15.9.21
Maioria dos exercícios para apoio às aprendizagens são de nível médio ou elevado
Instituto de Avaliação Educativa lança plataforma com itens retirados dos exames e dos testes internacionais para apoiar plano de recuperação das aprendizagens. Embora de acesso livre, é mais direccionada aos professores.
A maioria dos exercícios que o Instituto de Avaliação Educativa (Iave) já disponibilizou para apoiar a recuperação das aprendizagens são de nível médio e superior no que respeita à sua “complexidade cognitiva”. É o que se passa com 15 dos 19 exercícios que se encontram por agora disponíveis na plataforma ITENS S.A. - Explorar os Itens da Avaliação Externa em Sala de Aula, lançada nesta segunda-feira pelo Iave, que é o organismo responsável pela elaboração e classificação dos exames e provas nacionais.
Por enquanto, ainda só existem 19 itens relativos a provas nacionais que foram realizadas por alunos do ensino básico e outros 16 provenientes do PIRLS (Progress in International Reading Literacy Study) um estudo internacional sobre literacia dirigido a alunos do 4.º ano.
O Iave promete que nesta primeira fase irão ser disponibilizados “cerca de meia centena de itens dos três ciclos do ensino básico, nas áreas disciplinares de Português, Matemática, Estudo do Meio, Português Língua Não Materna, Expressões Artísticas e Educação Física”. Serão também apresentados mais itens retirados “de estudos internacionais em que Portugal participa”, como o PISA ((Programme for International Student Assessment) destinado a avaliar a literacia dos alunos de 15 anos ou o TIMSS (Trends in International Mathematics and Science Study), que avalia os alunos do 4.º ano nas áreas de Matemática e Ciências.
“Numa segunda fase, serão integrados na plataforma itens pertencentes às disciplinas do ensino secundário sujeitas a avaliação externa”, acrescenta o Iave. O objectivo anunciado é que todos estes exercícios “possam ser explorados pedagogicamente em sala de aula para diagnosticar o estado das aprendizagens dos alunos, nomeadamente dos conhecimentos e das competências que apresentem maiores fragilidades e que seja necessário apoiar”. E assim ajudar no plano de recuperação que estará em vigor até 2023, destinado essencialmente a suprir as aprendizagens que ficaram em défice devido ao encerramento das escolas por causa da pandemia.
Défices antigos
Mas os exercícios apresentados apontam também para défices mais antigos. Por exemplo, em metade dos 16 itens retirados da edição do PIRLS de 2016 os alunos portugueses tiveram classificações abaixo dos 50% e em dois destes não foram além dos 11%. São exercícios que apelam sobretudo ao raciocínio e à construção de respostas, domínios que repetidamente têm sido apontados como críticos na performance dos alunos portugueses. As melhores classificações, como geralmente sucede, são as fornecidas pelas questões de escolha múltipla.
Já no que respeita aos itens retirados das provas de aferição nacionais, o Iave optou por não apresentar as classificações obtidas pelos alunos uma vez que as características desta avaliação são “mais de âmbito formativo e qualitativo”. Por agora são a maioria. Neste caso, apenas se indica o “nível de complexidade cognitiva” dos itens: 1 (inferior, a reprodução de conhecimentos), 2 (médio, aplicar e interpretar) e 3 (superior, raciocinar e criar).
Nos itens retirados de provas e exames nacionais é apresentada a classificação que os alunos obtiveram. Só ainda estão três disponíveis que foram retirados do último exame de Matemática do 9.º ano, feito em 2019. Nos dois anos de pandemia estas provas não se realizaram. As cotações oscilaram entre 11% e 57%.
Em respostas ao PÚBLICO, o Iave refere que a escolha dos itens é feita pelas equipas do instituto, “de acordo com os objectivos da plataforma”. “A plataforma ITENS S.A. pretende disponibilizar itens das várias áreas disciplinares que avaliam vários conteúdos e competências consideradas importantes para as aprendizagens dos alunos. Pretende-se também apresentar itens de tipologias e formatos variados”, acrescenta.
Em todos os itens apresentados, o Iave esclarece que “complexidade não é sinónimo de dificuldade”. Razões? “A complexidade tem a ver com o processo cognitivo que é requerido para a realização da tarefa ou do item da avaliação. É definida durante o processo de construção” destes. No que respeita à dificuldade “pode e deve ser estimada, mas só é possível determinar com exactidão depois da aplicação do instrumento/tarefa, através dos resultados obtidos”.
O Iave especifica também que a plataforma, embora seja de acesso livre, é “mais direccionada a professores”.
Quase dois terços dos jovens portugueses acreditam que o mundo está condenado, diz estudo
Quase seis em cada dez jovens estão muito ou extremamente preocupados com a crise climática, diz um estudo feito em dez países, que “sugere pela primeira vez que elevados níveis de angústia psicológica nos jovens estão ligados à inércia dos Governos”. Jovens portugueses estão entre os mais preocupados.
Foto Cerca de seis em dez jovens considera que os Governos não estão a proteger os jovens, o planeta, nem as gerações futuras, sentindo-se traídos pelas gerações mais antigas e entidades governamentais
Oito em cada dez jovens portugueses acreditam que “o futuro é assustador” face às alterações climáticas. E mais de dois terços acreditam que o Governo está a falhar na resposta à crise climática (apenas atrás dos jovens do Brasil). Os resultados fazem parte de um estudo científico com base em inquéritos a jovens de dez países e que revelou que, dos países desenvolvidos analisados, os jovens portugueses são os que demonstram um maior nível de preocupação com a crise ambiental.
O estudo divulgado esta terça-feira ilustra o profundo nível de preocupação que os mais jovens, entre os 16 e os 25 anos, sentem em relação às alterações climáticas, com um impacto na forma como olham para o futuro. No que diz respeito aos pensamentos negativos sobre as alterações climáticas, os jovens portugueses expressam, no geral, uma maior preocupação do que a média dos dez países.
Quase dois terços dos jovens portugueses acreditam que a humanidade está condenada, apenas abaixo dos jovens da Índia (74%) das Filipinas (73%) e do Brasil (67%). E quase nove em dez jovens portugueses afirmaram que as pessoas falharam na protecção do planeta, por oposição aos 83% do total dos inquiridos.
Mais de metade dos portugueses questionados (54%) acredita ter menos oportunidades do que os pais, apenas um valor percentual abaixo da média. E se 39% dos jovens inquiridos estão reticentes em ter filhos devido à crise climática, em Portugal esse número é só ligeiramente inferior (37%).
Segundo o estudo, quase seis em dez jovens estão muito ou extremamente preocupados com a crise climática. Um número semelhante considera que os Governos não estão a proteger os jovens, o planeta, nem as gerações futuras, sentindo-se traídos pelas gerações mais antigas e entidades governamentais. Neste campo, Portugal é o terceiro país (62%) a sentir que o Governo está a trair esta geração e as próximas, depois do Brasil (77%) e da Índia (66%).
Ao mesmo tempo, 65% dos portugueses inquiridos sentem que o Governo está a ignorar a angústia das pessoas em relação às alterações climáticas, estando acima dos 60% do total de jovens inquiridos.
No total, os autores do estudo referem que os níveis de ansiedade parecem ser superiores nos países onde as políticas ambientais são consideradas menos robustas, tendo sido relatada uma maior preocupação no Sul do globo.
Os activistas ambientais afirmam que a preocupação e ansiedade ligadas às alterações climáticas afectam grande parte da população jovem. Mitzi Tan, de 23 anos e das Filipinas, disse que cresceu com o medo de se “afogar no próprio quarto”. Também se tornou comum os jovens preocuparem-se em ter ou não ter filhos por causa dos problemas do planeta. Segundo Luisa Neubauer, activista de 25 anos e uma das organizadoras do movimento climático estudantil na Alemanha, “é uma questão simples, mas diz tanto sobre a realidade climática onde vivemos.
Ecoansiedade e inércia governamental
Para o estudo, financiado pelo grupo de pesquisa e mobilização Avaaz, fizeram-se inquéritos com jovens de Portugal, Austrália, Brasil, Finlândia, França, Filipinas, Estados Unidos, Índia, Nigéria e Reino Unido. Pré-publicado na Lancet e ainda à espera de revisão pelos pares, o estudo foi conduzido e analisado por sete instituições académicas da Europa e EUA, incluindo a Universidade de Bath e o Oxford Health NHS Foundation Trust. É considerado o maior estudo científico feito até à data sobre a ansiedade climática e os jovens.
