalho”
Apesar de todas as reservas, o candidato sublinha que a evolução das precárias bolsas de pós-doutoramento para contratos de trabalho (com todos os direitos que isso implica, desde o 13.º mês ao acesso a subsídio de desemprego no final dos seis anos) foi “algo fantástico”. Mas era preciso conseguir chegar lá. Sobre a possibilidade de se candidatar a outras oportunidades abertas na FCT para financiar a sua investigação, Cosmin Nada também acredita que tem poucas hipóteses por, lá está, se encontrar no início de carreira. As outras portas, como a que foi aberta pela Norma transitória do DL 57/2016 com 2000 contratos de trabalho, "estão muito nas mãos das instituições", diz. “E normalmente, as instituições escolhem quem já conhecem. Dificilmente um investigador do Porto conseguiria um contrato em Lisboa ou Coimbra, por exemplo”. Assim, Cosmin Nada garante que vai recorrer da decisão deste concurso da FCT com os argumentos que apresentou ao PÚBLICO. “Não será uma queixa sobre o meu processo, mas uma queixa de procedimento”, avisa. Sobre as suas perspectivas, adianta que os planos mais imediatos passam por um estágio de seis meses em Bruxelas, na União Europeia, onde irá ganhar cerca de 1200 euros por mês. “Sinto que perdi o chão”, desabafa.
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A propósito das críticas que têm vindo a público, a FCT começa por esclarecer que não se pronuncia “sobre casos particulares”. Para todos, lembra que os candidatos podem pronunciar-se, no prazo de dez dias úteis, contados da notificação da proposta de decisão. No final desta semana, não tinha dados disponíveis sobre o número de recursos apresentados.
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Emprego científico: boas intenções e pecados fatais
Ainda sobre os resultados, fonte do gabinete de comunicação da FCT esclarece que “a avaliação do Concurso Estímulo ao Emprego Científico – Individual (CEEC Individual) foi feita por 374 investigadores internacionais e independentes reconhecidos nas suas áreas científicas, distribuídos por 25 painéis” Acrescentando que, “seguindo as melhores práticas internacionais, os painéis de avaliação são soberanos e a FCT não interfere na classificação das candidaturas”. E aos mais de 3500 candidatos que ficaram de fora, recorda-se que “a FCT promove também outras vias de emprego científico, através das quais está a criar oportunidades para quase 5000 contratos de trabalho para apoiar investigadores nas diferentes fases da sua carreira”.
A saber: CEEC Individual 2017 (500 contratos de seis anos em todos os níveis de carreira), CEEC Institucional 2018 (400 contratos de seis anos em todos os níveis de carreira e contratos de integração na carreira (quadros da instituição), Concurso para Projecto de I&D 2017 (1600 projectos - cada projecto tem de contratar um investigador doutorado por um mínimo de 30 meses), Norma transitória do DL 57/2016 (cerca de 2000 contratos de trabalho de seis anos - em instituições públicas - ou de tempo variável - em instituições privadas), Avaliação das Unidades de I&D 2017/2018 (400 contratos de seis anos). Assim, conclui a mesma fonte da FCT, “há muitas oportunidades para todos”.
Fundação para a Ciência e a Tecnologia lembra que os candidatos podem recorrer das decisões e também sublinha que existem “outras oportunidades” para apoiar investigadores nas diferentes fases da sua carreira, num total de 5000 contratos de trabalho.
Os resultados do Concurso Estímulo ao Emprego Científico da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) foram conhecidos no início desta semana ficando a saber-se que foram atribuídos 500 contratos de trabalho, com a duração de seis anos. A polémica encontra-se, no entanto, entre os 3500 excluídos. As críticas são de todo o tipo, abrangentes e específicas, e vêm de todo o lado, de investigadores juniores até ao topo da carreira, dos investigadores coordenadores. Muitos candidatos mostraram-se surpreendidos com os resultados deste concurso que excluiu, entre outros nomes conhecidos, Maria Manuel Mota e Irene Pimentel, ambas vencedoras do Prémio Pessoa. Mas há outros. Cosmin Nada, que poucas pessoas deverão conhecer, também ficou de fora e sente que “perdeu o chão”.
As investigadoras Maria Manuel Mota e Irene Pimentel, cientistas de topo de carreira com um palmarés de fazer inveja, são dois dos nomes na longa lista de milhares de candidaturas recusadas pelo júri internacional do Concurso Estímulo ao Emprego Científico, lançado pela FCT. A exclusão destas investigadoras surpreendeu muita gente dentro e fora da comunidade científica, mas terá sido, sobretudo, uma surpresa para as próprias. “Foi algo que me chocou, que me surpreendeu completamente. Porque não tem a ver com o currículo, nem com o projecto que foi elogiadíssimo”, desabafou ao PÚBLICO a historiadora Irene Pimentel.
Já foi um supermercado, agora voltou a ser um palheiro
Passados cinco dias do anúncio dos resultados, Irene Pimentel refere que ainda não decidiu se vai recorrer da decisão. Mas não é possível rebater os argumentos que sustentam a exclusão da sua candidatura? “É, completamente. Uma das coisas que eu depois quero fazer é divulgar a avaliação que foi feita. Mas que não posso agora fazer, porque o processo ainda está em andamento e ainda não decidi se vou recorrer”. A hesitação sobre o recurso surge quase por cansaço. “Eu já concorri outras vezes e sei que os recursos normalmente não servem de nada”, acredita a historiadora.
Irene Pimentel insiste que a sua exclusão “é fácil de rebater”, mas, pelo menos para já, abstém-se de a criticar. “Não posso concorrer a um concurso e depois dizer que a avaliação, porque me foi recusada a candidatura, foi disparatada. Sei que no júri estão especialistas estrangeiros, são de várias universidades, mas não os conheço”.
Agora, diz, resta procurar outras instituições interessadas em financiar o seu trabalho que tinha como propósito a investigar as relações entre a PIDE/DGS e os serviços secretos na Europa e nos Estados Unidos da América. “Não vou ficar parada. Para continuar a trabalhar preciso do dinheiro no fim do mês.” Na proposta feita à FCT, a investigadora candidatava-se a um contrato de trabalho por seis anos na mais alta categoria, o topo de carreira, de investigador coordenador. Irene Pimentel afirma que desconhece ao certo o valor definido nos estatutos para esta categoria. A FCT esclarece que o vencimento de um investigador coordenador é de 4.664,97 euros (brutos).
"Mecenas são bem-vindos"
A cientista Maria Manuel Mota, directora do Instituto Medicina Molecular e distinguida em 2013 com o Prémio Pessoa pelos anos de estudo na área da malária, em que se destacou a nível internacional, também ficou de fora do Concurso Estímulo ao Emprego Científico da FCT. A investigadora começa por explicar ao PÚBLICO que “o problema central aqui não é este concurso em particular ou situações caricatas que possam sair do concurso”. E continua: “O que na minha opinião (e na de muitos colegas que conheço) está errado é esta estratégia de contratação científica feita em cima do joelho. Não podemos criar 'emprego científico' às cegas e a torto e a direito, se as instituições não têm a solidez para assegurar compromissos de longo prazo. O que precisamos é de instituições de grande qualidade e sólidas, com orçamentos baseados numa avaliação periódica mas multianuais e previsíveis, de modo a que se lhes seja exigido estratégias de médio e longo prazo”.
Dito isto, Maria Mota refere que sobre o processo agora em discussão não há muito a dizer. A investigadora queria avançar mais ainda na pesquisa sobre os mecanismos e estratégias usadas pelo parasita da malária para infectar o hospedeiro, na esperança de ajudar a travar a doença que afecta milhões de pessoas. Agora, se o fizer, não será ao abrigo deste contrato de trabalho da FCT, até porque, avisa desde já, que não vai apresentar recurso da decisão. “Quando entramos no jogo cumprimos as regras e aceitamos o resultado. Por isso não irei recorrer. Eu gosto muito do projecto que submeti e acho que já demonstrei no passado ter capacidade para executar projectos deste tipo, mas o júri não tem a mesma opinião e eu tenho mais é que a respeitar”, diz ao PÚBLICO, numa resposta por email.
Sobre os argumentos apresentados para a exclusão do seu projecto, adianta apenas que sobre o seu currículo tem “apenas uma frase muito neutra que parece transmitir que não o acham nada de especial” e em relação ao projecto “afirmam que, apesar de muito inovador, não se explica bem qual a importância e o impacto para a saúde humana”. E agora? Entre outro tipo de financiamento que possa vir a conseguir, Maria Mota afirma que "todos os mecenas são bem-vindos”. “Não só como investigadora mas também como directora executiva do IMM, adoraria que grande parte do nosso financiamento fosse coberto por filantropos que acreditam no nosso projecto global do instituto com o objectivo de criar uma sociedade futura com mais saúde e menos doença”, anuncia.
A verdade é que a investigadora e a sua equipa têm arrecadado vários prémios. É fácil perder o fio à moeda em contas de milhões. “Entre financiamentos de maior calibre, projectos de investigação e prémios, a nossa equipa de investigação já arrecadou mais de seis milhões de euros desde 2005. Neste valor não estão incluídas as bolsas individuais nacionais e internacionais dos investigadores na equipa e que cobrem os salários de muitos deles”, esclarece a cientista.
Bolsas de pós-doutoramento vão ser substituídas por contratos de trabalho
Por fim, resta uma resposta à estupefacção manifestada nas redes sociais sobre o facto de Maria Mota ainda ter de concorrer a estes concursos que querem acabar com a precariedade na ciência e ainda não lhe ter sido oferecido um lugar no quadro da Universidade de Lisboa. “Não sou precária e não o sou desde 2005, quando iniciei a minha equipa no IMM. Sempre tive contratos de trabalho com o IMM. O último era coberto por fundos da FCT (FCT investigador) mas não deixa de ser um contrato feito com o IMM, com segurança social, IRS. Nunca achei que ter um contrato de cinco anos possa ser considerado um estado de precariedade”, clarifica.
E sobre o lugar no quadro da universidade, a investigadora também esclarece que em 2005 a Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa a convidou para ser professora. “Não aceitei um contrato a 100%, pois, apesar de gostar muito de dar aulas e do contacto com os alunos, queria continuar a dedicar-me com toda a minha energia à descoberta científica. Assim, desde 2005 que mantenho um contrato a 30% com a FMUL, dou algumas aulas, e tudo isto foi minha opção.”
Cosmin Nada sem opções
Cosmin Nada tem 30 anos, um doutoramento ainda fresco (concluído no final de 2017) e poucas opções depois da “nega” que recebeu da FCT esta semana. Depois de ter mostrado na sua tese de doutoramento que as universidades portuguesas falham no acolhimento a estudantes estrangeiros, fez agora uma proposta sobre “a internacionalização do ensino superior e a forma como as universidades lidam com a diversidade cultural”. Ao contrário de outros investigadores, não ficou surpreendido com a exclusão do seu projecto, uma vez que, apesar do mérito que lhe atribui, já previa este desfecho por ter pouca experiência. Mas a confirmação de uma esperada exclusão não diminui o desalento e indignação de Cosmin Nada.
O investigador que concorreu a um contrato como investigador júnior (2128,34 euros brutos por mês), sente-se injustiçado por várias razões. Denuncia, por exemplo, que a sua proposta foi avaliada por um júri do painel de Educação, Psicologia e Ciências Cognitivas. “A junção destas áreas é discriminatória para os cientistas da área da Educação”, diz. Denuncia ainda que no painel de 17 cientistas internacionais que o avaliaram existiam apenas três especialistas em Ciências da Educação. “Ou seja, a FCT incluiu no título do painel a palavra educação, mas desconsiderou quase por completo esta área”, diz. Sobre o mesmo tema, arrisca dizer que, tanto quanto conseguiu perceber, apenas quatro candidatos de centros de investigação em educação foram financiados a nível nacional neste painel. No Centro de Investigação e Intervenção Educativas da Universidade do Porto houve mais 12 candidaturas além da sua. Resultado? Todas excluídas.
As críticas não ficam por aqui. Para o candidato é difícil encontrar justiça num concurso que na categoria de investigador júnior mete no mesmo saco todos os candidatos com menos de cinco anos de experiência, atribuindo um peso de 70% na nota final ao currículo (os restantes 30% são para a avaliação do projecto). “Naturalmente, um investigador que tenha concluído o doutoramento há quatro anos vai ter um currículo radicalmente diferente de uma pessoa que o concluiu há quatro meses”, constata o candidato com cinco artigos publicados.
O cenário parece-lhe ainda mais incoerente quando a própria FCT define o investigador júnior no Aviso para a Apresentação de Candidaturas como "doutorado com reduzida experiência de investigação pós-doutoral ou sem currículo científico após o doutoramento na área científica a que se candidata". Ou seja, não precisam de ter experiência, mas essa experiência tem um peso decisivo na candidatura e, além disso, concorrem com quem tem quatro vezes mais? “Parece-me que os recém-doutorados têm pouquíssimas hipóteses de conseguir um contrato destes e, visto que as bolsas de pós-doutoramento acabaram, o que lhes resta?”, pergunta Cosmin Nada.
“Cada bolsa tem de ser transformada num contrato de trabalho”
Apesar de todas as reservas, o candidato sublinha que a evolução das precárias bolsas de pós-doutoramento para contratos de trabalho (com todos os direitos que isso implica, desde o 13.º mês ao acesso a subsídio de desemprego no final dos seis anos) foi “algo fantástico”. Mas era preciso conseguir chegar lá. Sobre a possibilidade de se candidatar a outras oportunidades abertas na FCT para financiar a sua investigação, Cosmin Nada também acredita que tem poucas hipóteses por, lá está, se encontrar no início de carreira. As outras portas, como a que foi aberta pela Norma transitória do DL 57/2016 com 2000 contratos de trabalho, "estão muito nas mãos das instituições", diz. “E normalmente, as instituições escolhem quem já conhecem. Dificilmente um investigador do Porto conseguiria um contrato em Lisboa ou Coimbra, por exemplo”. Assim, Cosmin Nada garante que vai recorrer da decisão deste concurso da FCT com os argumentos que apresentou ao PÚBLICO. “Não será uma queixa sobre o meu processo, mas uma queixa de procedimento”, avisa. Sobre as suas perspectivas, adianta que os planos mais imediatos passam por um estágio de seis meses em Bruxelas, na União Europeia, onde irá ganhar cerca de 1200 euros por mês. “Sinto que perdi o chão”, desabafa.
"Oportunidades para todos"
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A propósito das críticas que têm vindo a público, a FCT começa por esclarecer que não se pronuncia “sobre casos particulares”. Para todos, lembra que os candidatos podem pronunciar-se, no prazo de dez dias úteis, contados da notificação da proposta de decisão. No final desta semana, não tinha dados disponíveis sobre o número de recursos apresentados.
Ler mais
Emprego científico: boas intenções e pecados fatais
Ainda sobre os resultados, fonte do gabinete de comunicação da FCT esclarece que “a avaliação do Concurso Estímulo ao Emprego Científico – Individual (CEEC Individual) foi feita por 374 investigadores internacionais e independentes reconhecidos nas suas áreas científicas, distribuídos por 25 painéis” Acrescentando que, “seguindo as melhores práticas internacionais, os painéis de avaliação são soberanos e a FCT não interfere na classificação das candidaturas”. E aos mais de 3500 candidatos que ficaram de fora, recorda-se que “a FCT promove também outras vias de emprego científico, através das quais está a criar oportunidades para quase 5000 contratos de trabalho para apoiar investigadores nas diferentes fases da sua carreira”.
A saber: CEEC Individual 2017 (500 contratos de seis anos em todos os níveis de carreira), CEEC Institucional 2018 (400 contratos de seis anos em todos os níveis de carreira e contratos de integração na carreira (quadros da instituição), Concurso para Projecto de I&D 2017 (1600 projectos - cada projecto tem de contratar um investigador doutorado por um mínimo de 30 meses), Norma transitória do DL 57/2016 (cerca de 2000 contratos de trabalho de seis anos - em instituições públicas - ou de tempo variável - em instituições privadas), Avaliação das Unidades de I&D 2017/2018 (400 contratos de seis anos). Assim, conclui a mesma fonte da FCT, “há muitas oportunidades para todos”.
"Pior do que a precariedade vão ser os baixos salários"
Lucília Tiago, in Diário de Notícias
De passagem por Lisboa para participar na conferência O Trabalho Dá Que Pensar, promovida pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, Juan José Dolado, economista e professor catedrático no Departamento de Economia da Universidade Carlos III de Madrid, falou com o DN/Dinheiro Vivo sobre o futuro do emprego, acentuando que a redução do desemprego a que a Europa tem assistido nestes últimos anos veio acompanhada de empobrecimento. E vai continuar.
Na conferência, falou do Estado social nestes tempos de Uber. A uberização das relações são uma ameaça tão grande do Estado social como o envelhecimento da população?
A Uber é uma componente muito pequena da economia de partilha. Há muitas plataformas que contratam em todo o mundo e há muita gente que trabalha nestas atividades para ter um complemento de rendimento. Estes trabalhadores vão fazer descontos sobre rendimentos mais baixo e as receitas das contribuições ressentem-se. Mas, por outro lado, todos estes trabalhadores vão produzir mais porque a economia partilhada está a crescer. E vai crescer mais. A base de pessoas que fazem desconto vai aumentar, mas vai haver um risco, claramente.
Ainda assim, pode dizer-se que a maior ameaça ao Estado social está no envelhecimento da população e na evolução demográfica?
Sim, porque o sistema de pensões deixará de ser sustentável. No futuro, haverá mais gente a descontar, mas a descontar menos porque têm trabalhos pequenos.
As pensões que vão ser pagas serão também mais pequenas?
As pensões terão de baixar. A não ser que tenhamos imigrantes em número suficiente para cobrir a redução das contribuições. E por isso a atitude da Europa face às crises migratórias e as restrição à entrada de imigrantes são um pouco contraditórias, porque dentro de 10 ou 15 anos vamos precisar de todos os [imigrantes] que estamos agora a expulsar. À medida que vamos envelhecendo vamos perdendo capacidades e, num mundo onde as tecnologias precipitam as mudanças, as pessoas mais velhas vão sofrer mais do que as mais jovens. As empresas irão cada vez mais investir na robotização, sobretudo daqueles setores em que há uma população ativa mais velha, porque sabem que as suas capacidades vão reduzir-se, com a agravante de que ganha mais porque está mais protegida.
É uma realidade que acabará por chocar com a necessidade de promover o envelhecimento ativo…
O que se pode fazer é investir mais na formação das pessoas mais velhas. A educação hoje já não acaba aos 20 ou aos 25 anos, acaba aos 65.
Dar incentivos às empresas para manterem os trabalhadores velhos é uma solução?
Incentivar [as empresas] a manter trabalhadores que não são produtivos não faz sentido. Precisamos de mais pessoas para cuidar dos mais velhos, e os mais velhos que têm condições para isso podem ocupar-se destas tarefas, que são menos tecnológicas e que envolvem mais comunicação humana, envolvimento pessoal - o que as máquinas não conseguem fazer.
Não conseguem, pelo menos por enquanto...
