Raquel Martins, in Público on-line
Uma fatia de 58,5% dos trabalhadores não pode sair para ir ao médico com os filhos ou a reuniões da escola, e prefere tirar férias. Ainda assim, inquérito do INE revela que maioria dos inquiridos considera não haver obstáculos à conciliação entre trabalho e família.
A maior parte dos trabalhadores raramente pode ou não pode de todo ausentar-se do emprego por um dia para cuidar dos filhos e 42,2% não pode modificar a sua hora de entrada ou de saída para ir ao médico com as crianças, a reuniões da escola ou para amamentação. A conclusão é de um inquérito do Instituto Nacional de Estatística (INE) sobre conciliação da vida profissional com a vida familiar, divulgado nesta quarta-feira, que ainda assim dá conta de uma evolução positiva face a 2010.
O inquérito teve por referência a população dos 18 aos 64 anos (6,3 milhões de pessoas), em particular os trabalhadores por conta de outrem com filhos a cargo ou outros familiares dependentes (1,6 milhões), a quem foram colocadas questões sobre o tema da conciliação e sobre a flexibilidade que têm ou não para cuidar dos filhos. Mas se as respostas às perguntas abertas foram surpreendentes - 84,3% dos inquiridos consideram que as responsabilidades parentais não têm efeito na sua actividade profissional -, já perante situações concretas as dificuldades foram-se revelando.
Desde logo, apenas 38,7% dos entrevistados responderam que podiam ausentar-se do trabalho durante um dia completo para dar assistência aos filhos, sem terem de tirar férias. A maioria, 58,5%, respondeu que raramente pode (20,4%) ou não pode de todo (38,1%).
Ainda assim, há uma melhoria face ao inquérito de 2010, quando 62,6% dos inquiridos não podiam tirar um dia para assistir aos filhos. Vasco Ramos, sociólogo do Instituto de Ciências Sociais que se tem dedicado à temática da família, assinala as melhorias registadas face a 2010 e avança com uma possível explicação. “Deve-se provavelmente ao facto de os mecanismos de contratação colectiva estarem a integrar estas matérias”, afirma.
Já a flexibilidade para entrar pelo menos uma hora mais tarde ou saírem uma hora mais cedo parece mais generalizada, com 55,9% a indicar que geralmente podem ajustar o seu horário diário para cumprirem as suas responsabilidades em matéria de cuidados. Contudo, 42,2% respondeu que isso é impossível ou raramente possível. Mais uma vez, os dados de 2018 representam uma melhoria face a 2010, quando apenas 31,7% respondeu que entrar mais tarde ou sair mais cedo era possível.
Apesar da evolução positiva, Vasco Ramos ficou surpreendido com a elevada percentagem de trabalhadores que não podem ajustar o seu horário em função das necessidades dos filhos. “Há áreas da indústria ou do comércio onde pode ser mais difícil porque os horários são mais rígidos ou porque existe mais resistência por parte dos gerentes, mas surpreende-me que este valor continue a ser tão alto”, sublinha ao PÚBLICO.
Margarida Mesquita, socióloga e autora do livro “Parentalidade – Um contexto de Mudanças”, alerta que estas dificuldades ao nível dos horários vão ao encontro das principais preocupações identificadas pelos pais no estudo que fez em 2014, e que se prendiam com a resposta a situações imponderáveis relacionadas com as crianças.
O inquérito do INE conclui ainda que só 24,5% dos inquiridos interrompeu a carreira para cuidar dos filhos, a maioria mulheres, e que apenas 10,3% tiraram a licença parental alargada.
Aproveitando o inquérito ao emprego do segundo trimestre de 2018, o INE questionou o painel de entrevistados sobre as suas percepções e experiências em relação ao tema da conciliação, algo que já tinha sido feito em 2005 e em 2010. A diferença é que em 2018 foram introduzidas questões abertas sobre o tema, o que leva a que algumas das respostas a estas perguntas surpreendam.
A esmagadora maioria da população empregada que cuida regularmente de menores (84,3%) considera que as responsabilidades parentais não têm efeitos na sua actividade profissional e quando questionada sobre os obstáculos à conciliação da vida profissional com a vida familiar, 76,6% responde que eles não existem.
Pode-se concluir que perante estas respostas, os trabalhadores não têm dificuldade em conciliar trabalho e família? Para Vasco Ramos, estas perguntas podem levar as pessoas a dar respostas “politicamente correctas” e, por outro lado, as questões sobre situações do dia-a-dia mostram que há dificuldades.
Para Margarida Mesquita, o dado que mais surpreendente é os inquiridos acharem que não há obstáculos à conciliação. “A resposta pode traduzir a vontade de conciliar as duas coisas. Poderia ser diferente se perguntassem se é difícil conciliar trabalho e família”, nota.