Leonete Botelho, in Público on-line
A declaração do estado de emergência pelo Presidente da República permite a suspensão de direitos, liberdades e garantias protegidas pela Constituição. Uma “arma” constitucional nunca usada em democracia.
Vários países como Itália, Espanha, República Checa, Hong Kong, Filipinas, Hungria e (pelo menos) os estados norte-americanos de Nova Iorque e Califórnia já declararam o estado de emergência de saúde pública por causa da covid-19. Em Portugal, esta “arma” constitucional nunca foi usada em democracia. Sabe o que significa?
O que é o estado de emergência?
O estado de sítio ou estado de emergência está previsto na Constituição e permite a suspensão de direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, mas apenas na medida do necessário para conter a ameaça. A suspensão desses direitos deve, pois, respeitar o princípio da proporcionalidade e limitar-se, na sua extensão, duração e meios utilizados, ao “estritamente necessário ao pronto restabelecimento da normalidade constitucional” (art.º 19.º n.º4 da Constituição da República Portuguesa).
Quando pode ser declarado?
De acordo com o art.º 19.º da Constituição, o estado de sítio ou de emergência pode ser declarado, “no todo ou em parte, nos casos de agressão efectiva ou iminente por forças estrangeiras, de grave ameaça ou perturbação da ordem constitucional democrática ou de calamidade pública”. No caso do coronavírus, seria um estado de emergência sanitária por ameaça de calamidade pública. O estado de emergência é declarado em situações de menor gravidade do que aquelas em que seria necessário o estado de sítio e apenas pode determinar a suspensão de alguns dos direitos, liberdades e garantias.
Em que consiste a declaração de emergência?
A declaração de estado de emergência tem de ser “adequadamente fundamentada” e conter “a especificação dos direitos, liberdades e garantias cujo exercício fica suspenso”. Ou seja, a declaração tem de ser bastante clara e pormenorizada quanto aos direitos de cidadania que faz suspender. Em nenhum caso pode afectar os direitos à vida, à integridade pessoal, à identidade pessoal, à capacidade civil e à cidadania, a não retroactividade da lei criminal, o direito de defesa dos arguidos e a liberdade de consciência e de religião. Mas “confere às autoridades competência para tomarem as providências necessárias e adequadas ao pronto restabelecimento da normalidade constitucional.”
O que deve constar dessa declaração?
A declaração tem de conter, “clara e expressamente”, a caracterização e fundamentação do estado declarado; o seu âmbito territorial e duração; a especificação dos direitos, liberdades e garantias cujo exercício fica suspenso ou restringido; a determinação do grau de reforço dos poderes das autoridades administrativas civis e do apoio às mesmas pelas Forças Armadas, sendo caso disso.
Que medidas podem ser determinadas na declaração?
A lei prevê apenas os limites das medidas, dando uma larga margem para a sua definição. No caso de emergência sanitária, para conter o novo coronavírus, as medidas deverão ser sobretudo restritivas da mobilidade dos cidadãos, podendo chegar à quarentena ou isolamento forçados. Podem ser suspensas todas as actividades sociais públicas e também qualquer tipo de publicações, emissões de rádio e televisão, bem como espectáculos cinematográficos ou teatrais, mas não podem “em caso algum ser proibidas as reuniões dos órgãos estatutários dos partidos políticos, sindicatos e associações profissionais”. Pode também ser condicionado ou interdito o trânsito de pessoas ou circulação de veículos, ficando as autoridades responsáveis por assegurar os meios necessários ao cumprimento do disposto na declaração, em particular no tocante ao transporte, alojamento e manutenção dos cidadãos afectados, diz ainda a lei.
O que acontece a quem não cumprir as restrições decretadas?
Os incumpridores incorrem em crime de desobediência e, no limite, ser-lhes decretada a fixação de residência ou serem detidos por violação das normas de segurança em vigor. Nestes últimos casos, as decisões têm de ser comunicadas ao juiz de instrução competente no prazo de 24 horas, assegurando-se o direito de habeas corpus.
Quanto tempo pode durar?
A declaração de emergência tem a duração máxima de 15 dias, mas pode ser renovada no final desse prazo.
Quem declara o estado de emergência?
A declaração compete ao Presidente da República, mas depende de audição do Governo e de autorização da Assembleia da República. O regime legal está previsto na Lei 44/86 de 30 de Setembro. O Presidente solicita ao Parlamento, em mensagem fundamentada, autorização do estado emergência, onde deve deixar claros os factos justificativos, os elementos que devem constar dessa declaração, bem como a referência à audição do Governo e a resposta deste.
Quem é responsável pela sua execução?
A execução da declaração do estado de emergência compete ao Governo, que de todos os actos terá de manter informados o Presidente da República e a Assembleia da República. Nas regiões autónomas, a execução é assegurada pelo representante da República, em cooperação com o governo regional. Durante o período determinado, se o estado de emergência abranger todo o país, mantém-se “em sessão permanente” o Conselho Superior de Defesa Nacional, bem como a Procuradoria-Geral da República e a provedora de Justiça, as duas últimas para garantir a legalidade democrática e os direitos dos cidadãos. O executivo pode também nomear comissários governamentais para assegurar o funcionamento de instituições de importância vital face às circunstâncias.