Por muito tempo. Por exemplo, uma máquina não consegue limpar um quarto de hotel. Pelo menos nestes próximos tempos essa é uma tarefa que não será para máquinas porque cada pessoa deixa o quarto de forma diferente e as máquinas necessitam de procedimentos estandardizados. Outra coisa é a qualidade e a remuneração deste tipo de trabalho. Todo este projeto tecnológico não vai tanto destruir emprego mas reduzir salários e, logo, as contribuições para a Segurança Social.
A robotização e a inteligência artificial já estão e vão a continuar a destruir muitos empregos. Vai ser possível criar novos noutras áreas que compensem os que vão acabando?
Obviamente vai haver destruição de emprego nos próximos cinco, dez anos. Mas haverá empregos que vão ser recuperados noutros setores. Se há algo que a história nos ensinou foi isso. Na Revolução Industrial todas a pessoas que trabalhavam na indústria têxtil foram substituídas pelas máquinas. Quando apareceu a eletricidade, os automóveis e as tecnologias de informação houve sempre trabalhadores que perderam emprego e outros que ganharam. Há dois fatores de arrastamento: estas revoluções baixaram os preços dos produtos e com isso aumentou o consumo, e isso faz que haja mais empregos onde o consumo subiu. Um dos oradores desta conferência, [professor] do MIT (Massachusets Instituto of Technology) tem um trabalho que mostra que em dez anos ter-se-ão compensado e recuperado as perdas de emprego em alguns setores. Foi o que aconteceu quando apareceu a internet e em que todas as pessoas que escreviam à máquina perderam o seu emprego e houve que aprender a usar processadores de texto. Portanto, acho que não vai haver problema. Vai haver problema é a nível da economia das plataformas, porque a descarregar uma aplicação há muitas tarefas que ser feitas pelo próprio. E nos próximos dez anos o emprego nesses setores vai cair.
Quemvai resistir ou saber adaptar-se e responder melhor? Ou seja, um estudante que está a preparar-se para entrar para a universidade deverá apostar em que áreas?
O mundo está a mudar e vai ser necessário saber um pouco de tudo. A especialização não vai ser boa. Claro que se me especializo em algo e tenho muito sucesso sou uma superestrela, mas é melhor saber um pouco de tudo. É necessário ter estudos e capacidades que os robôs não vão poder substituir, como por exemplo na medicina, nos cuidados sociais.
O desemprego em Portugal e na Europa está a diminuir há vários trimestres. Como avalia esta tendência?
Há uma parte desta diminuição do desemprego que é estrutural porque muitas instituições e empresas que eram ineficientes reformaram-se durante a crise - algumas demasiado. Mas esta redução do desemprego veio acompanhada de um empobrecimento, de um aumento de não assalariados, de trabalhadores independentes, de pessoas com salários mais baixos e os efeitos vão sentir-se. Já estamos a viver o problema das pensões e creio que em dez anos o problema das pensões vai agravar-se.
Em Portugal está a ser feita uma mudança na lei laboral que procura limitar a precarização das relações laborais. Mas este é um problema que vai acentuar-se em termos globais?
As pessoas precisam de um ambiente de estabilidade porque, caso contrário, não conseguem trabalhar decentemente. Se estivermos preocupados que nos vão despedir amanhã, não conseguimos trabalhar bem. Mas é muito negativo que haja trabalhadores com muita proteção e outros sem proteção nenhuma. Esta dualidade faz que as empresas tenham menos vontade de transformar um vínculo instável num estável porque sabem que no futuro, se tiverem de o despedir, será mais caro. Seria muito melhor que a indemnização (por despedimento) dos precários e dos não precários fosse igual. O que temos de fazer é diminuir o gap entre precários e não precários porque se não for assim cria-se um problema geracional, criam-se atritos entre os pais, que têm empregos estáveis, e os filhos que são precários. É o que se passa com as pensões e a educação: os filhos pagam as pensões dos pais porque estes pagaram a sua educação. Se houver problemas com a educação teremos problemas com as pensões, porque em algum momento os filhos vão perguntar para que hão de continuar a pagar as pensões dos pais se eles já não conseguem pagar a sua educação? O mesmo se passa com os precários e não precários: para que vou ajudar os meus pais se são eles que não me dão a oportunidade de ser estável?
De passagem por Lisboa para participar na conferência O Trabalho Dá Que Pensar, promovida pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, Juan José Dolado, economista e professor catedrático no Departamento de Economia da Universidade Carlos III de Madrid, falou com o DN/Dinheiro Vivo sobre o futuro do emprego, acentuando que a redução do desemprego a que a Europa tem assistido nestes últimos anos veio acompanhada de empobrecimento. E vai continuar.
Na conferência, falou do Estado social nestes tempos de Uber. A uberização das relações são uma ameaça tão grande do Estado social como o envelhecimento da população?
A Uber é uma componente muito pequena da economia de partilha. Há muitas plataformas que contratam em todo o mundo e há muita gente que trabalha nestas atividades para ter um complemento de rendimento. Estes trabalhadores vão fazer descontos sobre rendimentos mais baixo e as receitas das contribuições ressentem-se. Mas, por outro lado, todos estes trabalhadores vão produzir mais porque a economia partilhada está a crescer. E vai crescer mais. A base de pessoas que fazem desconto vai aumentar, mas vai haver um risco, claramente.
Ainda assim, pode dizer-se que a maior ameaça ao Estado social está no envelhecimento da população e na evolução demográfica?
Sim, porque o sistema de pensões deixará de ser sustentável. No futuro, haverá mais gente a descontar, mas a descontar menos porque têm trabalhos pequenos.
As pensões que vão ser pagas serão também mais pequenas?
As pensões terão de baixar. A não ser que tenhamos imigrantes em número suficiente para cobrir a redução das contribuições. E por isso a atitude da Europa face às crises migratórias e as restrição à entrada de imigrantes são um pouco contraditórias, porque dentro de 10 ou 15 anos vamos precisar de todos os [imigrantes] que estamos agora a expulsar. À medida que vamos envelhecendo vamos perdendo capacidades e, num mundo onde as tecnologias precipitam as mudanças, as pessoas mais velhas vão sofrer mais do que as mais jovens. As empresas irão cada vez mais investir na robotização, sobretudo daqueles setores em que há uma população ativa mais velha, porque sabem que as suas capacidades vão reduzir-se, com a agravante de que ganha mais porque está mais protegida.
É uma realidade que acabará por chocar com a necessidade de promover o envelhecimento ativo…
O que se pode fazer é investir mais na formação das pessoas mais velhas. A educação hoje já não acaba aos 20 ou aos 25 anos, acaba aos 65.
Dar incentivos às empresas para manterem os trabalhadores velhos é uma solução?
Incentivar [as empresas] a manter trabalhadores que não são produtivos não faz sentido. Precisamos de mais pessoas para cuidar dos mais velhos, e os mais velhos que têm condições para isso podem ocupar-se destas tarefas, que são menos tecnológicas e que envolvem mais comunicação humana, envolvimento pessoal - o que as máquinas não conseguem fazer.
Não conseguem, pelo menos por enquanto...
Por muito tempo. Por exemplo, uma máquina não consegue limpar um quarto de hotel. Pelo menos nestes próximos tempos essa é uma tarefa que não será para máquinas porque cada pessoa deixa o quarto de forma diferente e as máquinas necessitam de procedimentos estandardizados. Outra coisa é a qualidade e a remuneração deste tipo de trabalho. Todo este projeto tecnológico não vai tanto destruir emprego mas reduzir salários e, logo, as contribuições para a Segurança Social.
A robotização e a inteligência artificial já estão e vão a continuar a destruir muitos empregos. Vai ser possível criar novos noutras áreas que compensem os que vão acabando?
Obviamente vai haver destruição de emprego nos próximos cinco, dez anos. Mas haverá empregos que vão ser recuperados noutros setores. Se há algo que a história nos ensinou foi isso. Na Revolução Industrial todas a pessoas que trabalhavam na indústria têxtil foram substituídas pelas máquinas. Quando apareceu a eletricidade, os automóveis e as tecnologias de informação houve sempre trabalhadores que perderam emprego e outros que ganharam. Há dois fatores de arrastamento: estas revoluções baixaram os preços dos produtos e com isso aumentou o consumo, e isso faz que haja mais empregos onde o consumo subiu. Um dos oradores desta conferência, [professor] do MIT (Massachusets Instituto of Technology) tem um trabalho que mostra que em dez anos ter-se-ão compensado e recuperado as perdas de emprego em alguns setores. Foi o que aconteceu quando apareceu a internet e em que todas as pessoas que escreviam à máquina perderam o seu emprego e houve que aprender a usar processadores de texto. Portanto, acho que não vai haver problema. Vai haver problema é a nível da economia das plataformas, porque a descarregar uma aplicação há muitas tarefas que ser feitas pelo próprio. E nos próximos dez anos o emprego nesses setores vai cair.
Quemvai resistir ou saber adaptar-se e responder melhor? Ou seja, um estudante que está a preparar-se para entrar para a universidade deverá apostar em que áreas?
O mundo está a mudar e vai ser necessário saber um pouco de tudo. A especialização não vai ser boa. Claro que se me especializo em algo e tenho muito sucesso sou uma superestrela, mas é melhor saber um pouco de tudo. É necessário ter estudos e capacidades que os robôs não vão poder substituir, como por exemplo na medicina, nos cuidados sociais.
O desemprego em Portugal e na Europa está a diminuir há vários trimestres. Como avalia esta tendência?
Há uma parte desta diminuição do desemprego que é estrutural porque muitas instituições e empresas que eram ineficientes reformaram-se durante a crise - algumas demasiado. Mas esta redução do desemprego veio acompanhada de um empobrecimento, de um aumento de não assalariados, de trabalhadores independentes, de pessoas com salários mais baixos e os efeitos vão sentir-se. Já estamos a viver o problema das pensões e creio que em dez anos o problema das pensões vai agravar-se.
Em Portugal está a ser feita uma mudança na lei laboral que procura limitar a precarização das relações laborais. Mas este é um problema que vai acentuar-se em termos globais?
As pessoas precisam de um ambiente de estabilidade porque, caso contrário, não conseguem trabalhar decentemente. Se estivermos preocupados que nos vão despedir amanhã, não conseguimos trabalhar bem. Mas é muito negativo que haja trabalhadores com muita proteção e outros sem proteção nenhuma. Esta dualidade faz que as empresas tenham menos vontade de transformar um vínculo instável num estável porque sabem que no futuro, se tiverem de o despedir, será mais caro. Seria muito melhor que a indemnização (por despedimento) dos precários e dos não precários fosse igual. O que temos de fazer é diminuir o gap entre precários e não precários porque se não for assim cria-se um problema geracional, criam-se atritos entre os pais, que têm empregos estáveis, e os filhos que são precários. É o que se passa com as pensões e a educação: os filhos pagam as pensões dos pais porque estes pagaram a sua educação. Se houver problemas com a educação teremos problemas com as pensões, porque em algum momento os filhos vão perguntar para que hão de continuar a pagar as pensões dos pais se eles já não conseguem pagar a sua educação? O mesmo se passa com os precários e não precários: para que vou ajudar os meus pais se são eles que não me dão a oportunidade de ser estável?
Empresas. Um universo em que (quase) ninguém paga a horas
João Carlos Malta, in RR
Um estudo recente revela que apenas uma em cada oito empresas paga aos fornecedores dentro do prazo contratado. Há muitos anos que esta realidade é má, mas nesta fase de recuperação económica ao invés de melhorar, está a piorar.
Mais de dois terços das empresas em Portugal - 67,5% - paga aos fornecedores com atrasos até 30 dias. Segundo os dados da consultora D&D, o fenómeno global está a adensar-se e se em 2007, 21,7% das pagava no prazo acordado, agora apenas uma em cada oito, 14,7%, o faz.
Mas há, ainda assim, uma notícia boa. Na última década, a percentagem de empresas que pagam com 30 a 90 dias de atraso e a mais de três meses diminuiu. Pouco, mas diminuiu.
Procurar razões para que em Portugal o sector empresarial tenha tanta dificuldade em pagar a tempo e horas esbarra, normalmente, com na cultura instituída, endémica, que se resume num provérbio, segundo o líder da Confederação de Comércio em Portugal, João Vieira Lopes: “Pagar e morrer quanto mais tarde melhor.”
Olhar para os números do resto da Europa ajuda a perceber como este fenómeno é especialmente penalizador para Portugal. Na Europa, 41,7% paga dentro dos prazos acordados e na Dinamarca, o país que tem o tecido empresarial mais cumpridor esta cifra chega a 88,4%.
Porque é que é assim?
O contabilista Nuno Domingues, que trabalha com muitas PME, também toca na tecla da cultura, mas acrescenta-lhe o mau funcionamento do sistema judicial e do sistema fiscal.
Domingues explica que, no passado, o facto de se ficar a dever era algo socialmente penalizado e que as pessoas não se sentiam bem consigo próprias. Nos dia de hoje, segundo o contabilista, não é uma situação problemática.
Nuno Domingues critica a prática. “Há sempre algum oportunismo, porque não podemos deixar de perceber que o atraso de pagamento é sempre uma forma de financiamento.”
Para o presidente da Associação Cristã de Empresários e Gestores (ACEGE), Jorge Líbano Monteiro, uma parte do que está a acontecer explica-se pelo facto de as pessoas “não terem a noção do impacto negativo que o atraso de pagamento tem na economia e na empresa também”.
“Há uma ideia instalada na cultura empresarial em Portugal que acha que é indiferente o prazo de pagamento”, resume.
Mas há consequências. Um estudo que a ACEGE desenvolveu em parceria com o economista Augusto Mateus chegou à conclusão de que um atraso generalizado de 12 dias criava 70 mil desempregados num total de cinco anos.
“Isto prova o que já sentimos no dia a dia, o facto de as empresas não pagarem a tempo e horas cria um ciclo vicioso que afeta toda a economia e acaba por prejudicar a própria empresa”, afirma Líbano Monteiro, que cita um estudo europeu que responsabiliza o atraso de pagamentos por 25% das mortes das empresas no continente.
Há quem acrescente outras justificações, como o presidente Confederação de Comércio em Portugal, João Vieira Lopes: “A banca dá muito crédito ao consumo, mas, em relação às empresas, tem-se retraído. Não é fácil as empresas gerirem a tesouraria com a banca, como aconteceu há uns anos."
Vieira Lopes, que tem no currículo passagens por multinacionais norte-americanas no setor industrial, conta que já nessa altura tinha muitas dificuldades em explicar porque é que em Portugal a regra era pagar fora de horas. Esse era o ponto que abria muitas das reuniões com a “casa-mãe”.
“Só se pagava quando o 'stock' se esgotava, porque aí era preciso pagar, senão não se fazia nova encomenda”, ilustra.
Para o administrador do grupo Parfois, Sérgio Marques, os rácios de capital próprio e de tesouraria depauperados fazem com que, muitas vezes, as empresas tomem decisões tendo por base não os atrasos nos pagamentos, mas por saber se a empresa vai ou não pagar.
Um problema mais grave nas grandes empresas
Outro dos dados de maior relevo do estudo da D&B é que são as grandes empresas que pagam pior, no que diz respeito ao cumprimento dos prazos. São menos de 7%, as que pagam a horas.
O contabilista Nuno Domingues, acredita que esta é mais uma manifestação do “abuso de posição dominante que acontece em tantas áreas da nossa sociedade, em que quem pode impõe as suas condições”.
“As grandes superfícies, por exemplo, praticam descontos, prazos médios de pagamento de tal forma extensos e criam uma dependência aos seus fornecedores, que apenas lhes resta aceitar se querem estar no mercado”, reitera.
A dificuldade de mudar resulta de os mais pequenos não terem para onde se virar. “Seja porque do ponto de vista estratégico não é do seu interesse pôr em causa o relacionamento com esse cliente, ou porque se quiserem avançar para tribunal a morosidade é tanta, preferem gerir da melhor forma possível para manter o negócio ativo”, explica.
João Vieira Lopes concorda que há um problema na relação das grandes empresas com as pequenas. E dá um exemplo: “No mercado alimentar, por exemplo, há casos de prepotência. Muitas empresas estão dependentes delas para o negócio, e as grandes empresas aproveitam-se disso. Mas é muito difícil de provar”, explica.
Um problema que mata
Vieira Lopes não tem dúvidas que os atrasos nos pagamentos é um fenómeno que leva à falência empresas. “Mata, mata”, repete.
O contabilista Nuno Domingues considera que o fecho das empresas por esta razão é uma evidência como se viu no setor da construção civil depois da grande crise.
As empresas de transporte são juntamente com as do ramo alimentar e de alojamento as que mais se atrasam a pagar.
“O Estado tem a obrigação tutelar para que a economia funcione bem, sendo o primeiro a exigir os pagamentos a tempo e horas, como é o caso dos impostos”, aponta.
Sérgio Marques, líder da Parfois, acredita que aplicar juros de mora não é solução porque “se gerava uma complicação muito grande caso se aplicasse”.
O gestor crê que “só em relações formais, em que não há proximidade é que se fazem essas contas”.
Como se poderá resolver?
Todos concordam que a resolução deste problema não será fácil. Jorge Líbano Monteiro aponta, no entanto, quatro soluções.
A primeira, é de que cada empresa deve exigir pagamentos a tempo e horas tal como exige qualidade nos produtos que entrega e recebe.
Outra ideia, seria cumprir uma legislação que há cinco anos permite que as empresas cobrem juros sobre atrasos de pagamentos. “Era importante que não tivessem medo de pôr em prática o que lhes é exigido”, defende.
O Estado também poderia dar uma ajuda através de políticas públicas. Uma solução seria a “majoração nos concursos, ao nível dos programas existentes para perceber que vale a pena pagar a horas”.
Por fim, Líbano Monteiro defende um acompanhamento mais profissional da tesouraria.
Nuno Domingues soma-lhe a criação de tribunais que resolvam, especificamente, as situações de faturas que estejam em mora e possam ser reclamadas "ou, então, uma moldura fiscal, que permita deduzir o IVA liquidado em fatura, que entrassem a crédito na vida fiscal da empresa”, explica.
“Mas isso não acontece”, remata.
Um estudo recente revela que apenas uma em cada oito empresas paga aos fornecedores dentro do prazo contratado. Há muitos anos que esta realidade é má, mas nesta fase de recuperação económica ao invés de melhorar, está a piorar.
Mais de dois terços das empresas em Portugal - 67,5% - paga aos fornecedores com atrasos até 30 dias. Segundo os dados da consultora D&D, o fenómeno global está a adensar-se e se em 2007, 21,7% das pagava no prazo acordado, agora apenas uma em cada oito, 14,7%, o faz.
Mas há, ainda assim, uma notícia boa. Na última década, a percentagem de empresas que pagam com 30 a 90 dias de atraso e a mais de três meses diminuiu. Pouco, mas diminuiu.
Procurar razões para que em Portugal o sector empresarial tenha tanta dificuldade em pagar a tempo e horas esbarra, normalmente, com na cultura instituída, endémica, que se resume num provérbio, segundo o líder da Confederação de Comércio em Portugal, João Vieira Lopes: “Pagar e morrer quanto mais tarde melhor.”
Olhar para os números do resto da Europa ajuda a perceber como este fenómeno é especialmente penalizador para Portugal. Na Europa, 41,7% paga dentro dos prazos acordados e na Dinamarca, o país que tem o tecido empresarial mais cumpridor esta cifra chega a 88,4%.
