Christiana Martins, in Expresso
Como se não bastasse o confinamento forçado, em plena pandemia há famílias que têm de lidar com o internamento de familiares ou até de crianças, mesmo que não seja devido à Covid-19. As visitas aos menores estão asseguradas, mas o impacto familiar é grande. Mesmo cercados por dúvidas, os pais podem encontrar formas de minimizar uma situação já de si complexa
Omundo parece ter parado com o crescimento da pandemia da covid-19 - mas só parece, porque não parou. Para muitas famílias, há mais problemas a surgir, para lá das questões do confinamento, do abastecimento ou do trabalho e escola à distância. Há famílias com familiares ou crianças doentes e algumas internadas, mesmo que não seja devido à infeção do momento. Rita Machado, psicóloga clínica num hospital de referência de Lisboa, especializada em terapia familiar, ensina como minimizar estas situações que podem ser assustadoras. Para pais e para filhos.
Como é possível gerir o estado emocional de famílias em confinamento forçado
A situação de confinamento prolongado representa um período de grandes alterações nas dinâmicas familiares, e por isso, são expectáveis sentimentos de tristeza, ansiedade, confusão, aflição ou zanga. Não são sentimentos negativos, nem sinais de desequilíbrio mas sim mecanismos adaptativos a situações estranhas à rotina. Com as crianças e jovens constitui uma oportunidade de reinventar as formas de aprender e de estar em processo escolar. A procura de falar com pessoas em quem se confia pode ajudar. Manter contato com os amigos e familiares, através das redes sociais, por email e telefone é importante e constitui um recurso que deve ser incentivado e realizado em conjunto. Limitar as preocupações e inquietações, diminuindo o tempo durante o qual se assistem ou ouvem notícias consideradas perturbadoras, assegurando um espaço de confiança nos órgãos nacionais responsáveis pela saúde, parece constituir uma medida de proteção.
Mas a tensão é inevitável…
A tensão emocional constitui-se como um dos fatores que mais dificulta a adaptação das famílias às novas condições. Todos os aspetos da vida diária são vividos de forma particularmente intensa, simulando muitas vezes quadros de psicopatologia. As zangas parecem mais intensas, a tristeza mais profunda, os conflitos podem instalar-se com maior facilidade, e alguns poderão sentir-se mais rejeitados ou abandonados. Mas o tempo de crise é um tempo de risco mas também de oportunidade. A solidariedade é fundamental e protetora. Em relação às rotinas, devem-se ser mantidas as dietas adequadas, os períodos de sono e descanso, exercício físico e contactos sociais, dentro de casa, com as pessoas mais próximas. Recorrer a capacidades e competências que já nos ajudaram no passado a lidar com situações adversas, usando-as para lidar com as emoções nos momentos mais desafiantes deste surto, tornam-se medidas fundamentais, tão importantes como o uso de desinfetantes e máscaras.
O mundo continua para além do Covid-19, e há mais doenças a exigir hospitalização. Quem está internado não pode sequer receber visitas. Como se gere ansiedade de quem fica ‘do lado de fora’.
Há uma preocupação com o outro, e frequentemente de desamparo, se as figuras internadas são próximas e de participação ativa na vida diária. Mas são, por isso, oportunidades para pôr em marcha alguma criatividade e formas de nos relacionarmos diferentes. Partilhar histórias, narrativas, fazer projetos em conjunto para o futuro, torna-se uma forma de encontrar alento, de alimentar a esperança e de sair dos pensamentos mais pessimistas sobre o futuro.
A gestão das emoções é o desafio mais difícil que se coloca ao ser humano. Nas situações-limite em que a angústia, medo ou perturbação ultrapassam o funcionamento normativo, devemos procurar um profissional de saúde. Procurar consultar fontes de informação fiável que possamos confiar e optar por informação divulgada por instituições oficiais, tais como: Serviço Nacional de saúde (SNS), Direção-Geral da Saúde (DGS), Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM). Ou em caso de dúvida, optar pela linha telefónica do SNS 24 (808 24 24 24). Grande parte das famílias serão capazes de mobilizar a suas forças e dar suporte aos mais vulneráveis, quer idosos quer crianças, no entanto, podem sentir-se confusas e frágeis, buscando soluções. Mais uma vez a confiança e o abrir espaços para conforto e diálogo são procedimentos que podem ajudar.
