Maria Ibéria*, in DN
oje é o nosso dia 16º dia de auto isolamento voluntário e eu nem sequer tenho ido à rua para levar o lixo ou ir buscar o correio. É o meu marido que se encarrega dessas duas tarefas. Hoje, quando voltava a entrar em casa, trazia na mão a fatura da luz (como é possível termos gasto tanto se nem sequer aquecedores ligamos?) e uma outra carta, do emprego. Era a carta do anunciado despedimento.
Há quatro dias ligaram para ele a dizer que devido à recente situação do coronavírus, bla, bla, bla... o posto dele iria ser suprimido. Na carta sabemos agora a data certa: próximo dia 20 de abril. Até lá, o meu marido está a trabalhar em teletrabalho, como todos os seus colegas, como os chefes que tomaram a decisão de despedi-lo e que quase todos os dias aparecem nas reuniões do zoom para dizer que a empresa está unida e vai sobreviver.
E sabem o mais irónico? Decidiram contratar um personal trainer para oferecer esse serviço de forma gratuita a todos os colaboradores. Ah sério? Agora que todos os ginásios estão a fazer isso pelas redes sociais... despedem o meu marido e contratam um personal trainer? Para essa pergunta, eu não tenho resposta. A única resposta que tenho é a da carta de despedimento.
A partir de 20 de abril, o meu marido não tem trabalho, se bem que, quando esta crise passar, alguém vai ter de fazer o trabalho dele... Será que vão voltar a chamá-lo? Pois, é provável, só que isto não se faz. Não se aproveita a mínima oportunidade para despedir o elo mais fraco. Sim, o meu marido, nessa grande empresa, é o elo mais fraco porque nem sequer contrato de trabalho tinha. Era um famoso recibo verde, desses a que chamam falsos, aqueles que dizem: assim que seja possível vamos fazer-te um contrato. Não creio que vá ser agora...
Enquanto o meu marido era despedido, o primeiro ministro de Portugal anunciava as medidas com as quais quer evitar os despedimentos. Irónico, não é? Há linhas de crédito às quais as empresas podem recorrer para evitar isso. A sério, senhor primeiro ministro António Costa? Permita-me duvidar de que acreditava no que estava a dizer. Portugal é um país de serviços, de empresários individuais, que é quase o mesmo que dizer: "Montei um café ou um cabeleireiro para ganhar um ordenado que de outra forma ninguém me daria".
"Nós somos as pessoas que consomem. Nós somos os clientes de muitos outros empresários que neste momento também estão parados."
Muitas das pessoas que trabalham para esses empresários são comissionistas - nem sequer têm postos de trabalho. A sério que acredita que alguma dessas pessoas vai contratar uma linha de crédito para salvar o que quer que seja?
E por falar em comissionistas e empresários a título individual... não é que a mulher do meu marido, ou seja, eu, está nessa situação? Eu também tenho o meu próprio negócio que com o auto isolamento voluntário ficou completamente parado. O que significa que a dia 20 de abril, não só não vai entrar o rendimento habitual do meu marido, mas também o meu.
Mas nós somos pessoas formadas, ambos com carreiras universitárias, com uma boa casa, com carros, com férias no estrangeiro todos os anos. Nós somos essas pessoas que consomem, que compram coisas, que vão jantar fora de vez em quando... Nós somos os clientes de muitos outros empresários que neste momento também estão parados.
E a minha pergunta é muito direta para o senhor primeiro ministro de Portugal: o que podemos fazer depois de dia 20 de abril para voltar ao normal? Será que adiar o pagamento do IMI, que também é em abril ajuda? Será que prorrogar o empréstimo da casa durante uns meses, ajuda? Será que suspender o pagamento à Segurança Social por um período, ajuda? Será que reduzir os impostos que pagamos na fatura da água ou da luz, ajuda?
Eu não sou primeira ministra, mas sou mãe de família e tenho dois filhos. E sabe uma coisa, senhor primeiro ministro, eles não sabem nada da carta que hoje o meu marido recebeu. Nem sabem nada das vendas da mãe estarem a zeros. Nem sabem, nem vão saber. Porque a nossa missão como pais é proteger os nossos filhos. É mantê-los longe do medo. E é assim que estamos a viver este auto isolamento, com alegria e amor, com brincadeiras e com normalidade. Mas eu espero o mesmo do Estado social onde vivemos.
"Nós, portugueses, estamos a lavar as mãos para evitar mais contágios. Estamos a ficar em casa para evitar os contágios. E estamos a manter a calma para ultrapassarmos este grande desafio."
Se neste momento há um pai para todos os portugueses, esse pai só pode ser o Estado, no nome do atual governo. Não quero saber de dívidas, nem de contas públicas. Quero saber que quando uma família - e não falo da minha, falo de todas as que estejam em situação semelhante neste momento - precisam de um pai, de um governo à serio, esse governo não se lave as mãos com linhas de crédito.
Porque nós, portugueses, estamos a lavar as mãos para evitar mais contágios. Estamos a ficar em casa para evitar os contágios. E estamos a manter a calma para ultrapassarmos este grande desafio. Mas depois de dia 20 de abril, quando o dinheiro deixar de entrar... diga-me, senhor primeiro ministro, onde está a linha de crédito a qual eu posso recorrer para salvar a minha família?