Os autores da investigação indicam que o stress crónico ligado às alterações climáticas está a aumentar o risco de desenvolver problemas mentais e físicos. E se os eventos climáticos extremos se intensificarem, vão ser acompanhados por impactos na saúde mental. Os jovens são especialmente afectados, uma vez que estão em processo de desenvolvimento psicológico, físico e social.
Caroline Hickman, da Universidade de Bath e co-autora do estudo, disse que a análise “ilustra a terrível ansiedade climática difundida nas nossas crianças e jovens” e “sugere pela primeira vez que elevados níveis de angústia psicológica nos nossos jovens estão ligados à inércia dos governos”, continuou.
Tom Burke, do think tank E3G, afirmou à BBC que “é lógico que os jovens estejam ansiosos”, porque “estão a ver a evolução [das alterações climáticas] diante dos próprios olhos”.
Igreja despeja idosos para vender ilha do Porto a investidor
Só um inquilino permanecerá no conjunto habitacional. Diocese do Porto diz agora estar a encontrar soluções com o actual proprietário. Porém, o novo senhorio desmente.
Aos 69 anos, ao fim de 34 anos a morar na Ilha da Oliveira, às portas do centro do Porto, Maria Luísa foi surpreendida com uma ordem de despejo. O remetente da carta era o proprietário do conjunto de casas, até há cinco meses: a Diocese do Porto. Nas linhas que davam conta da não renovação do contrato não existia qualquer explicação para a saída forçada, nem lá constava qualquer solução para o problema de habitação que agora enfrenta. Só ficou a saber que, até Março de 2022, a sua casa tinha de estar desocupada. Entretanto, as nove fracções do conjunto habitacional já foram vendidas, em Abril, a um investidor do sector imobiliário. Mas a esta inquilina ou aos outros que ainda resistem continua a não lhes ter sido apresentada qualquer solução. A diocese diz estar a trabalhar nesse assunto com o actual proprietário. Porém, o novo senhorio desmente. Quando o contrato acabar, os moradores não têm para onde ir viver.
Há cerca de um ano, Maria Luísa e os vizinhos estranharam as sucessivas visitas feitas à ilha por parte de membros da diocese que se faziam acompanhar de “outras pessoas”. “Vinham todas as semanas”, recorda. A dada altura, terá interpelado um responsável pela instituição. “Perguntei se estavam a pensar vender a ilha”, conta. A resposta, diz, deixou-a mais descansada: “Disseram que só iam vender a casa da frente, que já está desocupada desde que vim para aqui. Garantiram-me que não iam vender as outras e disseram para ficar tranquila”.
A ilha, situada numa perpendicular da rua Serpa Pinto, na zona da Ramada Alta, é composta por nove casas. Mas uma delas, a que está virada para a rua, está entaipada há vários anos. As outras oito estiveram durante muito tempo habitadas. De há uns anos para cá só estavam seis.
Maria Luísa fala com o PÚBLICO frente à casa dois, a primeira que se encontra depois de se atravessar um corredor que começa no portão e termina num pátio. Essa fracção ficou vazia desde que a antiga moradora faleceu. “Muitas vezes quando a diocese vinha cá abriam esta casa para mostrá-la”, adianta. Ainda assim, tanto ela como os outros moradores deram um passo de fé para acreditarem nas palavras da entidade ligada à Igreja.
Porém, em Fevereiro deste ano, recebeu da Ecclesialis Gestão Diocesana Unipessoal, Lda, uma carta que dava conta de que o contrato de arrendamento não seria renovado. Teria, então, de abandonar a casa até Março de 2022. A outra vizinha foi dado o mesmo prazo. Outros dois tiveram de sair em Agosto. “Uma senhora que morava ao lado voltou para a terra dela. O outro casal foi para a casa dos pais, que também moram na ilha”, afirma.
Há apenas uma família que não recebeu carta com aviso de despejo, por terem contrato de arrendamento celebrado há 36 anos. Mas se Maria Luísa vive na mesma ilha há 34 anos, porque é que terá um destino diferente? “Há uns anos mudei para a casa 3 porque na minha chovia”, conta. Em 2018, quando fez a mudança, ter-lhe-á sido dito que teria de celebrar novo contrato. Por isso, “como não é um contrato antigo”, tem de sair.
A inquilina diz nunca ter existido nenhuma conversa promovida pela diocese para informar os moradores sobre os planos de venda. Os inquilinos só ficaram a saber que a ilha seria vendida depois de receberem, em Março, uma carta que dava conta do nome de um investidor interessado na compra pelo valor de 135 mil euros. No mesmo documento dava-se o direito de preferência aos inquilinos, que não tinham “condições financeiras” para adquirir o imóvel.
Chocada com a Igreja
“Fiquei chocada quando tomei conhecimento. Não contava com uma coisa dessas por ser uma diocese. Para nós foi um choque. Não contava que nos fizessem isso por ser propriedade da Igreja”, conta. “Ainda por cima, ainda não arranjei casa”, sublinha.
A moradora já tentou acesso a habitação social, recorrendo à empresa municipal Domus Social. “A resposta que tive foi de que não tinha pontos suficientes”. Não conseguiu. Por isso, tentou candidatar-se ao apoio ao arrendamento. “O meu nome não foi sorteado”, diz. Da diocese garante nunca lhe ter chegado qualquer notícia sobre possíveis ajudas. Actualmente, o que sabe é que em Março de 2022 tem de sair.
Já procurou no mercado de arrendamento, mas, a inquilina que vive sozinha, diz não conseguir encontrar casa que possa pagar. De reforma, depois de ter trabalhado mais de quarenta anos, recebe 465 euros. “Com água, luz e comida, como é que posso viver?”, questiona. A renda que pagava rondava os 120 euros. “Não me importava de negociar com o novo senhorio”, atira.
Isabel Conceição, de 72 anos, a única inquilina que não recebeu carta que dava conta da intenção de não renovação de contrato, não se conforma com a situação dos vizinhos. Nesse grupo de pessoas que recebeu ordem de marcha para fora do conjunto habitacional está a sua filha. Até há bem pouco tempo vivia apenas com o marido numa casa onde investiu “muito dinheiro” em obras. Como o contrato da filha terminou em Agosto, abriu-lhe a porta de casa para a partilhar também com o genro e com os netos. “Os dois quartos do piso de cima transformei-os em três”, conta. O sofá da sala também está a servir da cama para um dos netos.
Ao longo dos anos, diz que todas as obras feitas nas casas foram pagas pelos inquilinos, à excepção da ligação ao saneamento básico. Agora, sendo a única inquilina que vai poder permanecer na ilha espera que o dinheiro que investiu não tenha sido em vão. “O novo proprietário perguntou se queria uma indemnização para sair. Mas disse-lhe que não”, afirma. Ainda assim diz não temer essa possibilidade porque lhe foi garantido pelo mesmo que isso não iria acontecer. “Não tenho nada contra o novo senhorio, mas sim contra a diocese”.
Ao PÚBLICO, depois de contactada e de algumas questões terem sido enviadas por e-mail, a Diocese do Porto diz que a ilha apresenta “muito más condições de habitação”, “sub-humanas e insalubres, pondo em causa a saúde pública e das pessoas que lá residem”. Por isso, considerou que a melhor via passava pela venda do imóvel, sem que tivesse encontrado primeiro uma solução para os moradores. “A diocese do Porto visou garantir o bem-estar das pessoas ao alienar aquela ilha”, lê-se.
Contudo, agora, depois de ter vendido estas habitações, adianta estar a dialogar com o novo proprietário e com os serviços centrais de gestão do património diocesano para arranjar soluções para estes inquilinos, referindo existirem apartamentos dos quais são proprietários em processo de requalificação e restauro, destinados a este tipo de “emergências”. Pergunta-se quantos fogos destes existem e quantos estão ocupados. Mas, a resposta que chegou não esclareceu essa dúvida.
Já o actual proprietário, um investidor de Fafe com outros negócios no Porto, mas apenas este com a diocese, é peremptório: “Desde a assinatura do contrato de compra e venda nunca mais falei com a diocese”. Com o inquilino que permanecerá na ilha, compromete-se a cumprir o que foi assumido com o mesmo. “Não vou fazer a vida negra a ninguém, pelo contrário”, assegura. Os planos que tem, diz, passam por arrendamento a longo prazo, depois de fazer obras. Não descarta renegociar contratos com moradores, porém, sublinha: “A diocese vendeu-me o imóvel com a garantia de que existia apenas um inquilino.”