E quando quem está internado é um menor? Tudo fica mais ampliado
As equipas pediátricas estão habituadas a lidar com situações de internamento de menores, nas mais diversas e complexas circunstâncias. O momento de um acolhimento caloroso, autêntico e verdadeiro, das crianças e famílias nestas situações, é, desde há muito uma medida acautelada e de primeira linha, nos nossos serviços de saúde. Todos sabemos que a aliança entre pais e profissionais é crucial para a diminuição da tensão na família e a boa condução nos processos de saúde.
Grande parte das crianças, quando sentem confiança nas suas figuras de referência, aderem mais facilmente às tarefas que lhes são pedidas e evoluem mais rápido nos seus processos de tratamento. Existem muitas medidas de continuidade do contato entre pais e filhos já previstas nos internamentos pediátricos. Sabemos que as crianças podem responder ao stress de maneiras bem diferentes. Algumas tornam-se mais apelativas, mais chorosas, podem pedir mais colo, mostrarem-se mais dependentes, ansiosas, agitadas ou zangadas; isolarem-se, fazerem xixi na cama. Responder às reações da criança sendo compreensivo e mostrando apoio, com uma atitude de grande escuta e promovendo espaços para que possam ser ouvidas as suas preocupações leva à possibilidade de famílias e profissionais darem e uma dose extra de atenção e carinho.
Como se explica a esses menores, que estão internados em plena pandemia, que é preciso estar no hospital, mesmo que este seja simultaneamente ser um local de risco para eles?
Numa linguagem adaptada à idade e nível de desenvolvimento, em atitude compreensiva e confiante, e numa perspetiva de esperança e crenças nos nossos profissionais de saúde. No hospital onde trabalho ainda não há nenhuma crianças com covid-19. Mas quando temos crianças com outras doenças contagiosas, dizemos que também internamos a família e não só o menor. Um dos pais ou o tutor legal entra e fica durante 24 horas nas instalações hospitalares. Acontece também com as crianças transplantadas, em que os pais são desinfectados, vestem aqueles fatos que vemos nas televisões e eles podem entrar para acompanhar os menores. As visitas estão limitadas, mas as crianças têm sempre alguém próximo com elas.
Esta situação já nos aconteceu quando há cerca de dez anos vivemos a epidemia de SARS. São períodos de maior intranquilidade quer para as crianças quer para os pais. Para responder às muitas perguntas que surgem, a minha principal sugestão é que os pais recorram aos manuais escolares para perceber a linguagem adequada. Ou seja, com os mais novos, o melhor é ligar a imagem à palavra; no terceiro ano já é possível invocar situações concretas; a partir do quarto ano pode entrar a opinião. Com os adolescentes, o diálogo é como com um adulto, tendo em conta que o desenvolvimento cerebral não lhes permite ter a noção de risco. São esses os que mais sucumbem à ansiedade social. Mas, mais importante do que o conteúdo, há que ter atenção à forma como se transmite a mensagem.
Há alguma fórmula mágica para explicar às crianças o que é a Covid-19?
Existe uma série de pequenos vídeos no YouTube ou documentos [ver exemplo em baixo] que permitem a todos, explicações simples sobre a covid-19, com palavras adaptadas à idade, garantindo que todos compreendem a informação. Mas mais importante que o conteúdo é a forma como transmitimos informação. O tom tranquilizador e contentor é fundamental, tornando-se, por isso necessário, que os adultos tenham consciência dos seus estados emocionais. As crianças tal como os idosos ou pessoas com necessidades especiais, precisam do amor e da atenção dos adultos durante os períodos difíceis. Outra medida importante será criar mais oportunidades para a criança brincar e relaxar, e tanto quanto possível, manter as suas rotinas, ou ainda ajudar a criar novas rotinas no novo ambiente, incluindo momentos de aprendizagem/escola e tempo para brincar.