Porque é que é assim?
O contabilista Nuno Domingues, que trabalha com muitas PME, também toca na tecla da cultura, mas acrescenta-lhe o mau funcionamento do sistema judicial e do sistema fiscal.
Domingues explica que, no passado, o facto de se ficar a dever era algo socialmente penalizado e que as pessoas não se sentiam bem consigo próprias. Nos dia de hoje, segundo o contabilista, não é uma situação problemática.
Nuno Domingues critica a prática. “Há sempre algum oportunismo, porque não podemos deixar de perceber que o atraso de pagamento é sempre uma forma de financiamento.”
Para o presidente da Associação Cristã de Empresários e Gestores (ACEGE), Jorge Líbano Monteiro, uma parte do que está a acontecer explica-se pelo facto de as pessoas “não terem a noção do impacto negativo que o atraso de pagamento tem na economia e na empresa também”.
“Há uma ideia instalada na cultura empresarial em Portugal que acha que é indiferente o prazo de pagamento”, resume.
Mas há consequências. Um estudo que a ACEGE desenvolveu em parceria com o economista Augusto Mateus chegou à conclusão de que um atraso generalizado de 12 dias criava 70 mil desempregados num total de cinco anos.
“Isto prova o que já sentimos no dia a dia, o facto de as empresas não pagarem a tempo e horas cria um ciclo vicioso que afeta toda a economia e acaba por prejudicar a própria empresa”, afirma Líbano Monteiro, que cita um estudo europeu que responsabiliza o atraso de pagamentos por 25% das mortes das empresas no continente.
Há quem acrescente outras justificações, como o presidente Confederação de Comércio em Portugal, João Vieira Lopes: “A banca dá muito crédito ao consumo, mas, em relação às empresas, tem-se retraído. Não é fácil as empresas gerirem a tesouraria com a banca, como aconteceu há uns anos."
Vieira Lopes, que tem no currículo passagens por multinacionais norte-americanas no setor industrial, conta que já nessa altura tinha muitas dificuldades em explicar porque é que em Portugal a regra era pagar fora de horas. Esse era o ponto que abria muitas das reuniões com a “casa-mãe”.
“Só se pagava quando o 'stock' se esgotava, porque aí era preciso pagar, senão não se fazia nova encomenda”, ilustra.
Para o administrador do grupo Parfois, Sérgio Marques, os rácios de capital próprio e de tesouraria depauperados fazem com que, muitas vezes, as empresas tomem decisões tendo por base não os atrasos nos pagamentos, mas por saber se a empresa vai ou não pagar.
Um problema mais grave nas grandes empresas
Outro dos dados de maior relevo do estudo da D&B é que são as grandes empresas que pagam pior, no que diz respeito ao cumprimento dos prazos. São menos de 7%, as que pagam a horas.
O contabilista Nuno Domingues, acredita que esta é mais uma manifestação do “abuso de posição dominante que acontece em tantas áreas da nossa sociedade, em que quem pode impõe as suas condições”.
“As grandes superfícies, por exemplo, praticam descontos, prazos médios de pagamento de tal forma extensos e criam uma dependência aos seus fornecedores, que apenas lhes resta aceitar se querem estar no mercado”, reitera.
A dificuldade de mudar resulta de os mais pequenos não terem para onde se virar. “Seja porque do ponto de vista estratégico não é do seu interesse pôr em causa o relacionamento com esse cliente, ou porque se quiserem avançar para tribunal a morosidade é tanta, preferem gerir da melhor forma possível para manter o negócio ativo”, explica.
João Vieira Lopes concorda que há um problema na relação das grandes empresas com as pequenas. E dá um exemplo: “No mercado alimentar, por exemplo, há casos de prepotência. Muitas empresas estão dependentes delas para o negócio, e as grandes empresas aproveitam-se disso. Mas é muito difícil de provar”, explica.
Um problema que mata
Vieira Lopes não tem dúvidas que os atrasos nos pagamentos é um fenómeno que leva à falência empresas. “Mata, mata”, repete.
O contabilista Nuno Domingues considera que o fecho das empresas por esta razão é uma evidência como se viu no setor da construção civil depois da grande crise.
As empresas de transporte são juntamente com as do ramo alimentar e de alojamento as que mais se atrasam a pagar.
“O Estado tem a obrigação tutelar para que a economia funcione bem, sendo o primeiro a exigir os pagamentos a tempo e horas, como é o caso dos impostos”, aponta.
Sérgio Marques, líder da Parfois, acredita que aplicar juros de mora não é solução porque “se gerava uma complicação muito grande caso se aplicasse”.
O gestor crê que “só em relações formais, em que não há proximidade é que se fazem essas contas”.
Como se poderá resolver?
Todos concordam que a resolução deste problema não será fácil. Jorge Líbano Monteiro aponta, no entanto, quatro soluções.
A primeira, é de que cada empresa deve exigir pagamentos a tempo e horas tal como exige qualidade nos produtos que entrega e recebe.
Outra ideia, seria cumprir uma legislação que há cinco anos permite que as empresas cobrem juros sobre atrasos de pagamentos. “Era importante que não tivessem medo de pôr em prática o que lhes é exigido”, defende.
O Estado também poderia dar uma ajuda através de políticas públicas. Uma solução seria a “majoração nos concursos, ao nível dos programas existentes para perceber que vale a pena pagar a horas”.
Por fim, Líbano Monteiro defende um acompanhamento mais profissional da tesouraria.
Nuno Domingues soma-lhe a criação de tribunais que resolvam, especificamente, as situações de faturas que estejam em mora e possam ser reclamadas "ou, então, uma moldura fiscal, que permita deduzir o IVA liquidado em fatura, que entrassem a crédito na vida fiscal da empresa”, explica.
“Mas isso não acontece”, remata.
Imigrantes ficam menos tempo sem trabalho porque "aceitam os piores empregos"
in Público on-line
O desemprego de "muito longa duração" é para os portugueses o dobro do que é para os cidadãos estrangeiros. Ao fim de um tempo, estes saem de Portugal ou ficam, mas com empregos menos qualificados.
Em Portugal, os cidadãos estrangeiros são mais atingidos do que os portugueses pelo desemprego de curta duração, têm empregos menos qualificados e mais precários, com mais contratos não permanentes; por outro lado, são menos atingidos pelo desemprego de "longa duração", que corresponde a mais de um ano. A diferença entre portugueses e estrangeiros acentua-se quando em análise está o desemprego de “muito longa duração”, relativo a quem procura emprego há mais de dois anos (25 meses ou mais).
Os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) de 2017, recolhidos e agrupados recentemente pelo Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social (MTSSS), mostram que, no universo total de desempregados no ano passado, o desemprego de muito longa duração era praticamente o dobro para os portugueses (40,7%) do que para os estrangeiros (21,2%).
Já foi um supermercado, agora voltou a ser um palheiro
Ou seja, proporcionalmente, o desemprego de curta duração atinge mais os estrangeiros; o de longa duração ou muito longa duração penaliza mais os portugueses. Catarina Reis Oliveira, coordenadora do Observatório das Migrações, responsável dos relatórios anuais de Indicadores de Integração de Imigrantes, avança duas razões, já que, como realça, o que explica a imigração é o trabalho.
“O desemprego de imigrantes nunca é alto, porque o imigrante não aceita estar desempregado. Quando fica desempregado, sai do país ou aceita outro trabalho. Os imigrantes têm tendência para aceitar os piores empregos. Desaparecem das estatísticas”, diz Catarina Reis Oliveira. “Podem estar em situação de sobrequalificação", acrescenta, antes de concluir que, relativamente aos portugueses, os estrangeiros atingem maiores percentagens de situações em que o seu trabalho não corresponde à sua qualificação.
Qualificados e não qualificados
Ainda de acordo com os dados de 2017 recolhidos pelo Ministério do Trabalho, observou-se – em relação a 2016 – um “forte acréscimo dos trabalhadores estrangeiros classificados como 'especialistas das actividades intelectuais e científicas' – como por exemplo arquitectos, médicos, engenheiros, professores – e 'técnicos e profissionais de nível intermédio' – como técnicos de fábrica, programadores e operadores informáticos, educadores de infância, entre outros. O número de trabalhadores não qualificados também aumentou entre os estrangeiros em 9%.
Relativamente às profissões, os trabalhadores “não qualificados” são os mais representados (28,4% da população estrangeira com um emprego). Os especialistas das actividades intelectuais e científicas e os técnicos e profissionais de nível intermédio representam juntos 16,3% dos estrangeiros a trabalhar em Portugal.
São também os estrangeiros aqueles que mais dependem de contratos precários, de acordo com as estatísticas recolhidas pelo Governo. Para os portugueses que trabalham por conta de outrem, prevalecem os contratos permanentes, em 78,5% dos casos; para os estrangeiros, os que têm contratos permanentes são 57,7%; os restantes 42,3% dos estrangeiros que trabalhavam, em 2017, faziam-no com um contrato não permanente.
Ler mais
Portugal foi o país da Europa do Sul onde os imigrantes mais recuperaram o emprego
PS quer legalização para imigrantes que trabalham há um ano
A diferença entre as contribuições dos trabalhadores estrangeiros para a Segurança Social e as prestações sociais de que beneficiam continua a ser positiva. O Observatório das Migrações assinala no seu relatório Indicadores de Integração dos Imigrantes de 2017 que a relação entre o que os estrangeiros pagam (em descontos) e o que utilizam (em benefícios) continua a resultar num “saldo financeiro bastante positivo”, mantendo-se “a tendência da última década”.
Em 2016, as contribuições dos imigrantes para a Segurança Social ultrapassaram os 509 milhões de euros e os gastos da Segurança Social com esta população em benefícios sociais foi de 91 milhões, saldando-se numa diferença positiva de 418 milhões de euros.
O desemprego de "muito longa duração" é para os portugueses o dobro do que é para os cidadãos estrangeiros. Ao fim de um tempo, estes saem de Portugal ou ficam, mas com empregos menos qualificados.
Em Portugal, os cidadãos estrangeiros são mais atingidos do que os portugueses pelo desemprego de curta duração, têm empregos menos qualificados e mais precários, com mais contratos não permanentes; por outro lado, são menos atingidos pelo desemprego de "longa duração", que corresponde a mais de um ano. A diferença entre portugueses e estrangeiros acentua-se quando em análise está o desemprego de “muito longa duração”, relativo a quem procura emprego há mais de dois anos (25 meses ou mais).
Os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) de 2017, recolhidos e agrupados recentemente pelo Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social (MTSSS), mostram que, no universo total de desempregados no ano passado, o desemprego de muito longa duração era praticamente o dobro para os portugueses (40,7%) do que para os estrangeiros (21,2%).
Já foi um supermercado, agora voltou a ser um palheiro
Ou seja, proporcionalmente, o desemprego de curta duração atinge mais os estrangeiros; o de longa duração ou muito longa duração penaliza mais os portugueses. Catarina Reis Oliveira, coordenadora do Observatório das Migrações, responsável dos relatórios anuais de Indicadores de Integração de Imigrantes, avança duas razões, já que, como realça, o que explica a imigração é o trabalho.
“O desemprego de imigrantes nunca é alto, porque o imigrante não aceita estar desempregado. Quando fica desempregado, sai do país ou aceita outro trabalho. Os imigrantes têm tendência para aceitar os piores empregos. Desaparecem das estatísticas”, diz Catarina Reis Oliveira. “Podem estar em situação de sobrequalificação", acrescenta, antes de concluir que, relativamente aos portugueses, os estrangeiros atingem maiores percentagens de situações em que o seu trabalho não corresponde à sua qualificação.
Qualificados e não qualificados
Ainda de acordo com os dados de 2017 recolhidos pelo Ministério do Trabalho, observou-se – em relação a 2016 – um “forte acréscimo dos trabalhadores estrangeiros classificados como 'especialistas das actividades intelectuais e científicas' – como por exemplo arquitectos, médicos, engenheiros, professores – e 'técnicos e profissionais de nível intermédio' – como técnicos de fábrica, programadores e operadores informáticos, educadores de infância, entre outros. O número de trabalhadores não qualificados também aumentou entre os estrangeiros em 9%.
Relativamente às profissões, os trabalhadores “não qualificados” são os mais representados (28,4% da população estrangeira com um emprego). Os especialistas das actividades intelectuais e científicas e os técnicos e profissionais de nível intermédio representam juntos 16,3% dos estrangeiros a trabalhar em Portugal.
São também os estrangeiros aqueles que mais dependem de contratos precários, de acordo com as estatísticas recolhidas pelo Governo. Para os portugueses que trabalham por conta de outrem, prevalecem os contratos permanentes, em 78,5% dos casos; para os estrangeiros, os que têm contratos permanentes são 57,7%; os restantes 42,3% dos estrangeiros que trabalhavam, em 2017, faziam-no com um contrato não permanente.
Ler mais
Portugal foi o país da Europa do Sul onde os imigrantes mais recuperaram o emprego
PS quer legalização para imigrantes que trabalham há um ano
A diferença entre as contribuições dos trabalhadores estrangeiros para a Segurança Social e as prestações sociais de que beneficiam continua a ser positiva. O Observatório das Migrações assinala no seu relatório Indicadores de Integração dos Imigrantes de 2017 que a relação entre o que os estrangeiros pagam (em descontos) e o que utilizam (em benefícios) continua a resultar num “saldo financeiro bastante positivo”, mantendo-se “a tendência da última década”.
Em 2016, as contribuições dos imigrantes para a Segurança Social ultrapassaram os 509 milhões de euros e os gastos da Segurança Social com esta população em benefícios sociais foi de 91 milhões, saldando-se numa diferença positiva de 418 milhões de euros.
Porto. Os últimos resistentes da Rua dos Caldeireiros
Mariana Salazar, in RR
Contam-se pelos dedos de uma mão os que ainda moram na velha artéria onde se juntam as freguesias da Sé e da Vitória.
Na rua dos Caldeireiros, no centro histórico do Porto, as palavras de ordem estão afixadas nas varandas e nas paredes. “O meu nome é Maria. Fui para a periferia”, “Turismo é bom. Não na nossa casa”, “Não aos despejos. Resistência popular”, pode ler-se.
Noutra parede, pintado a azul, não escapa a frase “Porto Morto”. Duas palavras que funcionam como antítese da cidade nortenha: um Porto cheio de vida e de pessoas, mas vazio de moradores; um Porto cujo centro passou para a periferia.
D. Lucinda. Foto: Sara Ferreira
Lucinda é uma cara conhecida na Rua dos Caldeireiros. É ali que mora há mais de meio século, mas conta que não deve ficar muito mais. Fez um pedido de habitação na Câmara do Porto, há mais de dois anos, mas, até hoje, não obteve qualquer resposta.
“Nestes últimos tempos, é o senhorio que nos anda a pressionar para a gente lhe deixar a casa. Diz que já vendeu… Não sei se vendeu ou se não. Se não tiver para onde ir, eu não saio.”
A renda tem aumentado de ano para ano. “A reforma é pequenina. Tenho a minha e um bocadinho da reforma do meu marido”. As lágrimas escorrem-lhe pelo rosto, mas continua: “Pagando água, luz e gás… Com o que é que eu fico para comer? Muito pouco”. Pensar no dia de amanhã é um dos principais receios de Lucinda, vive na incerteza. “Se me empurram daqui para fora, para onde é que eu vou?”
O falecido marido vivia naquela casa desde 1953 e, agora, a mulher, sem outra hipótese, recusa-se a sair e ir morar para casa dos filhos não é opção: “Eles têm a vida deles. A casinha deles é só para eles e para os filhos. Onde é que me vou pôr? E as minhas coisas? Deito fora?”
O senhorio deixou de aparecer naquele prédio. Segundo Lucinda, “parece que até tem medo de vir aqui ter com a gente”. A mulher apenas tem uma vizinha que trabalha no 1.º andar do edifício degradado. “Aqui está tudo a cair abaixo e aparecem ratos que mais parecem coelhos. Eu ando sempre a meter remédio lá em cima. Antigamente, gastava mais dinheiro em remédio para os ratos do que gastava em renda”.
Uns metros abaixo, vive Maria Augusta, de 64 anos. É com o filho e com Zita, a companheira de quatro patas, que partilha o primeiro andar.
Lembra os tempos em que os moradores dos Caldeireiros eram uma família. “Agora, passo o dia todo aqui no prédio. Agora não há gente com quem falar”, conta.
O interior do prédio onde mora desde que nasceu foi arranjado e o segundo andar é um alojamento local.
“Não sei as ideias do meu senhorio. Tomara a ele que eu saísse, mas eu não saio. Tentou fazer um contrato de cinco anos, mas eu disse-lhe que nem por cinco nem por dez. Só pode fazer contrato quando eu 'bater a solapa'”, diz a inquilina.
A Maria Augusta, a ideia de ir para um bairro não agrada. “Estou bem aqui. Não quero ir para bairros", argumenta.
“Agora é tudo para turistas”, lamenta Maria Augusta. “Estão a esvaziar as pessoas das suas casas só para fazer hotéis.."
Foto:Sara Ferreira
Não são apenas os moradores que vêm as suas rendas aumentar. No comércio, muitos são os casos de quem perde o negócio.
É o caso de Daniela [nome fictício], uma cabeleireira de 56 anos, que instalou o seu negócio num dos prédios dos Caldeireiros, onde trabalha desde os 14 anos.
“Vou ter de sair. Deram-me até junho, só que eu fui para um advogado e vamos para tribunal”, suspira.
“As pessoas desta zona estão todas a sair daqui. Estão todas a serem postas fora das suas casas, onde já vivem há mais de 50 anos."
Nos últimos anos, Daniela viu a renda aumentar de 70 até 200 euros mensais. “Ele [o senhorio], agora, quer o imóvel vazio. Quer que eu saia daqui sem nada. Vamos ver o que o tribunal vai dizer. Este é o meu ganha-pão. Com 56 anos, quem é que me vai dar emprego? Ninguém, não é?”, remata.
"É muito mau”, desabafa António Augusto. Foto: Sara Ferreira
António Augusto é proprietário de uma barbearia em pleno centro da cidade. Conta histórias de quem por ali passou e histórias de um turismo que levou à “descaracterização da zona histórica”.
Na balança dos "prós e contras", pesa a desertificação. “Só neste bocadinho de 100 metros, mais ao menos, saíram daqui 100 pessoas. A loja do artesanato... ouvi dizer que estava alugada por 100 euros, antes de fazer as obras, e dizem que agora estão a pagar 600 ou 700. Isso é impossível. É muito mau”, desabafa.
Contam-se pelos dedos de uma mão os que ainda moram na velha artéria onde se juntam as freguesias da Sé e da Vitória.
Na rua dos Caldeireiros, no centro histórico do Porto, as palavras de ordem estão afixadas nas varandas e nas paredes. “O meu nome é Maria. Fui para a periferia”, “Turismo é bom. Não na nossa casa”, “Não aos despejos. Resistência popular”, pode ler-se.
Noutra parede, pintado a azul, não escapa a frase “Porto Morto”. Duas palavras que funcionam como antítese da cidade nortenha: um Porto cheio de vida e de pessoas, mas vazio de moradores; um Porto cujo centro passou para a periferia.