Amadora, a cidade na luta para deixar cair os estigmas
A Amadora é um território à procura de deixar cair os seus estigmas, muito além dos problemas da Cova Moura – um dos temas quentes da campanha, num concelho onde, em média, se recebe 1400 euros por mês, o que revela a profunda desigualdade que ali existe.
Quando Silvina Oliveira chegou ao Bairro de Santa Filomena, na Amadora, a casa azul que hoje ocupa era muito diferente naqueles tempos. “De madeira, mas muito jeitosa”, recorda a mulher de 65 anos que se ampara do sol debaixo da videira com cachos de uva já a ficar bem maduros.
Comprou-a, naquela altura, “há uns 40 anos”, por 30 contos, depois de ter morado noutra “barraquinha” mais abaixo no bairro e, ainda antes disso, nos estaleiros da antiga construtora Pereira da Costa, na Venda Nova, onde o marido trabalhava.
Silvina saiu da Póvoa de Lanhoso, terra natal, para o acompanhar. “Ele não gostava de estar cá só”, recorda. Acabaram por ficar. Silvina viu um bairro crescer, depois ser desmantelado. “Eu tenho todas as condições dentro da minha casa. Fiquei porque é muito sossegado.” Ali criou os filhos, ali está a criar os 11 netos. “Estou aqui no meu canto e estou bem.”
A cadela, Belinha, late perante a chegada de muitos forasteiros, entre eles Suzana Garcia, a candidata que quer abanar com 24 anos de gestão socialista na Câmara da Amadora. Diz-se independente, mas lidera uma candidatura com o PSD à cabeça, juntamente com o CDS, Aliança, MPT e PDR.
A candidata fala-lhe na casa nova que, se for eleita, será atribuída a Silvina. “Vocês não dão nada. A gente vai para lá e tem de pagar”, diz-lhe a mulher. “É uma renda bebé”, responde-lhe Suzana Garcia para depressa Silvina lembrar de como a comadre, que foi realojada no bairro do Casal da Boba, também na freguesia amadorense de Mina de Água, viu a renda aumentar.
Se tiver de sair, não será para qualquer lugar. “Eu também não vou aceitar qualquer coisa que me dêem”, afiança Silvina. Suzana Garcia aplaude e replica: “Você só vai aceitar uma casa onde quem está a dar também vivesse”, diz-lhe a candidata, repetindo um dos chavões da sua candidatura.
A candidata marcou como ponto de encontro a sede de campanha, de onde saiu a comitiva numa arruada ruidosa até ao bairro. Quis levar o PÚBLICO a este bairro por ser, nas palavras da própria, “demonstrativo da falência deste executivo”. Pede-nos que olhemos à volta, para os prédios novos construídos, os que estão em construção que contrastam com as “as pessoas que ficaram abandonadas”. “Esta é a imagem pura do que é este executivo”, critica.
Em 2012, o Bairro de Santa Filomena começou a ser desmantelado, com a demolição de algumas construções precárias. Segundo o levantamento feito em 1993 no âmbito do Programa Especial de Realojamento (PER), foram identificados 562 agregados familiares, residentes em 442 habitações precárias, para serem realojados. No total, 1945 pessoas teriam de sair.
Suzana Garcia passa. Há quem venha a janela espreitar o aparato e diga que a conhece da televisão. “Eu agora quero que me conheça da câmara municipal”, diz-lhe.
Hoje, estima a candidata, restam no bairro cerca de dez famílias, que ali ficaram rodeadas de vegetação, de lixo e de escombros de anteriores demolições. “Eu não aceito que vivam nestas condições.” Se for eleita, promete, as pessoas serão realojadas. Dinheiro garante que há. “Dez anos para resolver um problema destes é laxismo político.”
“Isto não se faz num ano”
A questão da habitação tem estado no centro da campanha na Amadora. O PS assume o governo da cidade há 24 anos. Carla Tavares é presidente há oito e recandidata-se a um terceiro mandato, o qual, a cumprirem-se os resultados das sondagens, conseguirá sem grandes sobressaltos. Antes disso, estivera já no pelouro da habitação, que assume, de resto, como uma área prioritária. “Quando o PS chegou à câmara em 1997 encontrou 34 bairros degradados, com 6800 famílias a viver em condições indignas”, notou a presidente num dos debates eleitorais que opôs todos os candidatos. “Fomos erradicando estas condições de habitação indigna”, prosseguiu ainda a autarca, sublinhando que este é “um trabalho de continuidade”. “Isto não se faz num ano.”
Estes bairros auto-construídos começaram a ser erguidos quando muitos, como Silvina e o marido, migraram do campo para a cidade. Nos anos 60, enquadra a antropóloga Ana Rita Alves, começaram a chegar os migrantes cabo-verdianos, que para ali foram na esperança de poderem construir as suas casas. Casas como as do Bairro de Santa Filomena foram construídas em terrenos privados. Na Cova da Moura também, o que, diz a câmara, tem dificultado a intervenção naquele espaço.
Os bairros acabaram, por isso, enquadrados nessa ideia de “ilegalidade”, a que o Programa Especial de Realojamento (PER), o mais robusto programa de habitação pública do Estado em democracia, daria uma resposta mais condigna. O que nem sempre aconteceu, uma vez que nem sempre houve o diálogo que era necessário com os moradores e pelo facto de demorar tantos anos a implementar, não tendo em conta que as famílias vão crescendo e que precisam de mais espaço.
A Amadora identificou então 34 territórios e foi o último município a assinar o acordo com o estado central em 1995. O PER acabou por arrancar tarde e a sua execução atrasar. Este Verão, foi posto fim a mais um bairro, o 6 de Maio.
As pessoas acabaram realojadas em bairros periféricos, mais segregadas do tecido urbano, como é exemplo o Casal da Mira, onde o autocarro tarda em chegar.
José Baessa de Pina, de 44 anos, nota isso mesmo no bairro Casal da Boba, construído para realojar famílias oriundas de bairros inscritos no PER. “Somos uma comunidade que veio do Bairro das Fontainhas, da Damaia, e fomos realojados na Boba. Não queremos que a nossa comunidade esteja isolada dentro da freguesia. Chega de conotação negativa”, diz o vice-presidente da associação Cavaleiros de São Brás.
Por ali, diz, falta limpeza, manutenção as áreas comuns dos prédios e dos espaços verdes, que “conduz o bairro a um estado de abandono por falta de acompanhamento público”. “Há 21 anos que o bairro não tem uma remodelação. Agora estão a ser requalificadas três casas. Espero que sejam mais.”
Problemas de resolução simples que, diz o dirigente associativo, acabam por afectar a qualidade de vida no bairro. “Neste momento estamos a ver vários jogos de interesses porque sabem que a Amadora tem potencial, mas esqueceram-se de que quem faz a cidade são as pessoas”, critica. “A Amadora não precisa de ser uma Singapura ou um cantão suíço. A Amadora precisa de ser como é, com toda a sua diversidade”, diz.
Nos debates televisivos que opuseram os candidatos, a presidente da câmara assumiu que falta realojar 414 famílias em dois bairros. Mas antecipando já que, nos próximos quatro anos será possível intervir no âmbito da Estratégia Local de habitação, que prevê a atribuição de 72 milhões de euros e a intervenção junto de mais de 2300 famílias até 2025. Parte desse investimento passará pela construção de habitação acessível municipal — uma das necessidades mais identificadas pelos candidatos. O município tem no momento 2088 habitações.
A “bestialização” da Cova da Moura
No bairro da Cova da Moura, outros dos temas quentes da campanha, moram mais de cinco mil pessoas. “Grande parte faz parte da classe trabalhadora. Faz descontos, é consumidora, contribui para o PIB do país”, diz Flávio Almada, coordenador da Moinho de Juventude, associação que faz trabalho no bairro. É por isso que diz que a questão de propriedade dos terrenos, um dos entraves à intervenção no bairro, já deveria ter sido resolvida.
“Isso é fundamental. As pessoas não podem viver o terror psicológico de não saberem a sua situação. É uma questão de vontade política”, diz Flávio.
Para os próximos quatro anos, a associação gostaria de ver criado no concelho um programa de habitação jovem para “dar aos jovens a possibilidade de terem a expectativa de criar a própria família, sendo que, neste momento, um T2 não está menos de 850 euros” — um preço impossível de suportar para grande parte das famílias.
