Catarina Pires, DN
Um link no feed do Facebook, 53 minutos de cientistas a partilharem conhecimento e a esclarecerem de forma clara e acessível dúvidas que todos temos, dá-nos mais esperança de que vamos vencer a pandemia e se possível, mas sobre isso eles não falaram, o pandemónio que se seguirá. The Evidence, um programa de divulgação de ciência da BBC, dedicou a sua mais recente edição à covid-19. É em inglês, claro, e não tem legendas, mas quem puder oiça.
Apresentadora chama-se Claudia Hammond e neste episódio especial do The Evidence, da BBC, dedicado à covid-19 reúne um painel de especialistas que serenamente, ao longo de 53 minutos, olham para a crise sanitária mundial provocada pelo novo coronavírus.
O que se já se sabe sobre este vírus, quais as estratégias que tiveram mais sucesso internacionalmente para o combater, que armas temos à nossa disposição, quanto tempo falta para uma vacina e fármacos eficazes são algumas das questões abordadas por David Heymann, epidemiologista especialista em doenças infeciosas que liderou a resposta global da OMS contra surto de SARS (outro coronavírus), Sarah Gilbert, investigadora em vacinologia na universidade de Oxford, que integra uma das equipas que está prestes a testar uma nova vacina contra a covid-19, Josie Golding especialista em epidemias, que trabalhou no combate ao ébola e ao zika, na Wellcome Trust, Jason Wang, diretor na universidade de Stanford e Susan Michie, professora de psicologia da saúde na Universidade College London.
Sendo impossível transcrever a conversa, deixamos aqui alguns destaques.
Sobre a razão de o mundo ter parado por causa do novo coronavírus quando a "tradicional" gripe afeta milhões de pessoas todos os anos e também pode levar à morte nos mais velhos e com o sistema imunitário debilitado, David Heymann explica que, ao contrário do influenza, que é já endémico, mas para o qual existe vacina e imunidade de grupo, é possível travar os surtos do novo coronavírus antes que se torne também ele endémico. Acresce que é uma nova infeção, da qual se desconhece o potencial, para o qual não há vacina ou medicamentos eficazes e por isso é importante travá-lo. Na opinião do especialista, os países que tiveram surtos de SARS (outro coronavírus que assustou o mundo há quase duas décadas, mas entretanto não atingiu as proporções que se imaginava poder atingir) em 2003 estavam mais preparados para enfrentar esta pandemia, que a comunidade científica já esperava, não sabia era quando iria acontecer. "China, Singapura, Taiwan, Hong Kong e Coreia do Sul agiram depressa e conseguiram controlar o surto, combater a doença em si e reduzir a mortalidade. Uma das coisas que aprendemos com a SARS foi que se se trabalhar em conjunto em todo o mundo, conseguimos parar a doença rapidamente."
Sobre quando teremos uma vacina, Sarah Gilbert explica que em todo o mundo estão a ser desenvolvidas vacinas, com diferentes abordagens e embora não seja possível dizer quando, algumas delas, incluindo aquela em que está a trabalhar, já estão a entrar na fase de ensaios clínicos. "Há muito que estamos a preparar-nos para este momento. Já tínhamos visto a SARS, a MERS e o ébola e sabíamos que teríamos que agir depressa. É a chamada doença X, que sabíamos que ia aparecer, só não sabíamos quando nem qual era. Estamos a trabalhar contra o tempo, a trabalhar em várias fases ao mesmo tempo, mas não há uma corrida [no sentido competitivo do termo]. Quantas mais vacinas eficazes criarmos melhor, porque será mais fácil a vacinação em massa. Vai levar algum tempo, mas estamos a trabalhar nisso."
Sobre o reduzido número de casos de covid-19 em África, Josie Golding, a especialista em epidemias da Wellcome Trust, cujo trabalho está muito ligado ao continente africano, teme que os números não reflitam a realidade. A falta de capacidade de diagnóstico e a deficiente vigilância da gripe e outras doenças respiratórias pode ser a explicação e significar que, depois da Europa, será lá o próximo epicentro da pandemia. "Tendo em conta o que está a acontecer na Europa, é preciso assumir o pior e tomar medidas para preparar os países africanos para enfrentarem este problema e ajudar os que mais precisam. Não podemos ficar à espera. Temos que agir já".
Sobre as estratégias para travar a covid-19, Jason Wang dá o exemplo de Taiwan, que tem 169 casos e dois mortos. Começaram a monitorizar todos os que chegavam de Whuan ou outras províncias da China desde 1 de janeiro, fizeram cruzamento de dados de saúde a viagens para despistar possíveis casos, fizeram um levantamento das necessidades de equipamento médico e de proteção e tomaram medidas para a produção massiva de máscaras - o setor militar está a produzir 10 milhões de máscaras por dia - e puseram todos os casos suspeitos de quarentena, com acompanhamento médico, alimentação e uma remuneração diária. Quem desrespeitar, paga uma pesada multa e pode ser detido pela polícia.
David Heymann acrescenta o caso de Singapura, que não entrou em lockdown porque os cidadãos sabem exatamente o que fazer para proteger os outros e a si próprios, uma vez que passaram pela experiência da SARS. Mas para o especialista o mais importante - e segundo ele essa é a recomendação da OMS - a melhor solução é testar o máximo de pessoas possível em cada país para perceber onde está a infeção, isolar e travar assim a cadeia de transmissão. Os cientistas acreditam que brevemente os testes estarão mais acessíveis a todos e esse será um avanço determinante no combate a este vírus que parece ser muito adaptativo e daí transmitir-se tão facilmente entre seres humanos.
Do que se sabe, quem está infetado, segundo Heymann, torna-se contagioso um dia antes do aparecimento de sinais e sintomas, mas ainda não é claro se mesmo as pessoas assintomáticas podem transmitir a doença. Acresce que quem tem formas leves da mesma, uma vez que não estão a ser feitos testes de forma massiva, pode nunca vir a saber que a tem ou teve e contagiar outros.
Daí a importância de seguir as recomendações a que Susan Michie chama de "vacina comportamental": não tocar na cara, lavar as mãos frequentemente com sabão durante vinte segundos, manter o distanciamento físico e tossir ou espirrar para o antebraço. Fácil de dizer, difícil de fazer, uma vez que, como a própria professora de psicologia reconhece, são comportamentos automáticos, que fazemos sem sequer pensar e que são difíceis de abandonar. "O que torna evidente a necessidade e vantagem do isolamento a que estamos sujeitos neste momento de crise. Se todos os países fizerem isso em conjunto, será mais fácil travar este vírus", diz o epidemiologista David Heymann.