D. Lucinda. Foto: Sara Ferreira
Lucinda é uma cara conhecida na Rua dos Caldeireiros. É ali que mora há mais de meio século, mas conta que não deve ficar muito mais. Fez um pedido de habitação na Câmara do Porto, há mais de dois anos, mas, até hoje, não obteve qualquer resposta.
“Nestes últimos tempos, é o senhorio que nos anda a pressionar para a gente lhe deixar a casa. Diz que já vendeu… Não sei se vendeu ou se não. Se não tiver para onde ir, eu não saio.”
A renda tem aumentado de ano para ano. “A reforma é pequenina. Tenho a minha e um bocadinho da reforma do meu marido”. As lágrimas escorrem-lhe pelo rosto, mas continua: “Pagando água, luz e gás… Com o que é que eu fico para comer? Muito pouco”. Pensar no dia de amanhã é um dos principais receios de Lucinda, vive na incerteza. “Se me empurram daqui para fora, para onde é que eu vou?”
O falecido marido vivia naquela casa desde 1953 e, agora, a mulher, sem outra hipótese, recusa-se a sair e ir morar para casa dos filhos não é opção: “Eles têm a vida deles. A casinha deles é só para eles e para os filhos. Onde é que me vou pôr? E as minhas coisas? Deito fora?”
O senhorio deixou de aparecer naquele prédio. Segundo Lucinda, “parece que até tem medo de vir aqui ter com a gente”. A mulher apenas tem uma vizinha que trabalha no 1.º andar do edifício degradado. “Aqui está tudo a cair abaixo e aparecem ratos que mais parecem coelhos. Eu ando sempre a meter remédio lá em cima. Antigamente, gastava mais dinheiro em remédio para os ratos do que gastava em renda”.
Uns metros abaixo, vive Maria Augusta, de 64 anos. É com o filho e com Zita, a companheira de quatro patas, que partilha o primeiro andar.
Lembra os tempos em que os moradores dos Caldeireiros eram uma família. “Agora, passo o dia todo aqui no prédio. Agora não há gente com quem falar”, conta.
O interior do prédio onde mora desde que nasceu foi arranjado e o segundo andar é um alojamento local.
“Não sei as ideias do meu senhorio. Tomara a ele que eu saísse, mas eu não saio. Tentou fazer um contrato de cinco anos, mas eu disse-lhe que nem por cinco nem por dez. Só pode fazer contrato quando eu 'bater a solapa'”, diz a inquilina.
A Maria Augusta, a ideia de ir para um bairro não agrada. “Estou bem aqui. Não quero ir para bairros", argumenta.
“Agora é tudo para turistas”, lamenta Maria Augusta. “Estão a esvaziar as pessoas das suas casas só para fazer hotéis.."
Foto:Sara Ferreira
Não são apenas os moradores que vêm as suas rendas aumentar. No comércio, muitos são os casos de quem perde o negócio.
É o caso de Daniela [nome fictício], uma cabeleireira de 56 anos, que instalou o seu negócio num dos prédios dos Caldeireiros, onde trabalha desde os 14 anos.
“Vou ter de sair. Deram-me até junho, só que eu fui para um advogado e vamos para tribunal”, suspira.
“As pessoas desta zona estão todas a sair daqui. Estão todas a serem postas fora das suas casas, onde já vivem há mais de 50 anos."
Nos últimos anos, Daniela viu a renda aumentar de 70 até 200 euros mensais. “Ele [o senhorio], agora, quer o imóvel vazio. Quer que eu saia daqui sem nada. Vamos ver o que o tribunal vai dizer. Este é o meu ganha-pão. Com 56 anos, quem é que me vai dar emprego? Ninguém, não é?”, remata.
"É muito mau”, desabafa António Augusto. Foto: Sara Ferreira
António Augusto é proprietário de uma barbearia em pleno centro da cidade. Conta histórias de quem por ali passou e histórias de um turismo que levou à “descaracterização da zona histórica”.
Na balança dos "prós e contras", pesa a desertificação. “Só neste bocadinho de 100 metros, mais ao menos, saíram daqui 100 pessoas. A loja do artesanato... ouvi dizer que estava alugada por 100 euros, antes de fazer as obras, e dizem que agora estão a pagar 600 ou 700. Isso é impossível. É muito mau”, desabafa.
21.9.18
Tribunal invoca "sedução mútua" e "mediana ilicitude" em caso de jovem violada quando inconsciente
Fernanda Câncio, in DN
Relação do Porto mantém pena suspensa para dois funcionários de discoteca de Gaia condenados por terem tido "cópula" com jovem de 26 anos quando "incapaz de resistir". E fala em "danos físicos" sem "especial gravidade".
"A culpa dos arguidos [embora nesta sede a culpa já não seja chamada ao caso] situa-se na mediania, ao fim de uma noite com muita bebida alcoólica, ambiente de sedução mútua, ocasionalidade (não premeditação), na prática dos factos. A ilicitude não é elevada. Não há danos físicos [ou são diminutos] nem violência [o abuso da inconsciência faz parte do tipo]."
As considerações pertencem a um acórdão da Relação do Porto, datado de junho e assinado pelos juízes Maria Dolores da Silva e Sousa (relatora) e Manuel Soares, dizendo respeito a um caso ocorrido em novembro de 2016, quando uma jovem de 26 anos - a quem se dará o nome de Maria -- foi, de acordo com o dado como provado, submetida, enquanto "incapaz de resistência" por estar muito embriagada, a relações sexuais "de cópula completa" por dois funcionários da discoteca Vice Versa, em Vila Nova de Gaia, na casa de banho da mesma e quando o estabelecimento se encontrava já encerrado, não havendo mais ninguém nele além dos arguidos e de Maria.
"A culpa dos arguidos [embora nesta sede a culpa já não seja chamada ao caso] situa-se na mediania, ao fim de uma noite com muita bebida alcoólica, ambiente de sedução mútua, ocasionalidade (não premeditação), na prática dos factos. A ilicitude não é elevada. Não há danos físicos [ou são diminutos] nem violência [o abuso da inconsciência faz parte do tipo]."
Os homens, de 25 e 39 anos à data dos factos, respetivamente barman e porteiro/relações públicas da discoteca, Marcos e Paulo de primeiro nome, foram condenados a quatro anos e meio de prisão em acórdão de fevereiro do juiz 2 do Juízo Criminal Central de Nova de Gaia, que suspendeu a aplicação da pena, suspensão confirmada pela Relação. De acordo com esta última decisão - não foi possível consultar a da primeira instância, já que estas por norma não são disponibilizadas na net - a acusação feita pelo MP (que recorreu por não concordar com a suspensão da pena) não foi toda considerada procedente.
Os arguidos, que estiveram de fevereiro a junho de 2017 em prisão preventiva e depois em prisão domiciliária com pulseira eletrónica até ao julgamento, foram apenas condenados "pela prática, em autoria material, de um crime de abuso sexual de pessoa incapaz de resistência", descrito no artigo 165º do Código Penal e cujo enquadramento penal é de dois a dez anos de prisão.
"Ela estava toda desmaiada"
Não recorreram da condenação, apesar de, segundo o recurso do MP, não admitirem ter cometido o crime nem manifestarem "qualquer arrependimento pela prática dos factos": "Apenas reconheceram ter mantido relações sexuais com a ofendida, negando o estado de inconsciência em que a mesma se encontrava. (...) Apenas se limitam a mostrar arrependimento em função das consequências que para si próprios os factos praticados podem acarretar; ou seja um arrependimento focado e centrado nas suas pessoas."
Considerando que "ambos os arguidos desprezaram totalmente os mais elementares valores morais e jurídicos de respeito devido pela liberdade e autodeterminação sexual da ofendida, ao se aproveitarem do seu estado de inconsciência para com ela manterem relações sexuais de cópula", o MP frisa no recurso que a seguir ao crime o barman Marcos não mostrava dúvidas sobre o "estado de inconsciência da ofendida", referindo-o "em telefonemas intercetados na escuta ao seu telemóvel dizendo "(...) ela estava toda fodida (...)" e "(...) Não. Ela estava toda desmaiada no quarto de banho (...).""
O barman não mostrava dúvidas sobre o "estado de inconsciência da ofendida", referindo-o "em telefonemas intercetados na escuta ao seu telemóvel dizendo: "Ela estava toda fodida" e "Ela estava toda desmaiada no quarto de banho."
Aparentemente, a falta de arrependimento não foi valorizada pelo tribunal de recurso. Tão-pouco terá sido tida em conta a possibilidade de os arguidos serem condenados pela forma agravada do crime - a que prevê um aumento de um terço nos limites mínimo e máximo quando, nos termos do artigo 177º do CP, é "cometido conjuntamente por duas ou mais pessoas" -- e que, aparentemente, o tribunal inferior rechaçou argumentando "não se ter demonstrado o planeamento de uma decisão conjunta ou a sua execução com diferentes papéis atribuídos a cada um mas, em vez, duas resoluções autónomas e distintas."
Igualmente, o facto de pelo menos Paulo, o porteiro, não ter usado preservativo quando submeteu Maria a "cópula completa, ejaculando" - foram encontrado resíduos do seu sémen no exame forense que foi feito quer a Maria quer às suas roupas - não mereceu qualquer censura penal ou sequer menção na decisão, apesar de ser uma conduta que coloca a vítima em perigo acrescido.
"Os arguidos não demonstraram qualquer arrependimento pela prática dos factos. Apenas reconheceram ter mantido relações sexuais com a ofendida, negando o estado de inconsciência em que a mesma se encontrava. (...) Apenas se limitam a mostrar arrependimento em função das consequências que para si próprios os factos praticados podem acarretar."
Quanto a serem ambos funcionários do estabelecimento, facto que o MP frisa no seu recurso impor-lhes "um comportamento mais cuidadoso senão mesmo de proteção" dos clientes, "pelo que redobrado era o seu dever de não serem eles a abusar dessas situações [de excesso alcoólico], especialmente com comportamentos sexuais altamente reprováveis e dolosos" também não terá sido considerado relevante pelas duas instâncias - como, de resto, a evidência de estes terem mantido a vítima num local fechado, que controlavam, durante várias horas.
Diz a Relação: "Os factos demonstram que os arguidos estão perfeitamente integrados, profissional, familiar e socialmente e dão-nos conta de, pelo menos, grande constrangimento dos arguidos perante a situação que criaram. Os arguidos não têm qualquer percurso criminal. A leitura dos factos espelha personalidades com escassíssimo pendor para a reincidência."
Tribunais só viram atenuantes
"Todo o caso é apreciado no pré-entendimento de que eles não vão para a prisão. Tudo o que pode ser usado para atenuante é invocado, tudo o que devia ser agravante não é", comenta Inês Ferreira Leite, penalista, professora da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e membro da direção da associação feminista Capazes.
"A falha começa pelo MP, que não fez uma acusação com todos os elementos que deveria ter usado. Deveria ter sido mencionado o não uso de preservativo e sido pedido que os arguidos fossem inscritos na lista de agressores sexuais e lhes fossem aplicadas as penas acessórias para pessoas que cometam crimes sexuais. Não deviam poder voltar a trabalhar em funções em que fiquem responsáveis por outras pessoas, nomeadamente em bares e discotecas. Isso não se consegue evitar só com o regime de prova [acompanhamento pelo Instituto de Reinserção Social com um plano específico] que o tribunal impôs no período da pena suspensa."
Não achando que "a pena seja necessariamente injusta no caso" ou que o acórdão seja "especialmente chocante", a jurista crê que deveria ter sido contemplada a agravação "por terem cometido o crime em conjunto, ter havido conjugação de esforços. Aliás o tribunal considera que não houve premeditação - e concordo que não houve -- mas pode considerar-se a possibilidade de concertação prévia. Porque é que o porteiro leva a amiga a casa e não as duas? Porque deixa a vítima sozinha com o barman?"
"Há sempre tolerância em relação a este tipo de arguidos, os acusados de crimes sexuais contra mulheres. São apresentados como boas pessoas, como não criminosos, que numa dada situação deram largas aos seus instintos sexuais."
Além disso, opina Ferreira Leite, "o que salta à vista no acórdão é a forma menorizante como se despacharam os efeitos do crime na vítima." Para além de só serem mencionadas as sequelas físicas, quando "é de conhecimento obrigatório que todos estes crimes têm um impacto psicológico e emocional muito grande", o facto de o acórdão mencionar "um ambiente de sedução mútua" surge-lhe incompreensível: "Não encontro na descrição quaisquer factos objetivos que demonstrem a sedução mútua." Acresce, sublinha, que "ou há ou não há consentimento para o ato sexual e se não há consentimento há crime, o que nada tem a ver com a existência ou não de um clima de sedução prévia. Sendo certo que ainda por cima o crime foi cometido pelos dois arguidos. Será que o tribunal está a dizer que a vítima seduziu os dois?"
E conclui: "Há sempre tolerância em relação a este tipo de arguidos, os acusados de crimes sexuais contra mulheres. São apresentados como boas pessoas, como não criminosos, que numa dada situação deram largas aos seus instintos sexuais. E se nem discordo da suspensão da pena é preciso ter em conta que temos em Portugal pessoas condenadas a prisão efetiva por crimes contra a propriedade ou por corrupção, sendo como estes arguidos primários [ou seja, sem condenações anteriores]."
"Este caso é o nosso La Manada"
"É o nosso La Manada", diz uma magistrada que pede para não ser identificada, referindo-se ao processo relativo à violação de uma jovem espanhola de 18 anos, também em 2016 e também quando embriagada, por cinco homens, nas festas de San Fermin, em Pamplona, e cuja sentença encheu as ruas de Espanha de protestos, por se ter considerado que não tinha sido usada violência na consumação do crime. "O que mais revolta é que quando estão em causa crimes contra mulheres o sinal que os tribunais dão é sempre este, de desculpabilização do comportamento dos agressores. O que era preciso para terem pena efetiva? Que já tivessem violado ou roubado antes?"
Como a penalista citada, considera que deveria ter sido valorizada a comissão em conjunto e o não uso de preservativo. Mas ao contrário dela crê que "a medida da pena demonstra que o crime foi desvalorizado. Há um sinal de impunidade para a comunidade. Uma mulher inconsciente foi violada duas vezes! Que humilhação para ela constatar que ficam com pena suspensa."
"O que mais revolta é que quando estão em causa crimes contra mulheres o sinal que os tribunais dão é sempre este, de desculpabilização do comportamento dos agressores. O que era preciso para terem pena efetiva? Que já tivessem violado ou roubado antes?"
A indignação sobe de tom: "E o acórdão refere que ela esteve a dançar na pista? Mas que importância tem isso? Que relevo, que relação? E de onde vem a "sedução mútua"? Esta mulher tinha vomitado e estava na casa de banho mal disposta. Provou-se que estava incapaz de resistir quando a violaram. Até se podia ter despido na pista, caramba. Está a tentar-se que recaia na vítima uma parte da responsabilidade. E que é isto da "baixa ilicitude"? O que seria alta ilicitude? Às vezes parece que a argumentação jurídica permite que a gente se perca e não veja a gravidade das coisas. Estamos a escudar-nos no argumento jurídico para branquear os factos."
Os factos, então. Voltemos atrás, à noite de sábado 26 de novembro. Maria, de quem pouco se sabe a partir do acórdão, tinha-se deslocado com uma amiga ao Vice Versa, que ambas frequentavam há alguns meses e de onde conheciam os arguidos. Pelas 3.30, havendo já no bar, lê-se na factualidade provada, "poucos clientes e aproximando-se a hora do seu encerramento - 4 horas da madrugada -, o arguido [barman] começou a servir à [vítima] vários "shots" - pelo menos três -, de bebidas alcoólicas (...) dizendo que era oferta, sendo certo que a ofendida já havia consumido várias bebidas também alcoólicas."
"De onde vem a "sedução mútua"? Esta mulher tinha vomitado e estava na casa de banho mal disposta. Estava incapaz de resistir quando a violaram. Está a tentar-se que recaia na vítima uma parte da responsabilidade."
Pouco depois, já após as quatro da manhã, a amiga de Maria mostrou-se mal disposta, sentando-se num sofá na zona Vip, acompanhada por Paulo. Maria juntou-se-lhes, acompanhada por Marcos, e começou também a sentir-se nauseada, sendo levada por Marcos ao exterior do bar (supõe-se que para apanhar ar). Perto das cinco da manhã, como não se sentisse melhor, Maria foi levada por Marcos à casa de banho feminina e aí sentou-se no chão, junto à sanita, e vomitou. Paulo foi também à casa de banho nessa altura e "aí verificou sinais de embriaguez" em Maria.
Relação do Porto mantém pena suspensa para dois funcionários de discoteca de Gaia condenados por terem tido "cópula" com jovem de 26 anos quando "incapaz de resistir". E fala em "danos físicos" sem "especial gravidade".
"A culpa dos arguidos [embora nesta sede a culpa já não seja chamada ao caso] situa-se na mediania, ao fim de uma noite com muita bebida alcoólica, ambiente de sedução mútua, ocasionalidade (não premeditação), na prática dos factos. A ilicitude não é elevada. Não há danos físicos [ou são diminutos] nem violência [o abuso da inconsciência faz parte do tipo]."
As considerações pertencem a um acórdão da Relação do Porto, datado de junho e assinado pelos juízes Maria Dolores da Silva e Sousa (relatora) e Manuel Soares, dizendo respeito a um caso ocorrido em novembro de 2016, quando uma jovem de 26 anos - a quem se dará o nome de Maria -- foi, de acordo com o dado como provado, submetida, enquanto "incapaz de resistência" por estar muito embriagada, a relações sexuais "de cópula completa" por dois funcionários da discoteca Vice Versa, em Vila Nova de Gaia, na casa de banho da mesma e quando o estabelecimento se encontrava já encerrado, não havendo mais ninguém nele além dos arguidos e de Maria.
"A culpa dos arguidos [embora nesta sede a culpa já não seja chamada ao caso] situa-se na mediania, ao fim de uma noite com muita bebida alcoólica, ambiente de sedução mútua, ocasionalidade (não premeditação), na prática dos factos. A ilicitude não é elevada. Não há danos físicos [ou são diminutos] nem violência [o abuso da inconsciência faz parte do tipo]."
Os homens, de 25 e 39 anos à data dos factos, respetivamente barman e porteiro/relações públicas da discoteca, Marcos e Paulo de primeiro nome, foram condenados a quatro anos e meio de prisão em acórdão de fevereiro do juiz 2 do Juízo Criminal Central de Nova de Gaia, que suspendeu a aplicação da pena, suspensão confirmada pela Relação. De acordo com esta última decisão - não foi possível consultar a da primeira instância, já que estas por norma não são disponibilizadas na net - a acusação feita pelo MP (que recorreu por não concordar com a suspensão da pena) não foi toda considerada procedente.
Os arguidos, que estiveram de fevereiro a junho de 2017 em prisão preventiva e depois em prisão domiciliária com pulseira eletrónica até ao julgamento, foram apenas condenados "pela prática, em autoria material, de um crime de abuso sexual de pessoa incapaz de resistência", descrito no artigo 165º do Código Penal e cujo enquadramento penal é de dois a dez anos de prisão.