Mas também mais transportes para que se crie uma carreira dentro do concelho e haja mais ligações aos municípios vizinhos. E o reforço da limpeza urbana e a recolha do lixo no bairro.
Por último — e talvez a mais importante — “acabar com essa coisa de que a Cova da Moura é um espaço que não faz parte do município, que não faz parte do país”. Aqui, Flávio põe responsabilidades sobre os ombros da comunicação social que, acredita, ajudou a construir a “bestialização” da Cova da Moura.
Perante um possível realojamento, Flávio diz que os moradores tendem a querer ficar no bairro porque, apesar de muitos chamarem as suas casas de barracas, o que ali existe são “lares”.
A presidente Carla Tavares diz que o futuro do bairro da Cova da Moura é uma prioridade e que a câmara está “num processo negocial”, de avaliações, para a aquisição dos terrenos aos proprietários.
“Chegamos a uma fase que consideramos final. Temos de resolver, em primeiro lugar, a questão da propriedade dos terrenos, que passa por diversas situações, até resultantes dos estudos do LNEC. Há situações em que é possível reconverter e manter as casas, situações em que é necessário o alojamento in situ. É nesse processo que estamos a trabalhar”, disse num debate.
“As pessoas falam da Cova da Moura como se fosse um bicho-de-sete-cabeças. Não é”, atira Suzana Garcia, que diz já ter reunido com os proprietários dos terrenos e saber qual o preço que pedem pelos terrenos. Se for eleita, diz, há 14 milhões para comprar esses terrenos.
O Big Brother na Amadora
A segurança tem sido outros dos temas quentes da campanha. Carla Tavares rejeita a ideia de que a Amadora é uma cidade insegura. “Acho que é um problema muito empolado. Acho que temos desafios nesta matéria, como têm todas as cidades urbanas. Tem vindo a melhorar com a instalação com câmaras de videoprotecção”, considera a autarca, adiantando que esse processo está em alargamento. Neste momento, há 103 câmaras instaladas e mais 37 que serão colocadas, num investimento de cerca de três milhões de euros, considerando este um “instrumento de trabalho para as forças de segurança”.
Na Cova da Moura há câmaras nas entradas do bairro, uma decisão que merece críticas por parte Moinho de Juventude. “É transformar a Amadora num Big Brother e criar a cultura do medo”, diz Flávio Almada. O valor gasto na instalação de câmaras de vigilância, sugere, poderia ser atribuído a associações junto das comunidades.
A investigadora Ana Rita Alves considera que há um imaginário de insegurança que está intimamente relacionado com a questão racial. “A partir da década de 90, começa a construir-se esta ideia de que a Amadora é um território ‘desproporcionalmente negro’. Ao longo do tempo começa-se a ter essa ideia de que a Amadora é um território perigoso”, observa, lembrando que o debate feito tem sempre “a raça como esteira”, mesmo que não seja mencionada.
“A ideia de que estes jovens, filhos dos migrantes negros, precisa de ser vigiada... É neste contexto que ao longo do tempo se vai construindo esta ideia que os bairros auto-construídos são espaços ingovernáveis e legitima-se dessa forma a presença policial nestes espaços”, contextualiza a investigadora que tem acompanhado as demolições nestes bairros.
Nesta matéria, Suzana Garcia defende a colocação de mais câmaras de vigilância em todas as freguesias. “Eu considero que é estigmatizante colocar câmaras num sítio e não colocar noutro. Parece que estamos a dizer que aquelas pessoas são criminosas e as outras não”, admite.
O Bloco de Esquerda, que vai a eleições com a actual vereadora, Deolinda Martin, diz-se contra a videovigilância, defendendo antes esquadras de bairro, com policiamento de proximidade. Entre as propostas com que os bloquistas vão a votos está ainda a criação de cuidados paliativos para os mais velhos e a construção de mais creches públicas, assim como o reforço dos transportes públicos entre freguesias.
Para o candidato da CDU, António Borges, “atirar para a frente a resolução do problema da Cova da Moura é impensável. Entre as suas propostas está a aquisição de prédios devolutos pela autarquia para que possam ser recuperados e disponibilizados à população a custos controlados. Propõe também que sejam investidas verbas do Plano de Resolução e Resiliência na construção de habitação acessível.
Do lado do PAN, Carlos Macedo propõe que seja feito um “levantamento exaustivo ao património que a câmara tem” e que se aposte na reabilitação e construção de habitação pública. Em matéria de segurança, propõe o aumento do número de efectivos da PSP nas ruas.
Para o candidato da Iniciativa Liberal, Nuno Ataíde, “a especulação imobiliária combate-se com concorrência”, por isso “a câmara tem de permitir que os privados façam o seu trabalho”. Defende que os realojamentos devem ser feitos pela cidade e não concentrados num local. “Mas temos de lhes perguntar se querem e em que condições”, nota. Em matéria de segurança, defende o sistema de videovigilância. “Pode não evitar o crime, mas ajuda a pôr criminosos na prisão”, defende.
Já o candidato do Chega, José Dias, propõe uma maior fiscalização dos bairros municipais para perceber se quem a habita ainda se enquadra nesta modalidade de habitação e propõe a criação de um gabinete policial em cada junta de freguesia.
Sobre acordos pós-eleitorais, Susana Garcia assume estar disponível para os fazer com todas as forças políticas, menos com “os extremos”, o BE e o Chega. Mas ninguém lhe fale na possibilidade de perder a câmara. “Nem imagino sequer.”
Ao PÚBLICO, admite que se for eleita não quer assumir nenhum pelouro, porque isso condicionaria a sua intervenção. Questionada sobre essa questão num debate, Carla Tavares contornou a questão, dizendo que “qualquer tipo de acordo pós-eleitoral [terá por] base programas eleitorais concretos”.
Artigo actualizado às 9h56: Corrige a informação de que as casas do Bairro de Santa Filomena foram construídas em terrenos públicos. Na verdade, os terrenos são privados
Von der Leyen quer melhorar a preparação e capacidade de resposta da UE na saúde e na defesa
No discurso sobre o estado da União Europeia, no Parlamento Europeu de Estrasburgo, a presidente da Comissão propôs a criação de um novo Centro Comum de Conhecimento da Situação e uma nova missão de resiliência sanitária para que “um vírus não possa tornar uma epidemia local numa pandemia global”
A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, propôs esta quarta-feira a criação de uma série de novas agências europeias para melhorar a preparação e capacidade de resposta da União Europeia a crises, que tanto podem ser sanitárias, como a pandemia de covid-19, como de defesa e segurança, como no Afeganistão nas fronteiras externas da Europa, nos sistemas de informação ou no ciberespaço.
No seu discurso sobre o estado da União Europeia no Parlamento Europeu, em Estrasburgo, a líder do executivo comunitário assinalou a liderança da UE na produção, distribuição, administração e exportação de vacinas contra o novo coronavírus. A resposta da Europa à maior crise sanitária do último século foi um sucesso, argumentou Ursula von der Leyen.
“Temos razões para estar confiantes, mas não complacentes”, disse. Por isso, pediu o apoio dos eurodeputados para um novo investimento de 50 mil milhões de euros para a criação de uma nova missão de preparação e resiliência sanitária, para “garantir que nunca mais um vírus pode transformar uma epidemia local numa pandemia global”.
Além de novos vírus e doenças, Von der Leyen quer que a Europa seja capaz de se defender das ameaças convencionais, mas também híbridas e de cibersegurança, que colocam em risco as fronteiras dos Estados, as suas infra-estruturas e instalações industriais ou as suas democracias: “Para desestabilizar uma eleição basta ter um smartphone e uma ligação à Internet”, assinalou.
A crise no Afeganistão reavivou o debate sobre a constituição de uma força militar de intervenção rápida da UE — que a presidente da Comissão acredita “ser parte da solução”. Mas antes de discutir a mobilização de tropas, Ursula von der Leyen diz que é preciso encontrar um consenso sobre a sua utilização. “Precisamos de desenvolver a nossa vontade política”, afirmou.
Como observou, a UE já desenvolveu um “ecossistema de defesa europeu”. Nesta altura, “o que precisamos é de construir uma união da defesa”, defendeu a líder do executivo comunitário, que quer ter um novo Centro Comum de Conhecimento da Situação (ou Situational Awareness, no original em inglês) em funcionamento tão depressa quanto possível.
