Ana Cristina Pereira, in Público on-line
Relatório do Instituto Europeu da Igualdade de Género indica que é maior a percentagem de mulheres que procura consumir menos, reduzir o desperdício e comprar produtos locais e que a pobreza energética as afecta de forma desproporcional
As mulheres são mais propensas a adoptar comportamentos amigos do ambiente, mas os homens dominam a tomada de decisão, realça o Instituto Europeu de Igualdade de Género na mais recente avaliação da Plataforma de Acção de Pequim, a histórica declaração resultante da IV Conferência Mundial sobre as Mulheres, organizada pelas Nações Unidas há 25 anos.
Naqueles dias de Setembro de 1995, as alterações climáticas não estavam na ordem do dia. Governos de 189 países comprometeram-se a eliminar os obstáculos à igualdade entre mulheres e homens na esfera pública e privada. Escolhidas 12 “áreas de especial preocupação”, o ambiente figurou em 11º.
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Todos os Estados-membros se comprometeram a integrar a perspectiva de género nas suas várias políticas, incluindo Portugal. E nenhum pode gabar-se de ter cumprido os objectivos traçados, lê-se no relatório daquele instituto (EIGE, na sigla inglesa) divulgado esta quinta-feira, antecipando o Dia Internacional da Mulher que se assinala segunda-feira. Uma base para o que tem sido a discussão sobre o que há-de ser a Estratégia Europeia para a Igualdade de Género.
A União Europeia enfrenta uma série de desafios. Um dos maiores é travar as alterações climáticas. E as mulheres, sobretudo as que vivem sós ou com filhos pequenos, sofrem mais com isso, já que a pobreza energética as afecta de forma desproporcional. Na União Europeia, há 7,7 milhões de mulheres e meio milhão de homens fora do mercado de trabalho porque precisam de tomar conta de alguém. Pela mesma razão, há 9 milhões de mulheres e 0,6 milhões de homens a trabalhar a tempo parcial. As mulheres que integram o mercado de trabalho a tempo inteiro também não encontram igualdade. A disparidade nos salários ronda os 16% e nas pensões os 35%. Têm, pois, mais dificuldade em manter as suas casas a uma temperatura adequada.
Ao mesmo tempo, o comportamento das mulheres revela maior preocupação com o ambiente. É maior a percentagem de mulheres que procura consumir menos (59% para 52%), reduzir o desperdício e reciclar (73% para 68%) e comprar produtos locais (45% para 37%). Admitindo que há no consumo uma simbologia associada aos papéis de género, os peritos alertam para o facto desta diferença poder acrescentar trabalho não pago às mulheres, que já gastam em média mais 13 horas por semana com a casa e com o cuidado.
Apesar desta diferença de género ser cada vez mais evidente, ainda não é tida em conta na hora de decidir políticas ambientais. Amiúde, as políticas da União Europeia “mantêm-se cegas” a esse respeito. “As suas soluções focam-se em mercado, tecnologia e segurança, excluindo uma abordagem focada nas pessoas, que poderia permitir políticas sensíveis ao género”, refere o relatório. De igual modo, “o género raramente é mencionado” nos planos nacionais submetidos pelos Estados-membros às instâncias comunitárias.
Na prática, alerta o relatório do EIGE, é como se não importasse a divisão do trabalho pago e não pago, a organização social na reprodução e na doença, o acesso a bens e serviços. Talvez porque as mulheres continuam sub-representadas – quer na política ambiental, quer nos sectores de energia, transportes, água e recolha de lixo, agricultura, florestas, pescas.
A situação, claro, difere de país para país. Em 2018, por exemplo, as mulheres ocupavam um quinto (21%) de todos os ministérios que lidavam com alterações climáticas, transportes, energia. Há maior equilíbrio entre os funcionários públicos do sector (de 34,1% para 41,6%). “Estudos recentes mostram que administrações mais paritárias tendem a ter mais consciência sobre protecção do ambiente”, indica. O novo colégio de comissários, quase paritário e chefiado por uma mulher, quer fazer da neutralidade climática uma lei.
Os transportes são outro sector exemplar: “as mulheres são proprietárias de menos carros, por isso têm menos probabilidade de os usar (49% versus 59%); fazem viagens mais curtas, trajectórias mais complexas, usam mais transportes públicos (22% versus 15%), pedalam e andam mais (17% versus 11%)”. Padrões ignorados, amiúde. E essa “resistência a implementar políticas de transporte sensíveis ao género pode estar relacionada com a forte presença de homens no sector, a todos os níveis, e a pequena percentagem de mulheres na tomada de decisão”.
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O relatório chama a atenção para “a ligação simbólica entre masculinidade e carros”. “A paixão por carros muitas vezes segue os padrões heterossexuais de desejo. Para condutores homens e jovens em particular, conduzir é uma parte crucial da sua identidade.” Não conduzir pode ser percebido como uma perda de controlo e de prazer.
Onde os homens vão à frente é na adesão ao carro eléctrico. Um estudo feito em cinco países nórdicos mostra como as mulheres possuem menos carros eléctricos (3% para 6,9%) e têm menos experiência com eles (15,4% para 28,7%). Elas até “aceleram menos, têm em conta custos, aspectos ambientais e, sobretudo, segurança”. Estes carros atraem-nas menos “por causa das características técnicas, que muitas vezes não vão ao encontro das necessidades práticas do dia-a-dia no espaço urbano”.