"Ela estava toda desmaiada"
Não recorreram da condenação, apesar de, segundo o recurso do MP, não admitirem ter cometido o crime nem manifestarem "qualquer arrependimento pela prática dos factos": "Apenas reconheceram ter mantido relações sexuais com a ofendida, negando o estado de inconsciência em que a mesma se encontrava. (...) Apenas se limitam a mostrar arrependimento em função das consequências que para si próprios os factos praticados podem acarretar; ou seja um arrependimento focado e centrado nas suas pessoas."
Considerando que "ambos os arguidos desprezaram totalmente os mais elementares valores morais e jurídicos de respeito devido pela liberdade e autodeterminação sexual da ofendida, ao se aproveitarem do seu estado de inconsciência para com ela manterem relações sexuais de cópula", o MP frisa no recurso que a seguir ao crime o barman Marcos não mostrava dúvidas sobre o "estado de inconsciência da ofendida", referindo-o "em telefonemas intercetados na escuta ao seu telemóvel dizendo "(...) ela estava toda fodida (...)" e "(...) Não. Ela estava toda desmaiada no quarto de banho (...).""
O barman não mostrava dúvidas sobre o "estado de inconsciência da ofendida", referindo-o "em telefonemas intercetados na escuta ao seu telemóvel dizendo: "Ela estava toda fodida" e "Ela estava toda desmaiada no quarto de banho."
Aparentemente, a falta de arrependimento não foi valorizada pelo tribunal de recurso. Tão-pouco terá sido tida em conta a possibilidade de os arguidos serem condenados pela forma agravada do crime - a que prevê um aumento de um terço nos limites mínimo e máximo quando, nos termos do artigo 177º do CP, é "cometido conjuntamente por duas ou mais pessoas" -- e que, aparentemente, o tribunal inferior rechaçou argumentando "não se ter demonstrado o planeamento de uma decisão conjunta ou a sua execução com diferentes papéis atribuídos a cada um mas, em vez, duas resoluções autónomas e distintas."
Igualmente, o facto de pelo menos Paulo, o porteiro, não ter usado preservativo quando submeteu Maria a "cópula completa, ejaculando" - foram encontrado resíduos do seu sémen no exame forense que foi feito quer a Maria quer às suas roupas - não mereceu qualquer censura penal ou sequer menção na decisão, apesar de ser uma conduta que coloca a vítima em perigo acrescido.
"Os arguidos não demonstraram qualquer arrependimento pela prática dos factos. Apenas reconheceram ter mantido relações sexuais com a ofendida, negando o estado de inconsciência em que a mesma se encontrava. (...) Apenas se limitam a mostrar arrependimento em função das consequências que para si próprios os factos praticados podem acarretar."
Quanto a serem ambos funcionários do estabelecimento, facto que o MP frisa no seu recurso impor-lhes "um comportamento mais cuidadoso senão mesmo de proteção" dos clientes, "pelo que redobrado era o seu dever de não serem eles a abusar dessas situações [de excesso alcoólico], especialmente com comportamentos sexuais altamente reprováveis e dolosos" também não terá sido considerado relevante pelas duas instâncias - como, de resto, a evidência de estes terem mantido a vítima num local fechado, que controlavam, durante várias horas.
Diz a Relação: "Os factos demonstram que os arguidos estão perfeitamente integrados, profissional, familiar e socialmente e dão-nos conta de, pelo menos, grande constrangimento dos arguidos perante a situação que criaram. Os arguidos não têm qualquer percurso criminal. A leitura dos factos espelha personalidades com escassíssimo pendor para a reincidência."
Tribunais só viram atenuantes
"Todo o caso é apreciado no pré-entendimento de que eles não vão para a prisão. Tudo o que pode ser usado para atenuante é invocado, tudo o que devia ser agravante não é", comenta Inês Ferreira Leite, penalista, professora da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e membro da direção da associação feminista Capazes.
"A falha começa pelo MP, que não fez uma acusação com todos os elementos que deveria ter usado. Deveria ter sido mencionado o não uso de preservativo e sido pedido que os arguidos fossem inscritos na lista de agressores sexuais e lhes fossem aplicadas as penas acessórias para pessoas que cometam crimes sexuais. Não deviam poder voltar a trabalhar em funções em que fiquem responsáveis por outras pessoas, nomeadamente em bares e discotecas. Isso não se consegue evitar só com o regime de prova [acompanhamento pelo Instituto de Reinserção Social com um plano específico] que o tribunal impôs no período da pena suspensa."
Não achando que "a pena seja necessariamente injusta no caso" ou que o acórdão seja "especialmente chocante", a jurista crê que deveria ter sido contemplada a agravação "por terem cometido o crime em conjunto, ter havido conjugação de esforços. Aliás o tribunal considera que não houve premeditação - e concordo que não houve -- mas pode considerar-se a possibilidade de concertação prévia. Porque é que o porteiro leva a amiga a casa e não as duas? Porque deixa a vítima sozinha com o barman?"
"Há sempre tolerância em relação a este tipo de arguidos, os acusados de crimes sexuais contra mulheres. São apresentados como boas pessoas, como não criminosos, que numa dada situação deram largas aos seus instintos sexuais."
Além disso, opina Ferreira Leite, "o que salta à vista no acórdão é a forma menorizante como se despacharam os efeitos do crime na vítima." Para além de só serem mencionadas as sequelas físicas, quando "é de conhecimento obrigatório que todos estes crimes têm um impacto psicológico e emocional muito grande", o facto de o acórdão mencionar "um ambiente de sedução mútua" surge-lhe incompreensível: "Não encontro na descrição quaisquer factos objetivos que demonstrem a sedução mútua." Acresce, sublinha, que "ou há ou não há consentimento para o ato sexual e se não há consentimento há crime, o que nada tem a ver com a existência ou não de um clima de sedução prévia. Sendo certo que ainda por cima o crime foi cometido pelos dois arguidos. Será que o tribunal está a dizer que a vítima seduziu os dois?"
E conclui: "Há sempre tolerância em relação a este tipo de arguidos, os acusados de crimes sexuais contra mulheres. São apresentados como boas pessoas, como não criminosos, que numa dada situação deram largas aos seus instintos sexuais. E se nem discordo da suspensão da pena é preciso ter em conta que temos em Portugal pessoas condenadas a prisão efetiva por crimes contra a propriedade ou por corrupção, sendo como estes arguidos primários [ou seja, sem condenações anteriores]."
"Este caso é o nosso La Manada"
"É o nosso La Manada", diz uma magistrada que pede para não ser identificada, referindo-se ao processo relativo à violação de uma jovem espanhola de 18 anos, também em 2016 e também quando embriagada, por cinco homens, nas festas de San Fermin, em Pamplona, e cuja sentença encheu as ruas de Espanha de protestos, por se ter considerado que não tinha sido usada violência na consumação do crime. "O que mais revolta é que quando estão em causa crimes contra mulheres o sinal que os tribunais dão é sempre este, de desculpabilização do comportamento dos agressores. O que era preciso para terem pena efetiva? Que já tivessem violado ou roubado antes?"
Como a penalista citada, considera que deveria ter sido valorizada a comissão em conjunto e o não uso de preservativo. Mas ao contrário dela crê que "a medida da pena demonstra que o crime foi desvalorizado. Há um sinal de impunidade para a comunidade. Uma mulher inconsciente foi violada duas vezes! Que humilhação para ela constatar que ficam com pena suspensa."
"O que mais revolta é que quando estão em causa crimes contra mulheres o sinal que os tribunais dão é sempre este, de desculpabilização do comportamento dos agressores. O que era preciso para terem pena efetiva? Que já tivessem violado ou roubado antes?"
A indignação sobe de tom: "E o acórdão refere que ela esteve a dançar na pista? Mas que importância tem isso? Que relevo, que relação? E de onde vem a "sedução mútua"? Esta mulher tinha vomitado e estava na casa de banho mal disposta. Provou-se que estava incapaz de resistir quando a violaram. Até se podia ter despido na pista, caramba. Está a tentar-se que recaia na vítima uma parte da responsabilidade. E que é isto da "baixa ilicitude"? O que seria alta ilicitude? Às vezes parece que a argumentação jurídica permite que a gente se perca e não veja a gravidade das coisas. Estamos a escudar-nos no argumento jurídico para branquear os factos."
Os factos, então. Voltemos atrás, à noite de sábado 26 de novembro. Maria, de quem pouco se sabe a partir do acórdão, tinha-se deslocado com uma amiga ao Vice Versa, que ambas frequentavam há alguns meses e de onde conheciam os arguidos. Pelas 3.30, havendo já no bar, lê-se na factualidade provada, "poucos clientes e aproximando-se a hora do seu encerramento - 4 horas da madrugada -, o arguido [barman] começou a servir à [vítima] vários "shots" - pelo menos três -, de bebidas alcoólicas (...) dizendo que era oferta, sendo certo que a ofendida já havia consumido várias bebidas também alcoólicas."
"De onde vem a "sedução mútua"? Esta mulher tinha vomitado e estava na casa de banho mal disposta. Estava incapaz de resistir quando a violaram. Está a tentar-se que recaia na vítima uma parte da responsabilidade."
Pouco depois, já após as quatro da manhã, a amiga de Maria mostrou-se mal disposta, sentando-se num sofá na zona Vip, acompanhada por Paulo. Maria juntou-se-lhes, acompanhada por Marcos, e começou também a sentir-se nauseada, sendo levada por Marcos ao exterior do bar (supõe-se que para apanhar ar). Perto das cinco da manhã, como não se sentisse melhor, Maria foi levada por Marcos à casa de banho feminina e aí sentou-se no chão, junto à sanita, e vomitou. Paulo foi também à casa de banho nessa altura e "aí verificou sinais de embriaguez" em Maria.
Esquerda une-se para travar exclusão de precários do Estado por falta de habilitações
Raquel Martins, in Público on-line
Projectos de resolução do BE e do PCP serão aprovados nesta sexta-feira e apelam ao Governo para resolver o impasse dos trabalhadores excluídos dos concursos do PREVPAP por não terem o 12.º ano. PS garante que o executivo mostrou-se “sensível” ao problema.
Os deputados do PS vão viabilizar os projectos de resolução do Bloco de Esquerda e do PCP que apelam ao Governo que resolva o impasse dos precários do Estado que estão a ser excluídos dos concursos de regularização por não terem o 12.º ano de escolaridade. A decisão foi tomada nesta quinta-feira durante a reunião da Comissão Parlamentar de Trabalho e Segurança Social e resulta da avaliação que foi feita pelos socialistas no sentido de considerarem que a exclusão destes trabalhadores dos concursos abertos na sequência do Programa de Regularização Extraordinária de Vínculos Precários na Administração pública (PREVPAP) é “uma falha processual”.
Tiago Barbosa Ribeiro, deputado socialista que coordena a área do Trabalho, confirmou ao PÚBLICO que os projectos dos dois partidos serão aprovados no plenário desta sexta-feira para exigir que o Governo emita “orientações claras” que garantam que os precários cuja situação foi objecto de parecer positivo por parte das Comissões de Avaliação Bipartida (CAB) “não são excluídos em fase de concurso com fundamento nas suas habilitações literárias”.
“Existe um programa extraordinário de regularização em curso que prevê que as pessoas sejam avaliadas pelas respectivas CAB para formalizarem o seu vínculo. A questão dos trabalhadores excluídos por falta da habilitações literárias depois de o seu processo ter sido ser validado pela CAB é uma falha processual. É assim que entendemos”, argumenta o deputado, lembrando que a lei geral do trabalho em funções públicas permite, em situações excepcionais, que o critério da escolaridade obrigatória seja suplantado pelo critério da experiência profissional. “O corolário lógico é que estas pessoas têm de ser vinculadas”, conclui Tiago Barbosa Ribeiro.
“O PS acompanha as preocupações [do BE e do PCP] e fica vinculado à resolução do problema”, acrescenta.
Questionado sobre se tem garantia do Governo de que o problema será resolvido, o deputado responde que o executivo “mostrou-se sensível à resolução do problema”, pelo que acredita que será encontrada uma solução.
Na origem da tomada de posição do BE e, alguns dias mais tarde, do PCP, estão os casos de vários trabalhadores precários do Centro Hospitalar do Oeste (CHO) que foram excluídos dos concursos por não terem o 12.º ano, mesmo depois de ter sido reconhecido que exerciam funções permanentes sem vínculo adequado. O assunto foi levado ao Parlamento pelo Bloco de Esquerda em finais de Julho e o ministro da Saúde, Adalberto Campos Fernandes, prometeu resolver a situação. Porém, em Setembro, numa nota enviada à comunicação social, o próprio Ministério da Saúde assumia uma posição diferente remetendo para uma interpretação mais restritiva da lei.
Projectos de resolução do BE e do PCP serão aprovados nesta sexta-feira e apelam ao Governo para resolver o impasse dos trabalhadores excluídos dos concursos do PREVPAP por não terem o 12.º ano. PS garante que o executivo mostrou-se “sensível” ao problema.
Os deputados do PS vão viabilizar os projectos de resolução do Bloco de Esquerda e do PCP que apelam ao Governo que resolva o impasse dos precários do Estado que estão a ser excluídos dos concursos de regularização por não terem o 12.º ano de escolaridade. A decisão foi tomada nesta quinta-feira durante a reunião da Comissão Parlamentar de Trabalho e Segurança Social e resulta da avaliação que foi feita pelos socialistas no sentido de considerarem que a exclusão destes trabalhadores dos concursos abertos na sequência do Programa de Regularização Extraordinária de Vínculos Precários na Administração pública (PREVPAP) é “uma falha processual”.
Tiago Barbosa Ribeiro, deputado socialista que coordena a área do Trabalho, confirmou ao PÚBLICO que os projectos dos dois partidos serão aprovados no plenário desta sexta-feira para exigir que o Governo emita “orientações claras” que garantam que os precários cuja situação foi objecto de parecer positivo por parte das Comissões de Avaliação Bipartida (CAB) “não são excluídos em fase de concurso com fundamento nas suas habilitações literárias”.
“Existe um programa extraordinário de regularização em curso que prevê que as pessoas sejam avaliadas pelas respectivas CAB para formalizarem o seu vínculo. A questão dos trabalhadores excluídos por falta da habilitações literárias depois de o seu processo ter sido ser validado pela CAB é uma falha processual. É assim que entendemos”, argumenta o deputado, lembrando que a lei geral do trabalho em funções públicas permite, em situações excepcionais, que o critério da escolaridade obrigatória seja suplantado pelo critério da experiência profissional. “O corolário lógico é que estas pessoas têm de ser vinculadas”, conclui Tiago Barbosa Ribeiro.
“O PS acompanha as preocupações [do BE e do PCP] e fica vinculado à resolução do problema”, acrescenta.
Questionado sobre se tem garantia do Governo de que o problema será resolvido, o deputado responde que o executivo “mostrou-se sensível à resolução do problema”, pelo que acredita que será encontrada uma solução.
Na origem da tomada de posição do BE e, alguns dias mais tarde, do PCP, estão os casos de vários trabalhadores precários do Centro Hospitalar do Oeste (CHO) que foram excluídos dos concursos por não terem o 12.º ano, mesmo depois de ter sido reconhecido que exerciam funções permanentes sem vínculo adequado. O assunto foi levado ao Parlamento pelo Bloco de Esquerda em finais de Julho e o ministro da Saúde, Adalberto Campos Fernandes, prometeu resolver a situação. Porém, em Setembro, numa nota enviada à comunicação social, o próprio Ministério da Saúde assumia uma posição diferente remetendo para uma interpretação mais restritiva da lei.
Quase metade dos jovens de Gaia considera legítimo controlar a pessoa com quem namora
in Diário de Notícias
Os rapazes legitimam mais a violência no namoro do que as raparigas, refere um estudo realizado em escolas de Gaia, segundo o qual 40% dos inquiridos considera que controlar o companheiro é um comportamento normal.
"É de salientar que, em todos os comportamentos avaliados, os rapazes legitimam mais a violência do que as raparigas. Em algumas situações, (...) a legitimação da violência é mais de três vezes superior nos rapazes", lê-se no estudo levado a cabo junto de rapazes e raparigas do concelho de Vila Nova de Gaia, distrito do Porto.
O controlo, que pode revelar-se em aspetos como proibir o namorado ou namorada de usar uma peça de roupa específica ou interferir nas amizades e companhias do parceiro, é o tipo de violência que os jovens inquiridos mais identificam nos namoros, com 40% a legitimar esse tipo de comportamentos.
Estes números, relativos a 2017, fazem parte um estudo hoje divulgado e que resulta do projeto "Art'themis +" levado a cabo pela União de Mulheres Alternativa e Resposta (UMAR), Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto (FPCEUP) e pela Câmara de Vila Nova de Gaia.
Em traços gerais, o aspeto perseguição ganha relevância ao reunir 28% das respostas, com 35% dos rapazes e 19% das raparigas a considerar que estes comportamentos não são atos de violência no namoro.
O acesso a redes sociais por parte do companheiro, sem autorização, é também considerado um comportamento normal para 44% dos rapazes e 33% das raparigas das escolas de Gaia alvos do estudo.
A violência sexual, com 26%, a violência através das redes sociais, com 25%, e a violência psicológica, com 15%, também são comportamentos legitimados pelos alunos de Gaia, e referidos no estudo, no qual apenas 6% dos inquiridos considera legítima a violência física no namoro.
Estes dados, bem como números relacionados com questionários semelhantes feitos já este ano, vão ser apresentados hoje no auditório da Assembleia Municipal de Vila Nova de Gaia no seminário "Gaia, pela Prevenção do Assédio e Violência de Género".
Na mesma sessão está previsto ser apresentado um outro estudo que resulta de sessões e inquéritos levados a cabo em três escolas do distrito do Porto, não identificadas no documento.
Neste é descrito que os jovens têm "tendência para culpabilizar a vítima pelo assédio sexual".
No que respeita à intervenção, todos os grupos consideraram fundamental recorrer a um adulto para falar sobre a situação e pedir ajuda, ainda que os jovens do sexo masculino tenham respondido em maior percentagem que não se sentem à vontade neste aspeto.
"Foi ainda evidenciado que as barreiras para a intervenção são o medo de represálias, a falta de segurança e de coragem, não saberem identificar uma situação de assédio sexual e sentirem-se excluídos do grupo", lê-se nas conclusões.
Os rapazes legitimam mais a violência no namoro do que as raparigas, refere um estudo realizado em escolas de Gaia, segundo o qual 40% dos inquiridos considera que controlar o companheiro é um comportamento normal.
"É de salientar que, em todos os comportamentos avaliados, os rapazes legitimam mais a violência do que as raparigas. Em algumas situações, (...) a legitimação da violência é mais de três vezes superior nos rapazes", lê-se no estudo levado a cabo junto de rapazes e raparigas do concelho de Vila Nova de Gaia, distrito do Porto.
O controlo, que pode revelar-se em aspetos como proibir o namorado ou namorada de usar uma peça de roupa específica ou interferir nas amizades e companhias do parceiro, é o tipo de violência que os jovens inquiridos mais identificam nos namoros, com 40% a legitimar esse tipo de comportamentos.
Estes números, relativos a 2017, fazem parte um estudo hoje divulgado e que resulta do projeto "Art'themis +" levado a cabo pela União de Mulheres Alternativa e Resposta (UMAR), Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto (FPCEUP) e pela Câmara de Vila Nova de Gaia.