Este novo centro será responsável por reunir e fundir todo o conhecimento e informação proveniente de todos os serviços e agências de segurança e defesa, para que os líderes europeus tenham condições para, a cada momento, tomar as melhores decisões. “Temos de estar mais bem preparados e melhor informados para sermos capazes de decidir”, sublinhou.
Com o mundo “em transição para uma nova ordem internacional”, de hipercompetitividade, rivalidades regionais e poderes difusos, a presidente da Comissão Europeia vai convocar uma Cimeira Europeia da Defesa, que será co-organizada pelo Presidente Emmanuel Macron quando a França detiver a presidência do Conselho da UE, e apresentar nova legislação para responder às novas ameaças.
“Neste mundo onde tudo está conectado, tudo pode ser pirateado”, disse Von der Leyen, acrescentando que a Europa deve aspirar a ser líder mundial em cibersegurança.
“Deve ser aqui na Europa que as novas ferramentas de ciberdefesa são desenvolvidas. Para isso, precisamos de uma política europeia para a ciberdefesa, e de nova legislação e standards comuns numa nova lei europeia de ciber-resiliência”, apelou.
Outra novidade que a presidente da Comissão apresentou quando falava sobre a necessidade de tornar a Europa num actor “mais activo” no palco global, tem a ver com a definição de uma nova estratégia de conectividade e parcerias, já baptizada de “Global Gateway”. Von der Leyen não confirmou a data para a divulgação desse plano, mas disse que a estratégia para o Indo-Pacífico, que os líderes europeus acertaram na cimeira informal de Maio, no Porto, serviria de modelo: é um exemplo de como a Europa pode ser mais presente e activa em regiões importantes para a sua segurança e prosperidade, contendo “a expansão da influência de regimes autocráticos” no mundo.
“Com a Global Gateway, vamos construir parcerias com países de todo o mundo. Queremos investir em infra-estruturas de qualidade, para distribuir produtos, ligar pessoas e promover serviços”, com “total transparência”, anunciou Von der Leyen, que fez questão de distinguir o plano europeu “para criar ligações e não dependências” de outras iniciativas, como da Nova Rota da Seda promovida por Pequim. “Não faz nenhum sentido a Europa construir uma estrada perfeita para unir uma mina de cobre detida pela China a um porto que agora pertence aos chineses”, observou, naquela que foi a segunda referência àquele país durante o discurso do estado da União— antes disso, Von der Leyen tinha classificado como “encorajadores” os objectivos fixados por Xi Jinping para uma redução das emissões de CO2 no país.
Em termos de parcerias, ou alianças, nenhuma é mais importante para a UE do que a relação transatlântica com os Estados Unidos da América, reafirmou a presidente da Comissão, para quem a cooperação entre Bruxelas e Washington, por exemplo no financiamento climático, pode fazer a diferença em termos do cumprimento das metas do Acordo de Paris.
A Europa contribuiu actualmente com 25 mil milhões de dólares por ano para a mitigação e adaptação, mas “está preparada para fazer mais”, anunciou Von der Leyen. “Vamos propor um reforço adicional de 4000 milhões de euros para o financiamento climático até 2027, e esperamos que os Estados Unidos também se comprometam com mais”, informou.
Autárquicas: Poder local tem “papel-chave” na resposta aos sem-abrigo
O poder local, que vai a votos no dia 26, tem “um papel-chave” na situação das pessoas sem-abrigo, havendo margem para “respostas mais coerentes” e para apostar na prevenção, constatam dois especialistas ouvidos pela Lusa.
“O poder local, concretamente a autarquia, tem um papel-chave, porque tem as competências da habitação e porque tem, geralmente, o papel de dinamizar e coordenar a intervenção da rede social local”, assinala Henrique Joaquim, gestor da Estratégia Nacional para a Integração de Pessoas Sem-Abrigo 2017-2023.
As orientações são “nacionais” e os princípios são “gerais”, mas “a intervenção tem de ser o mais personalizada possível, portanto, próxima e integrada, olhando para a pessoa como um todo”, realça.
A estratégia nacional assenta numa estrutura de núcleos locais, na qual as autarquias “são essenciais”, corrobora Nuno Jardim, diretor-geral do CASA - Centro de Apoio ao Sem-Abrigo.
“Toda a execução da estratégia é feita no terreno das autarquias. Apesar de haver uma estratégia nacional, é um trabalho que depois é feito muito localmente”, nota.
Nesse contexto, o papel das autarquias tem sido “muito importante”, avalia o responsável daquela instituição de solidariedade social.
“Foi através das autarquias que se conseguiu pôr muita coisa a funcionar, muitos projetos a andar, muito financiamento a ser aplicado”, detalha, considerando que “tem havido uma evolução”.
Ouvidos pela Lusa sobre os desafios do poder local na integração das pessoas sem-abrigo, a propósito das eleições autárquicas que se realizam em 26 de setembro, os dois especialistas concordam que se trata de “um problema social complexo, que não se resolve apenas com uma casa ou com um emprego”, que, portanto, dificilmente uma promessa eleitoral vertida em cartaz de propaganda conseguirá solucionar.
Ainda assim, a habitação, nas suas várias dimensões, é um tema de campanha recorrente em eleições locais.
Ambos concordam também que a exposição do fenómeno ajudou a que “muitos autarcas” hoje já “percebam melhor” a situação de sem-abrigo. Nuno Jardim diz mesmo que isso abriu caminho a “novas respostas”.
A maior consciência da opinião pública “tem provocado positivamente o poder político a atuar de uma forma mais assertiva”, atesta Henrique Joaquim, considerando que o poder local tem “consciência” de que, “independentemente da cor política (…), é necessário e é possível resolver” a situação.
Ainda assim, há “um caminho a percorrer” para consolidar a abordagem de que “o problema não é responsabilidade da pessoa” e “que se pode reverter”.
Para tal, urge “identificar quais são os fatores que levam as pessoas a estar nesta condição e atuar a montante nesses fatores”, defende Henrique Joaquim.
Portanto, “garantir mais vagas” para habitação é urgente, mas também se deve “evitar, se possível, que a pessoa chegue a esta situação”, pondo a prevenção “na agenda”, aponta o ex-presidente da Comunidade Vida e Paz, organização de apoio às pessoas sem-abrigo.
Sendo “um assunto muito complexo”, Nuno Jardim não acredita que possa ser resolvido até 2023, “como se pretendia no início”, com a adoção da estratégia nacional.
“É um processo contínuo e estrutural, porque tem a ver com a pobreza”, lembra.
A habitação é “o principal” desafio na resposta aos sem-abrigo – e “pode ser bastante melhorada”, mas a área dos cuidados de saúde também exige atenção. Em geral, as respostas podem ser “mais coerentes”, sustenta.
A pandemia de covid-19 teve impacto no fenómeno, desde logo o “lado negativo” de ver surgir mais pessoas em situação de sem-abrigo (e com outras necessidades, nomeadamente alimentares). Aqui, as autarquias, juntamente com as associações, foram importantes para “criar respostas”, frisa Jardim.
“Mas também ajudou a catapultar algumas respostas e alguns financiamentos”, obrigando os atores no terreno a tentarem “arranjar soluções”, destaca.
A pandemia “forçou que se acelerasse, se calhar, alguns projetos”, como alojamentos de emergência. “Entrámos todos num processo de quase reinvenção”, resume Jardim, acreditando que essas respostas são “para ficar” e até “para evoluir”.
No dia 26, mais de 9,3 milhões de eleitores poderão votar nas eleições autárquicas, às quais se apresentam mais de duas dezenas de partidos e mais de 60 grupos de cidadãos.
Cerca de 4,5 milhões de pessoas em situação de pobreza extrema em Espanha
No seu relatório mais recente, a EAPN-ES mostra a dimensão da pobreza extrema em Espanha, e derruba alguns mitos: a maioria da população nesta situação é espanhola, alguma tem estudos superiores e emprego.
A Rede Europeia de Luta contra a Pobreza e a Exclusão Social no Estado Espanhol (EAPN-ES) apresentou na sexta-feira passada o informe intitulado «El Mapa de la Pobreza Severa en España. El Paisaje del Abandono».
Segundo o organismo, no Estado espanhol há 4,5 milhões de pessoas em situação de pobreza extrema, 9,5% da população ou quase uma em cada dez pessoas que vivem no país. O fenómeno não é novo e o estudo alerta para a consolidação de uma bolsa de pobreza estrutural, formada por uma parte da população que estava já no «abandono» antes da pandemia.