Em traços gerais, o aspeto perseguição ganha relevância ao reunir 28% das respostas, com 35% dos rapazes e 19% das raparigas a considerar que estes comportamentos não são atos de violência no namoro.
O acesso a redes sociais por parte do companheiro, sem autorização, é também considerado um comportamento normal para 44% dos rapazes e 33% das raparigas das escolas de Gaia alvos do estudo.
A violência sexual, com 26%, a violência através das redes sociais, com 25%, e a violência psicológica, com 15%, também são comportamentos legitimados pelos alunos de Gaia, e referidos no estudo, no qual apenas 6% dos inquiridos considera legítima a violência física no namoro.
Estes dados, bem como números relacionados com questionários semelhantes feitos já este ano, vão ser apresentados hoje no auditório da Assembleia Municipal de Vila Nova de Gaia no seminário "Gaia, pela Prevenção do Assédio e Violência de Género".
Na mesma sessão está previsto ser apresentado um outro estudo que resulta de sessões e inquéritos levados a cabo em três escolas do distrito do Porto, não identificadas no documento.
Neste é descrito que os jovens têm "tendência para culpabilizar a vítima pelo assédio sexual".
No que respeita à intervenção, todos os grupos consideraram fundamental recorrer a um adulto para falar sobre a situação e pedir ajuda, ainda que os jovens do sexo masculino tenham respondido em maior percentagem que não se sentem à vontade neste aspeto.
"Foi ainda evidenciado que as barreiras para a intervenção são o medo de represálias, a falta de segurança e de coragem, não saberem identificar uma situação de assédio sexual e sentirem-se excluídos do grupo", lê-se nas conclusões.
20.9.18
Macron quer combater pobreza com plano de 8,5 mil milhões de euros
José Carlos Lourinho, in Económico
Executivo francês calcula que haja 8,8 milhões de pobres em França (sendo que praticamente um terço são crianças), o que representa cerca de 13,6% da população. Estes são os planos de Macron prevenir e precariedade e favorecer a autonomia.
Prevenir a precariedade e favorecer a autonomia através do emprego. Estas são as máximas da política de Emmanuel Macron, presidente francês, para combater a pobreza em França. Assim, o executivo gaulês vai destinar 8,5 mil milhões de euros nos próximos quatro anos para combater a pobreza que deverá, de acordo com os últimos dados conhecidos, afetar cerca de 8,8 milhões de residentes (um terço são crianças), quase 14% da população do país.
“Não se trata de ajuda os pobres a viver melhor na pobreza mas sim de acompanhá-los para que saiam dessa situação”, enalteceu Macron na apresentação em Paris desta estratégia de âmbito nacional.
As autoridades franceses pretendem desta forma evitar a perpetuação da pobreza entre gerações e lançam este plano que irá entrar em vigor em janeiro de 2019, após concluírem que os mecanismos existentes podiam ter contigo o problema, apesar de denotarem ineficiência para prevenir e ajudar as pessoas a sair destas situações.
O foco é global e presta uma atenção especial a menores ou mais jovens: segundo alguns cálculos, são necessários 180 anos para que os descendentes de uma criança pobre ascenda à classe média.
Assim, vão ser criadas 30 mil unidades de acolhimento em bairros desfavorecidos, a distribuição de pequenos-almoços em escolas básicas dessas zonas e a oferta de refeições com o custo de um euro nas cantinas escolares dos municípios mais pobres.
No que diz respeito aos planos para reduzir o abandono escolar, será instaurada a obrigação de oferecer aos ‘nem-nem’ (que não estuda nem trabalha) soluções de escolarização, formação ou emprego até aos 18 anos (em vez dos 16 anos atuais). De acordo com os media franceses, não se trata de escolarização obrigatória mas sim de impulsionar que os mesmos continuem em formação.
Executivo francês calcula que haja 8,8 milhões de pobres em França (sendo que praticamente um terço são crianças), o que representa cerca de 13,6% da população. Estes são os planos de Macron prevenir e precariedade e favorecer a autonomia.
Prevenir a precariedade e favorecer a autonomia através do emprego. Estas são as máximas da política de Emmanuel Macron, presidente francês, para combater a pobreza em França. Assim, o executivo gaulês vai destinar 8,5 mil milhões de euros nos próximos quatro anos para combater a pobreza que deverá, de acordo com os últimos dados conhecidos, afetar cerca de 8,8 milhões de residentes (um terço são crianças), quase 14% da população do país.
“Não se trata de ajuda os pobres a viver melhor na pobreza mas sim de acompanhá-los para que saiam dessa situação”, enalteceu Macron na apresentação em Paris desta estratégia de âmbito nacional.
As autoridades franceses pretendem desta forma evitar a perpetuação da pobreza entre gerações e lançam este plano que irá entrar em vigor em janeiro de 2019, após concluírem que os mecanismos existentes podiam ter contigo o problema, apesar de denotarem ineficiência para prevenir e ajudar as pessoas a sair destas situações.
O foco é global e presta uma atenção especial a menores ou mais jovens: segundo alguns cálculos, são necessários 180 anos para que os descendentes de uma criança pobre ascenda à classe média.
Assim, vão ser criadas 30 mil unidades de acolhimento em bairros desfavorecidos, a distribuição de pequenos-almoços em escolas básicas dessas zonas e a oferta de refeições com o custo de um euro nas cantinas escolares dos municípios mais pobres.
No que diz respeito aos planos para reduzir o abandono escolar, será instaurada a obrigação de oferecer aos ‘nem-nem’ (que não estuda nem trabalha) soluções de escolarização, formação ou emprego até aos 18 anos (em vez dos 16 anos atuais). De acordo com os media franceses, não se trata de escolarização obrigatória mas sim de impulsionar que os mesmos continuem em formação.
Como oportunidades iguais a ricos e pobres ajudaram Finlândia a virar referência em educação
Claudia Wallin, in BBC.com
Na Finlândia, alunos têm poucas provas
Os finlandeses só conheceram o asfalto na década de 1920. Até o começo do século 20, conheciam sobretudo a pobreza. Quando, em 1909, a avenida Paulista se tornou a primeira via asfaltada da cidade de São Paulo, a hoje rica Finlândia era uma economia substancialmente agrária, e seus primeiros 14 km de rodovia seriam inaugurados somente em 1963.
Mas, nos anos seguintes, o país foi transformado por um conjunto de políticas educacionais e sociais - que criaram um dos mais celebrados modelos de excelência em educação pública do mundo. No Brasil, enquanto isso, reduzir a imensa desigualdade de oportunidades educacionais que existe entre as crianças que nascem em famílias pobres e as mais ricas segue sendo um dos principais desafios do país.
É o conhecido milagre finlandês, iniciado na década de 70 e turbinado nos anos 90 por uma série de reformas inovadoras. Em um espaço de 30 anos, a Finlândia transformou um sistema educacional medíocre e ineficaz, que amargava resultados escolares comparáveis aos de países como o Peru e a Malásia, em uma incubadora de talentos que a alçou ao topo dos rankings mundiais de desempenho estudantil e alavancou o nascimento de uma economia sofisticada e altamente industrializada.
Trata-se, à primeira vista, de um enigma: os finlandeses estão fazendo exatamente o contrário do que o resto do mundo faz na eterna busca por melhores resultados escolares - e está dando certo. O receituário finlandês inclui reduzir o número de horas de aula e limitar ao mínimo os deveres de casa e as provas escolares.
Como a Finlândia, país referência em educação, está mudando a arquitetura de suas escolas
Delegações de educadores internacionais vasculham o paradoxal modelo finlandês em busca da fórmula do milagre. E ouvem, dos finlandeses, a seguinte resposta: a educação pública de alta qualidade não é resultado apenas de políticas educacionais, eles dizem, mas também de políticas sociais.
"O Estado de bem-estar social finlandês desempenha um papel crucial para o sucesso do modelo, ao garantir a todas as crianças oportunidades e condições iguais para um aprendizado gratuito e de qualidade", diz o educador Pasi Sahlberg, um dos idealizadores da reforma das políticas educativas da Finlândia nos anos 90, no livro Finnish Lessons (Lições Finlandesas, em tradução livre).
A preocupação em garantir que todos os finlandeses tenham oportunidades iguais de desenvolvimento é visível nas instalações da escola Viikki, um dos centros educacionais de ensino médio e fundamental da capital finlandesa, Helsinque. Como em todas as escolas finlandesas, ali o filho do empresário e o filho do operário estudam lado a lado.
No amplo refeitório, refeições fartas e saudáveis são servidas diariamente aos estudantes.
Serviços de atendimento médico e odontológico cuidam, gratuitamente, da saúde dos 940 alunos. Todo o material escolar é também gratuito. Equipes de pedagogos e psicólogos acompanham cuidadosamente o desenvolvimento de cada criança, identificando na primeira hora problemas como a dislexia de um aluno e fornecendo apoio imediato. Mensalidades escolares não existem.
Pasi Sahlberg destaca ainda o impacto fundamental exercido no ensino pelo modelo de igualdade e justiça social criado gradualmente pelos finlandeses a partir do pós-guerra: saúde, educação e moradia para todos, generosas licenças-paternidade para cuidar das crianças e creches altamente subsidiadas ou até gratuitas, além de uma vasta e solidária rede universal de proteção aos cidadãos.
"A desigualdade social, a pobreza infantil e ausência de serviços básicos têm um forte impacto negativo no desempenho do sistema educacional de um país", pontua Sahlberg.
Em todas as escolas finlandesas, ali o filho do empresário e o filho do operário estudam lado a lado
A transformação
Até o fim dos anos 1960, apenas 10% dos finlandeses completavam o ensino secundário. As oportunidades eram limitadas, e o acesso, desigual: muitas famílias não tinham condições de pagar por instituições privadas de ensino, e as escolas públicas eram insuficientes.
Um diploma universitário era considerado, na época,
um troféu excepcional - apenas 7% da população tinha educação superior. Em todas as faixas de aprendizado, a Finlândia era um símbolo de atraso.
Mas a História do país sempre foi marcada pela resiliência do seu povo, que só conquistou a independência em 1917 - depois de seis séculos sob o domínio do reino da Suécia e mais de cem anos como grão-ducado do Império Russo e seus cinco czares.
Pista de skate desta escola foi construída graças à ideia sugerida pelos alunos, que ajudaram até a desenhá-la
Na década de 70, a nação foi convocada a mudar. Uma educação pública estelar passou a ser percebida como a base fundamental para a criação de um futuro menos medíocre: desenvolver o capital humano do país tornou-se a missão primordial do Estado finlandês.
O princípio da igualdade e da inclusão social marcou o desenvolvimento nos anos 70 da nova peruskoulu, a educação obrigatória finlandesa, que abrange o ensino fundamental e médio. Em uma decisão histórica do Parlamento finlandês, todas as crianças, independentemente de background socioeconômico ou região de domicílio, passaram a ter acesso igualitário e gratuito a escolas de qualidade para cumprir os nove anos da educação básica.
O vital passo seguinte foi uma valorização sem precedentes do professor. A Finlândia lançou programas de formação de excelência para o magistério nas universidades do país, criou notáveis condições de trabalho e ampla autonomia decisória nas escolas, pagando razoavelmente bem seus professores. E a carreira de professor tornou-se uma das preferidas entre os jovens finlandeses - à frente de profissões da Medicina, do Direito e da Arquitetura.
Participação da sociedade
Nos anos 90, o país anunciou uma nova revolução do ensino. Associações de professores, políticos, pais, membros da academia e diferentes setores da sociedade foram chamados a participar da criação dos novos e revolucionários paradigmas da educação no país, que rejeitavam a fórmula convencional aplicada na maior parte do mundo como receita para melhorar o desempenho escolar.
"Particularmente significativo foi o papel desempenhado por variadas organizações da sociedade civil", destaca Pasi Sahlberg, que foi um dos conselheiros do Ministério da Educação finlandês nos anos 90.
A transformação do sistema foi profunda - e rápida. Como resultado, já no fim da década de 90 a peruskoulu finlandesa tornou-se líder mundial em matemática, ciências e interpretação.
Os primeiros resultados do PISA publicados em 2001 surpreenderam os próprios finlandeses: em todos os domínios acadêmicos, a Finlândia despontou no topo do ranking mundial. E permanece, até hoje, entre os mais destacados membros do clube.
A Finlândia diz ter aprendido uma lição: políticas de educação efetivas devem estar interligadas às demais políticas sociais. "As pessoas na Finlândia têm um profundo senso de responsabilidade compartilhada e importam-se não apenas com as próprias vidas, mas também com o bem-estar dos outros", observa Sahlberg no livro Finnish Lessons.
"Os cuidados com o bem-estar da criança começam antes mesmo de ela nascer e se estendem até a idade adulta. As creches públicas são um direito garantido para todas as crianças, que também têm acesso igualitário a todo tipo de serviço básico. A educação em nosso país é considerada um bem público. É, portanto, protegida, na Constituição do país, como um direito humano básico", acrescenta.
O investimento finlandês na educação também é considerado um dos motores centrais do desenvolvimento econômico e do fim da pobreza no país: cidadãos altamente capacitados alavancaram o crescimento da produção e a transformação da Finlândia em um dos principais pólos de inovação e tecnologia do mundo, com o nascimento de empresas como a gigante das telecomunicações Nokia.
As políticas educacionais cresceram ao lado das políticas sociais: a vasta rede de benefícios sociais na Finlândia é resultado da construção, a partir dos anos 70, de um generoso Estado de Bem-Estar social, financiado por uma das mais altas cargas tributárias do mundo. A taxa de imposto de renda individual no país é hoje de 51,6%, o que não impediu a Finlândia de aparecer, este ano, no topo do ranking dos países mais felizes do mundo elaborado pela ONU (World Happiness Report).
Desde o fim dos anos 30, a Finlândia oferece a todas as gestantes um kit-maternidade com cerca de 50 itens básicos para o bebê - um presente destinado a proporcionar a todos um começo de vida igual, independentemente da classe social.
Quando uma criança nasce na Finlândia, a mãe tem direito a 105 dias úteis de licença-maternidade. O pai recebe outros 54 dias úteis de licença. Além disso, os casais podem dividir entre si um período adicional de mais de cinco meses de licença parental.
Isso significa que a maioria das crianças finlandesas pode ter a atenção dos pais, em casa, durante seu primeiro ano de vida.
Após o período de licença-paternidade, um dos pais tem o direito de permanecer em casa com a criança, se assim preferir, e receber um subsídio de cerca de 450 euros por mês. Nesse caso, o pai ou a mãe poderão retornar ao mesmo emprego que tinham antes até a criança completar três anos de idade.
Os pais têm ainda a opção de retornar ao trabalho, mas com carga horária reduzida, e obter um subsídio parcial do Estado.
Uso de tecnologia e de métodos alternativos (como bolas no lugar de cadeiras) é incentivado nas escolas da Finlândia
A maior parte dos pais e mães volta eventualmente ao trabalho - e quando decidem fazer isso, o Estado oferece uma rede de creches especializadas e altamente subsidiadas para cuidar das crianças.
Pela lei finlandesa, todas as crianças de 0 a seis anos têm direito a um lugar na creche, seja em horário parcial ou integral. As taxas variam de acordo com a renda dos pais e da municipalidade onde a família reside. O valor máximo da mensalidade é atualmente de 290 euros (cerca de R$ 1.340).
Para famílias de menor renda, as creches são gratuitas.
Quando completam 6 anos de idade, todas as crianças finlandesas têm direito à educação pré-escolar – que é inteiramente gratuita. O objetivo dos centros pré-escolares é proporcionar a cada criança o aprendizado de habilidades e conhecimentos básicos, a fim de prepará-las para a vida escolar.
Com o acesso gratuito às universidades e instituições de ensino técnico e profissionalizante, a educação de nível superior também passou a ser uma oportunidade igual para todos: a educação na Finlândia é livre de mensalidades para todos, do pré-escolar ao PhD.
As estatísticas apontam o êxito da fórmula de aliar políticas educacionais a políticas sociais, diz Pasi Sahberg:
"As sociedades igualitárias têm cidadãos com grau de instrução mais elevado, raros casos de evasão escolar, menores taxas de obesidade, melhores indicadores de saúde mental e índices mais reduzidos de ocorrência de gravidez entre adolescentes, em relação aos países nos quais a distância entre ricos e pobres é maior", enfatiza o educador finlandês.
Inovar - sempre - é preciso, ensinam os finlandeses. Já nos anos 90, a reforma educacional conduzida pela Finlândia surpreendeu o mundo acadêmico com uma teoria paradoxal, que provaria ser visionária.
Paradoxo 1: Os alunos aprendem mais quando os professores ensinam menos
A experiência finlandesa desafia a lógica convencional, que prescreve mais horas de aula e maior quantidade de lições de casa como fórmula para turbinar o desempenho estudantil.
Os dias são mais curtos nas escolas da Finlândia: são menos horas de aula do que em todas as demais nações industrializadas, segundo estatísticas da OCDE, organização que reúne os países mais ricos do mundo.
"É importante que crianças tenham tempo de ser crianças", disse a professora Erja Schunk, na escola Viikki, situada em um campus da Universidade de Helsinque. "O mais importante é a qualidade do tempo em sala de aula, e não a quantidade".
Nos Estados Unidos, um professor gasta aproximadamente o dobro do tempo ensinando na sala de aula por semana, em comparação com um professor finlandês.
"Dar seis horas de aula por dia é uma tarefa árdua, que deixa os professores cansados demais para se dedicar a outras tarefas importantes no trabalho de um educador, como planejar, reciclar-se e dar assistência cuidadosa ao aluno", diz Sahlberg. Em uma típica escola finlandesa, os professores dão cerca de quatro aulas por dia.
"A preocupação central da escola finlandesa não é atingir recordes de desempenho escolar, e sim ajudar a desenvolver as aptidões de uma criança a fim de formar indivíduos capazes de viver vidas felizes, dentro e fora do trabalho", acrescenta Sahlberg.
A entrega da caixa de papelão com itens para recém nascidos é uma das bem-sucedidas políticas sociais do país
Professores finlandeses também não acreditam que aumentar a carga de trabalho de casa dos estudantes leva necessariamente a um melhor aprendizado - especialmente se as lições forem entediantes exercícios que não desafiam a capacidade criativa do aluno.
Pelas estatísticas da OCDE, os estudantes finlandeses gastam menos tempo fazendo trabalho de casa do que os colegas de todos os outros países: cerca de meia hora por dia.
"Os alunos aprendem o que necessitam saber na sala de aula, e muitos fazem o dever de casa aqui mesmo, na própria escola. Assim, eles têm tempo para conviver com os amigos e se dedicar às coisas que gostam de fazer fora da escola, o que também é importante", disse o professor Martti Mery na escola Viikki.
Na fase pré-escolar, a prioridade é desenvolver a autoconfiança das crianças: os dias na escola são preenchidos com tarefas como aprender a se orientar desacompanhadas em uma floresta, ou amarrar sozinhas seus patins de gelo.
Paradoxo 2: Os alunos aprendem mais quando têm menos provas e testes
Estudantes finlandeses não precisam se preocupar com provas: seu sistema educacional não acredita na eficácia de uma alta frequência de provas e testes, que por isso são aplicados com pouca regularidade. Apesar disso, a Finlândia brilha nos rankings globais de educação, ao lado dos países com melhor desempenho escolar do mundo.
Milagre? A filosofia finlandesa é de que o foco principal dos professores deve ser ajudar os alunos a aprender sem ansiedade, a criar e a desenvolver a curiosidade natural, e não simplesmente a passar em provas.
"A pressão do modelo tradicional de ensino traz consequências dramáticas para os alunos, como o medo, o tédio e o receio de correr riscos", afirma o educador Pasi Sahlberg.
Relatórios do PISA indicam que apenas 7% dos alunos finlandeses sentem-se ansiosos ao estudar matemática. Já no rígido sistema de ensino do Japão, que ostenta altos níveis de desempenho escolar enquanto registra recordes de suicídio entre estudantes, esse índice chega a 52%.
Nas salas de aula da escola Viikki, o ambiente é tranquilo e descontraído. Não há uniformes escolares, e os alunos estudam descalços – refletindo o clima das casas escandinavas, onde ninguém usa sapatos.
A escola primária é praticamente uma época livre de testes. A fim de evitar que as crianças sejam categorizadas de acordo com sua performance, o sistema finlandês virtualmente aboliu a avaliação por notas escolares nos cinco primeiros anos da peruskoulu.
Nos anos seguintes, a avaliação é feita com base em testes elaborados pelo professor e no desempenho do aluno em sala de aula, além de uma ampla avaliação de cada estudante realizada coletivamente pelos professores ao fim de cada semestre.
Os que precisam de maior assistência no ensino recebem atenção particular: a filosofia finlandesa preza a crença de que todas as crianças têm o potencial de aprender, se tiverem apoio e oportunidades adequadas.
O magistério na Finlândia tornou-se uma carreira de prestígio.
A cada primavera, milhares de jovens se candidatam a uma vaga para estudar nos departamentos de formação de professores das universidades da Finlândia.
Mas apenas os melhores e mais preparados estudantes podem se tornar professores: no exigente sistema finlandês, apenas cerca de 10% dos candidatos são em geral aprovados para cursar o obrigatório mestrado na universidade.
Obter um mestrado tornou-se a qualificação básica e obrigatória de um professor para poder ensinar nas escolas finlandesas - mesmo na educação pré-escolar.
A escola primária é praticamente uma época livre de provas
As inovações continuam: o currículo escolar adotado em 2016 criou, por exemplo, o ensino baseado em fenômenos ou projetos, que atualiza a tradicional divisão por matérias e dá mais espaço para que determinados temas - como, por exemplo, a Segunda Guerra Mundial - sejam trabalhados conjuntamente por professores de diferentes disciplinas.
Todos os aspectos por trás do sucesso finlandês parecem ser, assim, o oposto do que se faz na maior parte do mundo, onde a competição, a alta carga de provas e aulas, a uniformização do ensino e a privatização são via de regra os princípios dominantes.
"Exercer controles rígidos sobre as escolas e os alunos, pagar os professores com base no desempenho dos estudantes, entregar a liderança das escolas a especialistas em gerenciamento ou converter escolas públicas em privadas são ideias que não têm lugar no repertório finlandês de desenvolvimento da educação", diz o educador Pasi Sahlberg.
Sahlberg resume assim o pensamento finlandês sobre a educação pública de qualidade:
"É uma obrigação moral, pois o bem-estar e em última análise a felicidade de um indivíduo depende do conhecimento, das aptidões e das visões de mundo que são proporcionadas por uma educação de qualidade. É também um imperativo econômico, uma vez que a riqueza das nações depende cada vez mais de know-how e conhecimento".
Na Finlândia, alunos têm poucas provas
Os finlandeses só conheceram o asfalto na década de 1920. Até o começo do século 20, conheciam sobretudo a pobreza. Quando, em 1909, a avenida Paulista se tornou a primeira via asfaltada da cidade de São Paulo, a hoje rica Finlândia era uma economia substancialmente agrária, e seus primeiros 14 km de rodovia seriam inaugurados somente em 1963.
Mas, nos anos seguintes, o país foi transformado por um conjunto de políticas educacionais e sociais - que criaram um dos mais celebrados modelos de excelência em educação pública do mundo. No Brasil, enquanto isso, reduzir a imensa desigualdade de oportunidades educacionais que existe entre as crianças que nascem em famílias pobres e as mais ricas segue sendo um dos principais desafios do país.
É o conhecido milagre finlandês, iniciado na década de 70 e turbinado nos anos 90 por uma série de reformas inovadoras. Em um espaço de 30 anos, a Finlândia transformou um sistema educacional medíocre e ineficaz, que amargava resultados escolares comparáveis aos de países como o Peru e a Malásia, em uma incubadora de talentos que a alçou ao topo dos rankings mundiais de desempenho estudantil e alavancou o nascimento de uma economia sofisticada e altamente industrializada.
Trata-se, à primeira vista, de um enigma: os finlandeses estão fazendo exatamente o contrário do que o resto do mundo faz na eterna busca por melhores resultados escolares - e está dando certo. O receituário finlandês inclui reduzir o número de horas de aula e limitar ao mínimo os deveres de casa e as provas escolares.
Como a Finlândia, país referência em educação, está mudando a arquitetura de suas escolas
Delegações de educadores internacionais vasculham o paradoxal modelo finlandês em busca da fórmula do milagre. E ouvem, dos finlandeses, a seguinte resposta: a educação pública de alta qualidade não é resultado apenas de políticas educacionais, eles dizem, mas também de políticas sociais.
"O Estado de bem-estar social finlandês desempenha um papel crucial para o sucesso do modelo, ao garantir a todas as crianças oportunidades e condições iguais para um aprendizado gratuito e de qualidade", diz o educador Pasi Sahlberg, um dos idealizadores da reforma das políticas educativas da Finlândia nos anos 90, no livro Finnish Lessons (Lições Finlandesas, em tradução livre).
A preocupação em garantir que todos os finlandeses tenham oportunidades iguais de desenvolvimento é visível nas instalações da escola Viikki, um dos centros educacionais de ensino médio e fundamental da capital finlandesa, Helsinque. Como em todas as escolas finlandesas, ali o filho do empresário e o filho do operário estudam lado a lado.
No amplo refeitório, refeições fartas e saudáveis são servidas diariamente aos estudantes.
Serviços de atendimento médico e odontológico cuidam, gratuitamente, da saúde dos 940 alunos. Todo o material escolar é também gratuito. Equipes de pedagogos e psicólogos acompanham cuidadosamente o desenvolvimento de cada criança, identificando na primeira hora problemas como a dislexia de um aluno e fornecendo apoio imediato. Mensalidades escolares não existem.
Pasi Sahlberg destaca ainda o impacto fundamental exercido no ensino pelo modelo de igualdade e justiça social criado gradualmente pelos finlandeses a partir do pós-guerra: saúde, educação e moradia para todos, generosas licenças-paternidade para cuidar das crianças e creches altamente subsidiadas ou até gratuitas, além de uma vasta e solidária rede universal de proteção aos cidadãos.
"A desigualdade social, a pobreza infantil e ausência de serviços básicos têm um forte impacto negativo no desempenho do sistema educacional de um país", pontua Sahlberg.
Em todas as escolas finlandesas, ali o filho do empresário e o filho do operário estudam lado a lado
A transformação
Até o fim dos anos 1960, apenas 10% dos finlandeses completavam o ensino secundário. As oportunidades eram limitadas, e o acesso, desigual: muitas famílias não tinham condições de pagar por instituições privadas de ensino, e as escolas públicas eram insuficientes.
Um diploma universitário era considerado, na época,
um troféu excepcional - apenas 7% da população tinha educação superior. Em todas as faixas de aprendizado, a Finlândia era um símbolo de atraso.
Mas a História do país sempre foi marcada pela resiliência do seu povo, que só conquistou a independência em 1917 - depois de seis séculos sob o domínio do reino da Suécia e mais de cem anos como grão-ducado do Império Russo e seus cinco czares.
Pista de skate desta escola foi construída graças à ideia sugerida pelos alunos, que ajudaram até a desenhá-la
Na década de 70, a nação foi convocada a mudar. Uma educação pública estelar passou a ser percebida como a base fundamental para a criação de um futuro menos medíocre: desenvolver o capital humano do país tornou-se a missão primordial do Estado finlandês.
O princípio da igualdade e da inclusão social marcou o desenvolvimento nos anos 70 da nova peruskoulu, a educação obrigatória finlandesa, que abrange o ensino fundamental e médio. Em uma decisão histórica do Parlamento finlandês, todas as crianças, independentemente de background socioeconômico ou região de domicílio, passaram a ter acesso igualitário e gratuito a escolas de qualidade para cumprir os nove anos da educação básica.
O vital passo seguinte foi uma valorização sem precedentes do professor. A Finlândia lançou programas de formação de excelência para o magistério nas universidades do país, criou notáveis condições de trabalho e ampla autonomia decisória nas escolas, pagando razoavelmente bem seus professores. E a carreira de professor tornou-se uma das preferidas entre os jovens finlandeses - à frente de profissões da Medicina, do Direito e da Arquitetura.
Participação da sociedade
Nos anos 90, o país anunciou uma nova revolução do ensino. Associações de professores, políticos, pais, membros da academia e diferentes setores da sociedade foram chamados a participar da criação dos novos e revolucionários paradigmas da educação no país, que rejeitavam a fórmula convencional aplicada na maior parte do mundo como receita para melhorar o desempenho escolar.
"Particularmente significativo foi o papel desempenhado por variadas organizações da sociedade civil", destaca Pasi Sahlberg, que foi um dos conselheiros do Ministério da Educação finlandês nos anos 90.
A transformação do sistema foi profunda - e rápida. Como resultado, já no fim da década de 90 a peruskoulu finlandesa tornou-se líder mundial em matemática, ciências e interpretação.
Os primeiros resultados do PISA publicados em 2001 surpreenderam os próprios finlandeses: em todos os domínios acadêmicos, a Finlândia despontou no topo do ranking mundial. E permanece, até hoje, entre os mais destacados membros do clube.
A Finlândia diz ter aprendido uma lição: políticas de educação efetivas devem estar interligadas às demais políticas sociais. "As pessoas na Finlândia têm um profundo senso de responsabilidade compartilhada e importam-se não apenas com as próprias vidas, mas também com o bem-estar dos outros", observa Sahlberg no livro Finnish Lessons.
"Os cuidados com o bem-estar da criança começam antes mesmo de ela nascer e se estendem até a idade adulta. As creches públicas são um direito garantido para todas as crianças, que também têm acesso igualitário a todo tipo de serviço básico. A educação em nosso país é considerada um bem público. É, portanto, protegida, na Constituição do país, como um direito humano básico", acrescenta.
O investimento finlandês na educação também é considerado um dos motores centrais do desenvolvimento econômico e do fim da pobreza no país: cidadãos altamente capacitados alavancaram o crescimento da produção e a transformação da Finlândia em um dos principais pólos de inovação e tecnologia do mundo, com o nascimento de empresas como a gigante das telecomunicações Nokia.
As políticas educacionais cresceram ao lado das políticas sociais: a vasta rede de benefícios sociais na Finlândia é resultado da construção, a partir dos anos 70, de um generoso Estado de Bem-Estar social, financiado por uma das mais altas cargas tributárias do mundo. A taxa de imposto de renda individual no país é hoje de 51,6%, o que não impediu a Finlândia de aparecer, este ano, no topo do ranking dos países mais felizes do mundo elaborado pela ONU (World Happiness Report).
Desde o fim dos anos 30, a Finlândia oferece a todas as gestantes um kit-maternidade com cerca de 50 itens básicos para o bebê - um presente destinado a proporcionar a todos um começo de vida igual, independentemente da classe social.
Quando uma criança nasce na Finlândia, a mãe tem direito a 105 dias úteis de licença-maternidade. O pai recebe outros 54 dias úteis de licença. Além disso, os casais podem dividir entre si um período adicional de mais de cinco meses de licença parental.
Isso significa que a maioria das crianças finlandesas pode ter a atenção dos pais, em casa, durante seu primeiro ano de vida.
Após o período de licença-paternidade, um dos pais tem o direito de permanecer em casa com a criança, se assim preferir, e receber um subsídio de cerca de 450 euros por mês. Nesse caso, o pai ou a mãe poderão retornar ao mesmo emprego que tinham antes até a criança completar três anos de idade.
Os pais têm ainda a opção de retornar ao trabalho, mas com carga horária reduzida, e obter um subsídio parcial do Estado.
Uso de tecnologia e de métodos alternativos (como bolas no lugar de cadeiras) é incentivado nas escolas da Finlândia
A maior parte dos pais e mães volta eventualmente ao trabalho - e quando decidem fazer isso, o Estado oferece uma rede de creches especializadas e altamente subsidiadas para cuidar das crianças.
Pela lei finlandesa, todas as crianças de 0 a seis anos têm direito a um lugar na creche, seja em horário parcial ou integral. As taxas variam de acordo com a renda dos pais e da municipalidade onde a família reside. O valor máximo da mensalidade é atualmente de 290 euros (cerca de R$ 1.340).
Para famílias de menor renda, as creches são gratuitas.
Quando completam 6 anos de idade, todas as crianças finlandesas têm direito à educação pré-escolar – que é inteiramente gratuita. O objetivo dos centros pré-escolares é proporcionar a cada criança o aprendizado de habilidades e conhecimentos básicos, a fim de prepará-las para a vida escolar.
Com o acesso gratuito às universidades e instituições de ensino técnico e profissionalizante, a educação de nível superior também passou a ser uma oportunidade igual para todos: a educação na Finlândia é livre de mensalidades para todos, do pré-escolar ao PhD.
As estatísticas apontam o êxito da fórmula de aliar políticas educacionais a políticas sociais, diz Pasi Sahberg:
"As sociedades igualitárias têm cidadãos com grau de instrução mais elevado, raros casos de evasão escolar, menores taxas de obesidade, melhores indicadores de saúde mental e índices mais reduzidos de ocorrência de gravidez entre adolescentes, em relação aos países nos quais a distância entre ricos e pobres é maior", enfatiza o educador finlandês.
Inovar - sempre - é preciso, ensinam os finlandeses. Já nos anos 90, a reforma educacional conduzida pela Finlândia surpreendeu o mundo acadêmico com uma teoria paradoxal, que provaria ser visionária.
Paradoxo 1: Os alunos aprendem mais quando os professores ensinam menos
A experiência finlandesa desafia a lógica convencional, que prescreve mais horas de aula e maior quantidade de lições de casa como fórmula para turbinar o desempenho estudantil.
Os dias são mais curtos nas escolas da Finlândia: são menos horas de aula do que em todas as demais nações industrializadas, segundo estatísticas da OCDE, organização que reúne os países mais ricos do mundo.
"É importante que crianças tenham tempo de ser crianças", disse a professora Erja Schunk, na escola Viikki, situada em um campus da Universidade de Helsinque. "O mais importante é a qualidade do tempo em sala de aula, e não a quantidade".
Nos Estados Unidos, um professor gasta aproximadamente o dobro do tempo ensinando na sala de aula por semana, em comparação com um professor finlandês.
"Dar seis horas de aula por dia é uma tarefa árdua, que deixa os professores cansados demais para se dedicar a outras tarefas importantes no trabalho de um educador, como planejar, reciclar-se e dar assistência cuidadosa ao aluno", diz Sahlberg. Em uma típica escola finlandesa, os professores dão cerca de quatro aulas por dia.
"A preocupação central da escola finlandesa não é atingir recordes de desempenho escolar, e sim ajudar a desenvolver as aptidões de uma criança a fim de formar indivíduos capazes de viver vidas felizes, dentro e fora do trabalho", acrescenta Sahlberg.
A entrega da caixa de papelão com itens para recém nascidos é uma das bem-sucedidas políticas sociais do país
Professores finlandeses também não acreditam que aumentar a carga de trabalho de casa dos estudantes leva necessariamente a um melhor aprendizado - especialmente se as lições forem entediantes exercícios que não desafiam a capacidade criativa do aluno.
Pelas estatísticas da OCDE, os estudantes finlandeses gastam menos tempo fazendo trabalho de casa do que os colegas de todos os outros países: cerca de meia hora por dia.
"Os alunos aprendem o que necessitam saber na sala de aula, e muitos fazem o dever de casa aqui mesmo, na própria escola. Assim, eles têm tempo para conviver com os amigos e se dedicar às coisas que gostam de fazer fora da escola, o que também é importante", disse o professor Martti Mery na escola Viikki.
Na fase pré-escolar, a prioridade é desenvolver a autoconfiança das crianças: os dias na escola são preenchidos com tarefas como aprender a se orientar desacompanhadas em uma floresta, ou amarrar sozinhas seus patins de gelo.
Paradoxo 2: Os alunos aprendem mais quando têm menos provas e testes
Estudantes finlandeses não precisam se preocupar com provas: seu sistema educacional não acredita na eficácia de uma alta frequência de provas e testes, que por isso são aplicados com pouca regularidade. Apesar disso, a Finlândia brilha nos rankings globais de educação, ao lado dos países com melhor desempenho escolar do mundo.
Milagre? A filosofia finlandesa é de que o foco principal dos professores deve ser ajudar os alunos a aprender sem ansiedade, a criar e a desenvolver a curiosidade natural, e não simplesmente a passar em provas.
"A pressão do modelo tradicional de ensino traz consequências dramáticas para os alunos, como o medo, o tédio e o receio de correr riscos", afirma o educador Pasi Sahlberg.
Relatórios do PISA indicam que apenas 7% dos alunos finlandeses sentem-se ansiosos ao estudar matemática. Já no rígido sistema de ensino do Japão, que ostenta altos níveis de desempenho escolar enquanto registra recordes de suicídio entre estudantes, esse índice chega a 52%.
Nas salas de aula da escola Viikki, o ambiente é tranquilo e descontraído. Não há uniformes escolares, e os alunos estudam descalços – refletindo o clima das casas escandinavas, onde ninguém usa sapatos.
A escola primária é praticamente uma época livre de testes. A fim de evitar que as crianças sejam categorizadas de acordo com sua performance, o sistema finlandês virtualmente aboliu a avaliação por notas escolares nos cinco primeiros anos da peruskoulu.
Nos anos seguintes, a avaliação é feita com base em testes elaborados pelo professor e no desempenho do aluno em sala de aula, além de uma ampla avaliação de cada estudante realizada coletivamente pelos professores ao fim de cada semestre.
Os que precisam de maior assistência no ensino recebem atenção particular: a filosofia finlandesa preza a crença de que todas as crianças têm o potencial de aprender, se tiverem apoio e oportunidades adequadas.
O magistério na Finlândia tornou-se uma carreira de prestígio.
A cada primavera, milhares de jovens se candidatam a uma vaga para estudar nos departamentos de formação de professores das universidades da Finlândia.
Mas apenas os melhores e mais preparados estudantes podem se tornar professores: no exigente sistema finlandês, apenas cerca de 10% dos candidatos são em geral aprovados para cursar o obrigatório mestrado na universidade.
Obter um mestrado tornou-se a qualificação básica e obrigatória de um professor para poder ensinar nas escolas finlandesas - mesmo na educação pré-escolar.
A escola primária é praticamente uma época livre de provas
As inovações continuam: o currículo escolar adotado em 2016 criou, por exemplo, o ensino baseado em fenômenos ou projetos, que atualiza a tradicional divisão por matérias e dá mais espaço para que determinados temas - como, por exemplo, a Segunda Guerra Mundial - sejam trabalhados conjuntamente por professores de diferentes disciplinas.