«O fenómeno não é novo e o estudo alerta para a consolidação de uma bolsa de pobreza estrutural»
Os rendimentos das pessoas em situação de pobreza extrema são inferiores a 40% da média dos rendimentos em Espanha (p. 5). Grande parte desta população está em situação de privação severa e sobrevive com grandes dificuldades, vendo-se forçada a decidir, por exemplo, se paga o aluguer da casa ou a alimentação.
Outra conclusão do relatório é a da consolidação da desigualdade, com o rendimento médio da população que não está em situação de pobreza a quintuplicar o de quem vive em pobreza extrema. Por isso, a EAPN-ES destaca a necessidade de «completar sem mais demora as medidas económicas e sociais de apoio e protecção que foram implementadas apenas muito parcialmente» (p. 9).
O relatório também reflecte desigualdades territoriais, que faz com que estas «bolsas» de pobreza extrema se consolidem mais numas comunidades que noutras: «A taxa de pobreza extrema aumentou em oito regiões, nas quais se acumulam 583 mil novas pessoas em situação de pobreza extrema, e diminuiu noutras nove, nas quais quase 400 mil pessoas deixaram de o estar» (p. 19), afirma.
Desigualdade entre territórios: as Canárias
Entre as comunidades autónomas particularmente afectadas por estas carências, destacam-se as Canárias, Valência e as Astúrias «com percentagens de pessoas em pobreza extrema que oscilam entre 12,2% e 16,7% do total da população» (p. 13), revela o relatório.
Em conversa com El Salto, Juan Carlos Lorenzo, presidente da EAPN-Canarias, manifestou a sua preocupação pelo facto de, em 2020, se ter registado um aumento de 132 mil pessoas em situação de pobreza extrema nas ilhas.
«Mesmo nos anos em que recebemos dez, 13, 15 milhões de turistas nas Canárias, esse desenvolvimento não gerou qualquer tipo de crescimento ou de bem-estar para a maioria da população»
O presidente de EAPN no arquipélago enquadra estes números numa realidade estrutural, lembrando que, na Península, os relatórios costumam mostrar, assim em grandes rasgos, uma divisão entre um Norte mais rico e um Sul com maior índice de pobreza.
«Nas Canárias, a realidade do mundo do trabalho ou da estrutura de protecção social sempre foi de certa provisionalidade, por comparação com outros territórios», diz Lorenzo a El Salto.
«Nas ilhas, também pela sua condição de região periférica e afastada, existem menos oportunidades de trabalho e de protecção social para seguir em frente». Assim, a dependência do sector turístico e dos serviços limita ainda mais o quadro: «Mesmo nos anos em que recebemos dez, 13, 15 milhões de turistas nas Canárias, esse desenvolvimento não gerou qualquer tipo de crescimento ou de bem-estar para a maioria da população.»
Como acontece noutras regiões autónomas, o rendimento mínimo de inserção canário é insuficiente, defende Lorenzo; daí que considere interessante a proposta de um rendimento mínima estatal, que, diz, é uma «medida positiva que precisa de ser melhorada em vários aspectos».
Perfil da pobreza extrema: espanhóis, também com estudos superiores e emprego
Ter filhos é um «factor de risco». De acordo com a EAPN-ES, 39,9% dos lares em situação de pobreza extrema são compostos por dois adultos e um ou mais menores (p. 54). Se a família é monoparental, a situação é preocupante, com 49,1% destas famílias em risco de pobreza e exclusão.
«Quando se trata de lutar contra a pobreza, é verdade que para não ser pobre é preciso ter um trabalho, mas o contrário é falso: como mostram os dados, pode-se conseguir um trabalho e ser pobre e, inclusive, trabalhar e ser muito pobre»
Uma das conclusões do relatório deita por terra um dos lugares-comuns xenófobos, porque não é verdade que as pessoas mais carenciadas sejam migrantes: «Três de cada quatro (71,5%), ou seja, a imensa maioria das pessoas de 16 anos ou mais que estão em pobreza extrema são espanholas» (p. 18). Além disso, se a uma educação melhor correspondem melhores números, isso não significa que as pessoas com educação superior se livrem de entrar neste perfil.
Nem sequer o emprego é um factor decisivo: mais de um quinto (22,2%) das pessoas desempregadas estão em pobreza extrema – mostrando, afirma o informe, «lacunas significativas no sistema de protecção por desemprego» (p. 19). Mas a EAPN-ES também mostra que se pode estar a trabalhar e ser pobre. «Quando se trata de lutar contra a pobreza, é verdade que para não ser pobre é preciso ter um trabalho, mas o contrário é falso: como mostram os dados, pode-se conseguir um trabalho e ser pobre e, inclusive, trabalhar e ser muito pobre» (p. 28), afirma.
Viver em situação de privação material severa implica que o dinheiro não dê para chegar ao fim do mês com frequência, nem para fazer frente a despesas imprevistas, para comer carne, frango ou peixe dia sim, dia não, para ir de férias ou para realizar as actividades de «ócio, cultura e de relações sociais indispensáveis ao desenvolvimento pessoal, bem-estar emocional e melhoria das oportunidades disponíveis» (p. 46), nota o relatório.
Em Portugal, suicidam-se três pessoas por dia. Vamos falar sobre isso?
O problema é demasiado grave para continuar a ser vivido em silêncio. Ordem dos Psicólogos lança documento com orientações que vão da prevenção ao pós-suicídio
Os números são tão violentos quanto a dor. Todos os dias, há em média três pessoas em Portugal que resolvem por termo à vida. No mundo, o rácio sobe para um suicídio a cada 40 segundos (800 mil/ano). Entre os jovens dos 15-34 anos, essa é mesmo a segunda maior causa de morte. E o número de suicídios tentados é 25 vezes superior ao daqueles com desfecho fatal.
O problema é demasiado grave para continuar a ser vivido em silêncio. E, por isso, a Ordem dos Psicólogos Portugueses resolveu assinalar o Dia Mundial Para a Prevenção do Suicídio, que hoje se assinala, com o lançamento do documento "Vamos Falar sobre o Suicídio", uma espécie de guia útil com orientações que vão desde a prevenção até às melhores formas de lidar com o pós-suicídio ou tentativa.
"O suicídio e as tentativas de suicídio resultam e são sinais de grande sofrimento emocional e representam um desafio de Saúde Pública em todo o Mundo, com impactos nas pessoas, mas também nas suas famílias, na sua comunidade e na sociedade", refere a Ordem dos Psicólogos.
"Os motivos que levam alguém a tentar suicidar-sese podem ser muitos e complexos, e afetam pessoas de todas as idades e em qualquer momento do ciclo de vida", nota a Ordem dos Psicólogos, avançando que entre as principais causas que motivam as pessoas a porem termo à vida estão "problemas de saúde psicológica, nomeadamente depressão, perturbação bipolar ou consumo excessivo de álcool".
O documento debruça-se ainda sobre os fatores de risco, que aumentam a probabilidade de alguém considerar suicídio, entre os quais as tentativas prévias de suicídio, histórico de problemas de Saúde Psicológica, histórico de abuso físico ou sexual, histórico familiar de problemas de Saúde Psicológica e de suicídio, existência de uma doença grave, incapacitante ou dor crónica, acontecimentos traumáticos recentes na vida pessoal (desde acidentes a divórcios, mortes de pessoas próximas ou perda de emprego), situações de vulnerabilidade como pobreza, desemprego, perdas financeiras, guerras, desastres naturais, discriminação e exclusão social, bullying e ciberbullying, conflitos em torno da identidade sexual, bem como situações de falta de apoio social e sentimentos de solidão.
A estes fatores, a Ordem dos Psicólogos contrapõe outros que podem promover a proteção de pessoas em situação vulnerável, salientando a importância do "acesso a cuidados de Saúde Psicológica", e uma "rede de apoio social e conexões fortes com familiares, amigos e restante comunidade". "As relações que estabelecemos com os outros podem ajudar-nos a viver mais e mais felizes", acrescenta.
O documento que será lançado hoje engloba ainda uma secção dedicada a desmontar, com factos, alguns mitos em torno do suicídio e deixa dicas úteis sobre como agir em diversas situações relacionadas com vivências suicidárias, próprias ou de terceiros, bem como sinais de alerta para identificar situações de emergência.