Todos os aspectos por trás do sucesso finlandês parecem ser, assim, o oposto do que se faz na maior parte do mundo, onde a competição, a alta carga de provas e aulas, a uniformização do ensino e a privatização são via de regra os princípios dominantes.
"Exercer controles rígidos sobre as escolas e os alunos, pagar os professores com base no desempenho dos estudantes, entregar a liderança das escolas a especialistas em gerenciamento ou converter escolas públicas em privadas são ideias que não têm lugar no repertório finlandês de desenvolvimento da educação", diz o educador Pasi Sahlberg.
Sahlberg resume assim o pensamento finlandês sobre a educação pública de qualidade:
"É uma obrigação moral, pois o bem-estar e em última análise a felicidade de um indivíduo depende do conhecimento, das aptidões e das visões de mundo que são proporcionadas por uma educação de qualidade. É também um imperativo econômico, uma vez que a riqueza das nações depende cada vez mais de know-how e conhecimento".
"Medidas experimentais para combater a pobreza nos Açores" é a manchete do Açoriano Oriental
in Açoriano Oriental
As 17 medidas experimentais do plano do Governo para combater a pobreza nos Açores e que deverão ser aplicadas nos próximos dois anos estão em destaque no Açoriano Oriental de quinta-feira, 20 de setembro de 2018.
O destaque fotográfico do jornal vai para a assinatura de um protocolo entre a Altice e a Associação do Alojamento Local dos Açores para aplicação de soluções tecnológicas que ajudam ao crescimento deste negócio.
"Escola do Carvão vai acolher sede de associações" e "Clusters potenciam ananás e Furnas" são outros destaques do jornal.
As 17 medidas experimentais do plano do Governo para combater a pobreza nos Açores e que deverão ser aplicadas nos próximos dois anos estão em destaque no Açoriano Oriental de quinta-feira, 20 de setembro de 2018.
O destaque fotográfico do jornal vai para a assinatura de um protocolo entre a Altice e a Associação do Alojamento Local dos Açores para aplicação de soluções tecnológicas que ajudam ao crescimento deste negócio.
"Escola do Carvão vai acolher sede de associações" e "Clusters potenciam ananás e Furnas" são outros destaques do jornal.
Número dos que vivem em pobreza extrema diminuiu 68 milhões em dois anos
in RTP
O número das pessoas consideradas em pobreza extrema, vivendo com menos de 1,9 dólares (1,6 euros) por dia, diminuiu 68 milhões entre 2013 e 2015, representando atualmente 10% da população mundial, indicou hoje o Banco Mundial.
"Nos últimos 25 anos, mais de 1.000 milhões de pessoas deixaram a pobreza extrema e a taxa de pobreza global é agora a mais baixa desde que existem registos. Esta é uma das maiores realizações do nosso tempo", disse o presidente do Banco Mundial, Jim Yong Kim.
De acordo com um relatório do Banco Mundial divulgado hoje, em 2013, 804 milhões de pessoas viviam em pobreza extrema, número que diminuiu para os 736 milhões em 2015.
Por regiões, a África subsaariana continua a apresentar as maiores taxas de pobreza, com 423 milhões de pessoas nesta situação, o que representa 41% da população da região.
Segue-se o sudeste asiático, com 12% da população, cerca de 216 milhões.
Na América Latina e Caraíbas, 26 milhões de pessoas viviam em pobreza extrema em 2015, o que corresponde a 4,1% da população. Dois anos antes eram 28 milhões ou 4,6% da população regional.
O relatório alerta, no entanto, para a redução do ritmo de descida da taxa de pobreza global nos últimos anos.
Jim Yong Kim indicou que cerca de metade dos países do mundo têm taxas de pobreza abaixo dos 3%, mas, adiantou, "no conjunto, não é provável que se consiga atingir o objetivo (do Banco Mundial) de menos de 3% até 2030".
O número das pessoas consideradas em pobreza extrema, vivendo com menos de 1,9 dólares (1,6 euros) por dia, diminuiu 68 milhões entre 2013 e 2015, representando atualmente 10% da população mundial, indicou hoje o Banco Mundial.
"Nos últimos 25 anos, mais de 1.000 milhões de pessoas deixaram a pobreza extrema e a taxa de pobreza global é agora a mais baixa desde que existem registos. Esta é uma das maiores realizações do nosso tempo", disse o presidente do Banco Mundial, Jim Yong Kim.
De acordo com um relatório do Banco Mundial divulgado hoje, em 2013, 804 milhões de pessoas viviam em pobreza extrema, número que diminuiu para os 736 milhões em 2015.
Por regiões, a África subsaariana continua a apresentar as maiores taxas de pobreza, com 423 milhões de pessoas nesta situação, o que representa 41% da população da região.
Segue-se o sudeste asiático, com 12% da população, cerca de 216 milhões.
Na América Latina e Caraíbas, 26 milhões de pessoas viviam em pobreza extrema em 2015, o que corresponde a 4,1% da população. Dois anos antes eram 28 milhões ou 4,6% da população regional.
O relatório alerta, no entanto, para a redução do ritmo de descida da taxa de pobreza global nos últimos anos.
Jim Yong Kim indicou que cerca de metade dos países do mundo têm taxas de pobreza abaixo dos 3%, mas, adiantou, "no conjunto, não é provável que se consiga atingir o objetivo (do Banco Mundial) de menos de 3% até 2030".
“A morte tornou-se obscena e por isso não se fala nela”
Ana Cristina Pereira, in Público on-line
O professor e investigador Walter Osswald é hoje homenageado pelo Instituto de Bioética da Universidade Católica Portuguesa no qual dá aulas. Celebra 90 anos e mantém-se activo no meio académico acompanhando também estudantes de doutoramento
O médico, professor, investigador Walter Osswald é homenageado pelo Instituto de Bioética da Universidade Católica Portuguesa (UCP), no Porto, esta quinta-feira, dia em que celebra 90 anos. Já lhe fizeram outros tributos e ele sentiu-se sempre embaraçado. “A minha virtude principal é ter vivido muito”, diz.
Pensa muito na morte, apesar de tanto lhe celebrarem a vida. “Dada a minha provecta idade, o tema tem-me ocupado o pensamento muitas vezes”, começa por dizer. Escreveu até um pequeno ensaio intitulado Sobre a morte e o morrer, que a Fundação Francisco Manuel dos Santos editou em 2016.
Uma cidade de 8,5 milhões de pessoas totalmente deserta
Já perdeu a conta ao número de vezes que lhe pediram que se calasse ao ouvi-lo começar uma frase por “quando eu morrer”. Ainda há pouco um amigo mais novo reagiu: “É pá, está calado! Não me venhas com essas coisas!”
Esta não é uma conversa sobre depressões ou doenças incuráveis. É uma conversa sobre a inevitabilidade da morte. O médico cita um adágio popular: “A morte é certa, a hora é incerta”. E afirma: “A morte tornou-se obscena e, por isso, não se fala nela.”
Preocupa-o esta tendência para não se falar sobre a morte, para não se anunciar a morte, para se afastar a experiência da morte, para se marginalizar a morte. É que a participação de familiares, amigos ou vizinhos é fundamental para reduzir a solidão na hora da morte.
A morte no hospital
Quem é contra a eutanásia diz que Portugal "pode cuidar, não precisa de matar"
Em Portugal, mais de metade das pessoas morre num hospital. “E a morte num hospital pode ser desumana”, avisa. “Não tem de ser, mas pode ser se ocorrer durante a noite, sem ninguém presente, num abandono total do ponto de vista afectivo. A morte que muitos preferirão será a morte assistida.”
Que não haja equívocos. Walter Osswald tem assumido posições muito claras contra o suicídio assistido e contra a eutanásia. Quando usa a expressão “morte assistida” refere-se a “morte com assistência médica e assistência afectiva”.
Faz a defesa da morte em casa - desde que haja acompanhamento -, de uma cultura de humanização, de uma expansão dos cuidados paliativos. E do apoio aos cuidadores informais, amiúde em risco de exaustão. “Parece desejável que as pessoas não morram com angústia, com falta de ar, morram em paz, tranquilamente, na medida em que terminou aquele processo bioquímico e dinâmico a que chamamos a vida do corpo.”
No embalo da conversa, revela-se um crítico da “obstinação terapêutica” de alguns, que pode levar a prolongar a vida para lá do razoável. “Muitas vezes são as famílias. ‘Ó senhor doutor, faça tudo o que for preciso!’ Isto corresponde a um afecto grande, mas é um desejo irracional.”
Diz isto tudo no final da manhã de quarta-feira, na véspera da celebração da vida dele, do seu percurso profissional, da sua obra, agendada para as 19h, no campus da Foz da UCP, com uma missa e distribuição de um livro que reúne 90 textos seus. Assinou mais de 500 artigos científicos, é autor de três livros, co-editor de vários livros de Farmacologia e Bioética e editor do Prontuário Terapêutico.
Por regra, Walter Osswald chega ao campus da Foz às 11h. Até às 13h, está ali, disponível quer para os estudantes de doutoramento, quer para os colegas do instituto, que ajudou a criar e que começou por ser um simples Gabinete de Investigação em Bioética e que evoluiu para se adaptar aos desenvolvimentos da ciência e da tecnologia.
Lê e estuda em casa
À tarde, em casa, não calça as pantufas e se senta no sofá a ver os programas da tarde na televisão. Lê, estuda, toma notas, reflecte. “Mantenho-me a par das novidades dentro da bioética. Praticamente, já nem contacto com a minha especialidade médica que era a farmacologia.”
Walter Osswald – O Professor
Nasceu no Porto em 20 de Setembro de 1928. O pai saíra da Alemanha no rescaldo da segunda guerra mundial. A mãe era portuguesa, mas estudara Letras e tinha um grande interesse por literatura portuguesa e alemã. Licenciou-se na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto em 1951. Como terminou o curso com 19 valores, foi directo para doutoramento. E foi ali que fez carreira académica.
Reformou-se aos 65 anos. “Sou professor aposentado, não jubilado, porque jubilado é quem saiu aos 70 provavelmente para júbilo de quem os viu sair”, ri-se. “Aqui na Católica sou um colaborador livre, com muito gosto e muita honra.”
Encontrou na Universidade Católica a possibilidade de se manter activo, de ter acesso a uma biblioteca actualizada, de estar em contacto com pessoas novas, que lhe pedem ajuda, que ouvem os seus conselhos e que o desafiam. “Isto constitui para mim uma terapêutica – a exigência de estudar coisas novas, de pensar em coisas que não tinha pensado, de arguir teses de doutoramento.”
O Governo quer mudar a lei que obriga os funcionários públicos a aposentar-se quando completam 70 anos. E isso parece-lhe, por um lado, positivo, já que permite “preservar alguém que tem uma presença útil à sociedade, pelos seus conhecimentos, pela sua sabedoria, pela sua actividade”. E, por outro, negativo, já que abre a porta a uma eternização das pessoas nos lugares. “Estamos fartos de pessoas que se agarram aos lugares como lapas aos rochedos.”
No seu modo de ver, pondo tudo numa balança, o pêndulo pende para o lado negativo: “Ao permitir que essa ideia seja do próprio, abre-se a possibilidade de pessoas já gastas e incompetentes se manterem nos lugares simplesmente porque não querem sair, o que é absurdo. No limite, pessoas com demência podem dizer: ´Não, não, eu não saio.' Devia haver um controlo externo.”
Reformou-se no tempo certo
Acha que se reformou no tempo certo. “Tinha quatro professores catedráticos no meu grupo. Entendi que devia dar o lugar, permitir que houvesse outras orientações, ideias novas a circular”, recorda. A necessidade de renovação de chefias sempre se lhe afigurou evidente. Já foi director do Instituto de Farmacologia e Terapêutica da Faculdade de Medicina do Porto, director do Instituto de Bioética da Universidade Católica, membro do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida e de outras comissões. E não se lembra de ter ficado mais de oito anos em cada função.
Está embaraçado com a homenagem. Fica sempre embaraçado com as homenagens. E já lhe fizeram várias. “Tenho tentado ter uma vida decente e boa, ou seja, uma vida vivida com satisfação, com auto-estima, que não é orgulho nem vaidade. Auto-estima é a gente olhar-se ao espelho de manhã e pensar: está aqui um tipo decente. Esforço-me. Nunca me considerei isento de problemas”, remata.
O professor e investigador Walter Osswald é hoje homenageado pelo Instituto de Bioética da Universidade Católica Portuguesa no qual dá aulas. Celebra 90 anos e mantém-se activo no meio académico acompanhando também estudantes de doutoramento
O médico, professor, investigador Walter Osswald é homenageado pelo Instituto de Bioética da Universidade Católica Portuguesa (UCP), no Porto, esta quinta-feira, dia em que celebra 90 anos. Já lhe fizeram outros tributos e ele sentiu-se sempre embaraçado. “A minha virtude principal é ter vivido muito”, diz.
Pensa muito na morte, apesar de tanto lhe celebrarem a vida. “Dada a minha provecta idade, o tema tem-me ocupado o pensamento muitas vezes”, começa por dizer. Escreveu até um pequeno ensaio intitulado Sobre a morte e o morrer, que a Fundação Francisco Manuel dos Santos editou em 2016.
Uma cidade de 8,5 milhões de pessoas totalmente deserta
Já perdeu a conta ao número de vezes que lhe pediram que se calasse ao ouvi-lo começar uma frase por “quando eu morrer”. Ainda há pouco um amigo mais novo reagiu: “É pá, está calado! Não me venhas com essas coisas!”
Esta não é uma conversa sobre depressões ou doenças incuráveis. É uma conversa sobre a inevitabilidade da morte. O médico cita um adágio popular: “A morte é certa, a hora é incerta”. E afirma: “A morte tornou-se obscena e, por isso, não se fala nela.”
Preocupa-o esta tendência para não se falar sobre a morte, para não se anunciar a morte, para se afastar a experiência da morte, para se marginalizar a morte. É que a participação de familiares, amigos ou vizinhos é fundamental para reduzir a solidão na hora da morte.
A morte no hospital
Quem é contra a eutanásia diz que Portugal "pode cuidar, não precisa de matar"
Em Portugal, mais de metade das pessoas morre num hospital. “E a morte num hospital pode ser desumana”, avisa. “Não tem de ser, mas pode ser se ocorrer durante a noite, sem ninguém presente, num abandono total do ponto de vista afectivo. A morte que muitos preferirão será a morte assistida.”
Que não haja equívocos. Walter Osswald tem assumido posições muito claras contra o suicídio assistido e contra a eutanásia. Quando usa a expressão “morte assistida” refere-se a “morte com assistência médica e assistência afectiva”.
Faz a defesa da morte em casa - desde que haja acompanhamento -, de uma cultura de humanização, de uma expansão dos cuidados paliativos. E do apoio aos cuidadores informais, amiúde em risco de exaustão. “Parece desejável que as pessoas não morram com angústia, com falta de ar, morram em paz, tranquilamente, na medida em que terminou aquele processo bioquímico e dinâmico a que chamamos a vida do corpo.”
No embalo da conversa, revela-se um crítico da “obstinação terapêutica” de alguns, que pode levar a prolongar a vida para lá do razoável. “Muitas vezes são as famílias. ‘Ó senhor doutor, faça tudo o que for preciso!’ Isto corresponde a um afecto grande, mas é um desejo irracional.”
Diz isto tudo no final da manhã de quarta-feira, na véspera da celebração da vida dele, do seu percurso profissional, da sua obra, agendada para as 19h, no campus da Foz da UCP, com uma missa e distribuição de um livro que reúne 90 textos seus. Assinou mais de 500 artigos científicos, é autor de três livros, co-editor de vários livros de Farmacologia e Bioética e editor do Prontuário Terapêutico.
Por regra, Walter Osswald chega ao campus da Foz às 11h. Até às 13h, está ali, disponível quer para os estudantes de doutoramento, quer para os colegas do instituto, que ajudou a criar e que começou por ser um simples Gabinete de Investigação em Bioética e que evoluiu para se adaptar aos desenvolvimentos da ciência e da tecnologia.
Lê e estuda em casa
À tarde, em casa, não calça as pantufas e se senta no sofá a ver os programas da tarde na televisão. Lê, estuda, toma notas, reflecte. “Mantenho-me a par das novidades dentro da bioética. Praticamente, já nem contacto com a minha especialidade médica que era a farmacologia.”
Walter Osswald – O Professor
Nasceu no Porto em 20 de Setembro de 1928. O pai saíra da Alemanha no rescaldo da segunda guerra mundial. A mãe era portuguesa, mas estudara Letras e tinha um grande interesse por literatura portuguesa e alemã. Licenciou-se na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto em 1951. Como terminou o curso com 19 valores, foi directo para doutoramento. E foi ali que fez carreira académica.
Reformou-se aos 65 anos. “Sou professor aposentado, não jubilado, porque jubilado é quem saiu aos 70 provavelmente para júbilo de quem os viu sair”, ri-se. “Aqui na Católica sou um colaborador livre, com muito gosto e muita honra.”
Encontrou na Universidade Católica a possibilidade de se manter activo, de ter acesso a uma biblioteca actualizada, de estar em contacto com pessoas novas, que lhe pedem ajuda, que ouvem os seus conselhos e que o desafiam. “Isto constitui para mim uma terapêutica – a exigência de estudar coisas novas, de pensar em coisas que não tinha pensado, de arguir teses de doutoramento.”
O Governo quer mudar a lei que obriga os funcionários públicos a aposentar-se quando completam 70 anos. E isso parece-lhe, por um lado, positivo, já que permite “preservar alguém que tem uma presença útil à sociedade, pelos seus conhecimentos, pela sua sabedoria, pela sua actividade”. E, por outro, negativo, já que abre a porta a uma eternização das pessoas nos lugares. “Estamos fartos de pessoas que se agarram aos lugares como lapas aos rochedos.”
No seu modo de ver, pondo tudo numa balança, o pêndulo pende para o lado negativo: “Ao permitir que essa ideia seja do próprio, abre-se a possibilidade de pessoas já gastas e incompetentes se manterem nos lugares simplesmente porque não querem sair, o que é absurdo. No limite, pessoas com demência podem dizer: ´Não, não, eu não saio.' Devia haver um controlo externo.”
Reformou-se no tempo certo
Acha que se reformou no tempo certo. “Tinha quatro professores catedráticos no meu grupo. Entendi que devia dar o lugar, permitir que houvesse outras orientações, ideias novas a circular”, recorda. A necessidade de renovação de chefias sempre se lhe afigurou evidente. Já foi director do Instituto de Farmacologia e Terapêutica da Faculdade de Medicina do Porto, director do Instituto de Bioética da Universidade Católica, membro do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida e de outras comissões. E não se lembra de ter ficado mais de oito anos em cada função.
Está embaraçado com a homenagem. Fica sempre embaraçado com as homenagens. E já lhe fizeram várias. “Tenho tentado ter uma vida decente e boa, ou seja, uma vida vivida com satisfação, com auto-estima, que não é orgulho nem vaidade. Auto-estima é a gente olhar-se ao espelho de manhã e pensar: está aqui um tipo decente. Esforço-me. Nunca me considerei isento de problemas”, remata.
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