A Ordem dos Psicólogos sublinha ainda a recomendação mais importante nestas situações: "Procurar ajuda". Seja de um familiar, de um amigo, de um psicólogo, ou, em caso de emergência, recorrendo às linhas telefónicas 112 (INEM) ou 808 24 24 24 (acompanhamento psicológico da Linha SNS24).
14.9.21
Como aproximar os cidadãos do poder local?
in RR
“Democracia Local em Portugal” é o tema do novo ensaio da Fundação Francisco Manuel dos Santos e também o ponto de partida para o debate no programa Da Capa à Contracapa desta semana.
A democracia local é muito mais do que a eleição periódica de câmaras municipais, juntas de freguesia e respetivos presidentes. É também muito mais do que a expressão da vontade das maiorias, é um espelho da democracia nacional.
“Democracia Local em Portugal” é o tema do novo ensaio da Fundação Francisco Manuel dos Santos e também o ponto de partida para o debate no programa Da Capa à Contracapa desta semana.
Como aproximar os cidadãos do poder local? O autor do livro, António Cândido de Oliveira, e o empresário Telmo Faria, antigo presidente da Câmara de Óbidos, são os convidados deste programa moderado pelo jornalista José Pedro Frazão.
Papa abraça comunidade cigana. “Precisamos de passar dos preconceitos ao diálogo”
Os “frutos aparecem” nos locais onde se dá “atenção à pessoa, onde existe trabalho pastoral, onde há paciência e ações concretas”, disse Francisco num encontro realizado numa zona pobre da cidade de Košice.
É preciso deixar os preconceitos de lado e passar ao diálogo e à integração, defendeu esta terça-feira o Papa Francisco durante um encontro com a comunidade cigana da Eslováquia.
“Digo-vo-lo do coração – sede bem-vindos! Senti-vos sempre de casa na Igreja e nunca tenhais medo de habitar nela. Que ninguém vos afaste, a vós ou a qualquer outra pessoa, da Igreja”, declarou o Papa no Bairro Luník IX, na cidade de Košice.
Os ciganos, ou romani, são uma minoria que compõe cerca de 2% da população da Eslováquia e, tal como em muitos outros países europeus, têm sido vítimas de discriminação ao longo das décadas, tendo problemas de integração social.
Francisco foi ao encontro desta comunidade e apelou ao fim dos preconceitos que marginalizam e excluem pessoas da sociedade.
“Quantas vezes os juízos não passam realmente de preconceitos, quantas vezes adjetivamos! Deste modo desfiguramos com as palavras a beleza dos filhos de Deus, que são nossos irmãos. Não se pode reduzir a realidade do outro aos próprios modelos pré-concebidos, não se podem rotular as pessoas. Antes de mais nada, para conhecê-los verdadeiramente, é preciso reconhecê-los: reconhecer que cada um traz em si a beleza incancelável de filho de Deus, no qual se espelha o Criador,”
O Papa reconhece que os romani, muitas vezes ao longo da história, foram “objeto de preconceitos e juízos cruéis, estereótipos discriminatórios, palavras e gestos difamatórios”.
“Com isso, todos ficamos mais pobres, pobres em humanidade. O que precisamos para recuperar a dignidade é passar dos preconceitos ao diálogo, dos fechamentos à integração”, defende.
Para Francisco, os “frutos aparecem” nos locais onde se dá “atenção à pessoa, onde existe trabalho pastoral, onde há paciência e ações concretas”.
Os resultados não são imediatos e é preciso tempo, sublinha, “mas eles aparecem”.
“Juízos e preconceitos só aumentam as distâncias. Contrastes e palavras duras não ajudam. Colocar as pessoas em guetos não resolve nada. Quando se cultiva o fechamento, mais cedo ou mais tarde acaba por explodir a raiva. O caminho para uma convivência pacífica é a integração”, sublinha o Papa.
O dia do Papa termina com um encontro com jovens no Estádio Lokomotiva, ainda em Košice, depois do qual segue de novo para Bratislava.
Francisco termina a sua viagem à Eslováquia na quarta-feira com uma missa no Santuário Nacional de Šaštin, antes de partir de volta para Roma, onde chega às 14h30, hora de Portugal continental.
TÓPICOS
Novo recorde no preço da eletricidade no mercado ibérico previsto para quarta-feira
A sucessão de recordes no preço grossista do mercado ibérico espelha principalmente o aumento do custo do gás natural no mercado internacional
O preço grossista da eletricidade na Península Ibérica vai bater outro recorde na quarta-feira, 15 de setembro. De acordo com o preço publicado no Omie.es, no mercado ibérico o valor médio diário atingirá os 172,78 por megawatt hora (MWh), numa altura em que os preços da energia já são a componente que mais provoca a subida da taxa de inflação no país vizinho.
A sucessão de recordes no preço grossista do mercado ibérico espelha o aumento do custo do gás natural no mercado internacional e também os preços recorde das licenças de emissão de dióxido de carbono.
Nos períodos em que as fontes renováveis não abundam e não conseguem suprir a totalidade da procura o sistema elétrico tem de recorrer a centrais termoelétricas, ficando mais exposto aos elevados preços das centrais de ciclo combinado a gás natural.
Impacto da descida do IRS em 2022 depende das taxas de retenção
Para o desdobramento dos escalões se sentir ao longo do próximo ano, Governo terá de reflectir as alterações nas tabelas mensais. Em 2018, só o fez parcialmente.
A reformulação dos escalões do IRS que o Governo está a preparar para 2022 deverá desagravar a carga fiscal de alguns contribuintes, mas o impacto dessa descida nos salários e nas pensões ao longo dos meses ainda é uma incógnita, porque dependerá da forma como o ministro das Finanças, João Leão, ajustar as tabelas de retenção na fonte.
Actualmente, há sete patamares de rendimento. O primeiro-ministro admitiu na semana passada que o executivo está a estudar mexer no terceiro e sexto escalões, isto é, nos patamares de rendimento colectável dos 10.732 euros aos 20.322 euros, e dos 36.967 aos 80.882 euros. Mas nada mais se sabe de forma oficial.
Quando, em 2018, o primeiro Governo de António Costa aumentou o número de escalões de cinco para sete e alterou as taxas gerais (aquelas que servem para calcular efectivamente o imposto a pagar sobre todo o rendimento auferido num ano completo), o executivo também ajustou as tabelas de retenção (as taxas através das quais é descontado o IRS todos os meses nos salários e nas pensões), mas não reflectiu aí toda a descida do IRS e mesmo em 2020 as tabelas continuavam desajustadas.
Agora que se prepara para reformular de novo os escalões, a dúvida volta a colocar-se. “Para que a redução da carga fiscal se faça sentir em 2022, as tabelas de retenção na fonte deveriam ser alteradas e acompanhar a redução decorrente da reformulação dos escalões”, refere ao PÚBLICO Ana Duarte, do departamento fiscal da consultora PwC.
Mesmo quando o Governo revelar a proposta do Orçamento do Estado para 2022 em Outubro, é expectável que ainda não haja uma fotografia da dimensão da redução da carga fiscal mensal de 2022, porque, por norma, as tabelas de retenção só são publicadas em Dezembro ou no mês de Janeiro do próprio ano de rendimentos.
Até lá, sublinha Ana Duarte, fica a dúvida se a redução da carga fiscal “se irá reflectir mensalmente” em 2022 ou apenas “a meio do ano de 2023”, após a entrega das declarações de IRS referentes ao ano de 2022.
O fiscalista Luís Leon recorda que a história mostra-nos “num passado recente” que o Governo optou por distribuir o impacto orçamental ao longo dos anos. Fê-lo com a reformulação dos escalões em 2018 e com a eliminação progressiva da sobretaxa de IRS, aponta.
Estancar a descida
Ana Duarte lembra que é com base nas tabelas de retenção, publicadas anualmente, que as entidades patronais efectuam, todos os meses, “a retenção na fonte de IRS sobre o valor do salário pago”. O montante é, depois, deduzido “ao valor final de IRS devido, após a entrega da declaração anual de IRS, apurando-se assim um valor adicional de IRS a pagar ou a reembolsar”.
Para apurar o imposto final, o que conta são as taxas do IRS e, como elas são aplicadas de forma progressiva (isto é, a taxa sobe à medida que se sobe em cada patamar de rendimento), se for alterado o “valor do limiar de um escalão de rendimento” ou a taxa “correspondente a um determinado escalão”, essa mudança “tem impacto em todos os níveis de rendimento deste escalão e, em princípio, dos escalões acima”, explica a especialista da PwC.
António Costa referiu ser necessário mexer no terceiro e sexto. Mas se o quarto e quinto escalões não sofrerem alterações, refere Ana Duarte, estes dois degraus “podem vir a ser utilizados para atenuar/estancar o efeito da redução da carga fiscal para os contribuintes dos escalões acima, tal como sucedeu na última revisão dos escalões ocorrida em 2018”. Por isso, diz, a redução da carga fiscal “poderá ser mais acentuada em termos relativos para os contribuintes do terceiro escalão do que para os contribuintes do sexto”.
A especialista da PwC ressalva que, “sem serem conhecidos os novos valores do limiar dos escalões e as respectivas taxas, somente podemos referir que é expectável [haver] uma redução da carga fiscal para alguns contribuintes”.
Ao mesmo tempo será determinante “saber se serão propostas alterações aos limites e natureza das despesas dedutíveis à colecta do IRS (despesas de saúde, educação, etc.)”, porque elas podem ter impacto na redução da carga fiscal que decorre da reformulação dos escalões.
No desdobramento de 2018, recorda Luís Leon, o nível de fiscalidade dos rendimentos acima dos 36 mil euros compensou “a descida do imposto abaixo”.
Herança de Centeno
Não é possível dizer neste momento, com exactidão, quantos contribuintes deverão beneficiar das alterações, porque as estatísticas do fisco apresentam a informação organizada em patamares de rendimento desencontrados dos sete da tabela do código do IRS.
O ministro das Finanças, João Leão, afirmou há dias, à Lusa, que o desdobramento não implicará um aumento da carga fiscal.
O fiscalista Luís Leon recorda que o nível da carga fiscal em Portugal continua nos 35% do Produto Interno Bruto (PIB), recordado que a fotografia ao Orçamento do Estado não pode ser tirada apenas olhando para o IRS, mas para o conjunto de alterações que nele existam tanto nos impostos directos como nos indirectos – porque, recorda, outros OE implicaram agravamentos nos segundos, como no imposto sobre produtos petrolíferos e energéticos, no imposto do selo ou no imposto sobre as bebidas açucaradas.
“Aproximadamente 90% dos portugueses são trabalhadores por conta de outrem ou pensionistas. Quando se diz que vamos aliviar o IRS aos trabalhadores e reformados para aumentar [a tributação] sobre os consumidores é ignorar que são os mesmos”, afirma Leon.
A ideia de voltar a aumentar o número de patamares de rendimento começou a ser estudada quando Mário Centeno ainda era o ministro das Finanças.
O Governo tinha em mente alterar os escalões para 2021, o que implicava ter a medida pronta no Orçamento do Estado discutido há um ano, mas, com a pandemia, o executivo decidiu adiar a mudança. Costa relançou-a no início de Setembro, antes das negociações com os partidos à esquerda.
Esforço financeiro dos portugueses é o sétimo maior na OCDE
Portugal é um dos dez países em que os cidadãos sentem as finanças mais apertadas, dentro da OCDE. Ainda assim, num estudo da plataforma Compare The Market, Portugal está em melhor posição que Espanha
Portugal é o sétimo país onde o esforço financeiro dos cidadãos é maior, comparado aos restantes países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), aponta um estudo do portal Compare The Market.
"Desde uma pessoa assegurar que tem dinheiro suficiente para pagar as contas, cobrir o custo de vida e até garantir que tem um emprego, o dinheiro pode ser um dos maiores fatores de stress. Mas que países têm o pior cenário?", introduz a Compare the Market, uma plataforma que se dedica a comparar o valor associado a seguros, viagens, energia, e outras opções do dia-a-dia.
Para colocar Portugal em sétimo lugar, foram considerados cinco fatores, pelos quais foi comparado com os restantes 34 países. Por cá, o salário médio considerado foram os 981 dólares (829 euros), uma taxa de desemprego de 7,2%, um preço médio por metro quadrado de 2.549 dólares, rendas em torno dos 1.019 dólares e um custo de vida de cerca de 2.223 dólares.
Costa Rica, Colômbia e Grécia foram eleitos os três países mais pressionados financeiramente. Com um maior aperto que Portugal aparecem ainda o Chile, a Turquia e finalmente a vizinha Espanha, que ficou no sexto lugar.
No extremo oposto ficou a Austrália, o país onde o esforço financeiro é mais pequeno dentro da OCDE, seguida da Dinamarca e finalmente da Alemanha. A Austrália, a mais bem classificada, conseguiu uma pontuação de 3,75, que compara aos 6,70 da Costa Rica e aos 5,77 de Portugal.
Mulheres sem abrigo são mais do que parece. Algumas identificam-se como mães, embora desacompanhadas
Primeira tese de doutoramento sobre mulheres em situação de sem abrigo traça caminho percorrido até aquele ponto e mostra importância que atribuem às relações, sobretudo as de maternidade.
As mulheres em situação de sem abrigo não são tão poucas como parece: mais depressa encontram alternativas à rua e quando não o fazem tendem a camuflar-se. Muitas continuam a identificar-se como mães, apesar de não estarem acompanhadas pelos filhos.
A primeira tese de doutoramento feita em Portugal sobre mulheres sem-abrigo tem natureza exploratória e está escrita em inglês: Wome’s Homelessness and Housing Exclusion in the Northern Lisbon Metropolitan Area: An In-depth Exploratory Study.
É uma médica especializada em Gastrenterologia a autora desta tese de doutoramento em Ecologia Humana, defendida em Junho deste ano na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. Chama-se Sónia Nobre e conta 45 anos.
Em 2011, durante a crise da dívida, começou a fazer voluntariado numa organização não-governamental, a Médicos do Mundo, na Área Metropolitana de Lisboa. Nunca lidara com pessoas sem tecto. As rondas que fazia prestando cuidados de saúde primários levaram-na a questionar-se sobre tudo aquilo. “Até que ponto a intervenção é eficaz?”
A medicina não lhe dava todas as respostas. Percebendo a importância dos contextos, procurou-as nas ciências sociais e humanas. Em 2014, suspendeu a actividade médica para se dedicar ao doutoramento.
Chegar às mulheres era, por si só, um processo lento. Nessa busca, percorreu as ruas de Lisboa com “muita persistência”. Também pediu ajuda a várias instituições que trabalham no terreno.
Fixou-se em 34 mulheres dos 18 aos 68 anos. Algumas viviam na rua, outras em centros de alojamento temporário. Queria percebê-las, conhecer as suas rotinas, o seu quotidiano. “Ficava a conversar com elas de forma informal. Acompanhava-as ao café. Fazia-lhes companhia.”
O trabalho, feito entre 2015 e 2018, combina a etnografia com entrevistas biográficas aprofundadas. Traça caminhos percorridos até à situação de sem abrigo, estratégias usadas para lidar com a situação, as representações, o acesso à habitação, as percepções sobre o futuro.
Conceito mais abrangente
Sónia Nobre não quer que se pense que “as mulheres em situação de sem abrigo são poucas e estão na rua”. Isso é só um estereótipo.
O conceito adoptado por Portugal é restrito. Os últimos dados conhecidos, apurados em Dezembro de 2019, apontam para 4340 sem-abrigo, isto é, pessoas a viver em centros de alojamento temporário, alojamentos específicos para pessoas sem casa, quartos pagos pelos serviços sociais. E 2767 pessoas sem tecto, isto é, a viver no espaço público (ruas, jardins, viadutos, estações de transportes públicos), locais precários (carros abandonados, vãos de escada, casas abandonadas). Num caso e noutro, as mulheres representavam apenas 20%.
A investigadora adoptou a “Tipologia Europeia sobre Sem-Abrigo e Exclusão Habitacional”. O conceito abrange, por exemplo, os centros para mães solteiras e as casas abrigo para vítimas de violência doméstica. Para que se tenha uma noção da volta que isso dá aos números globais bastará saber que no segundo trimestre deste ano havia 718 mulheres e 16 homens nas estruturas da Rede Nacional de Apoio às Vítimas de Violência Doméstica.
A investigadora refere outras situações de sem abrigo camufladas que mais depressa são protagonizadas por mulheres: passar uns tempos em casa de familiares ou amigos; aceitar trabalhar como empregada interna; precipitar a coabitação com um namorado só para ter onde morar. “São soluções em regra temporárias, precárias e eventualmente inseguras, mas é, muitas vezes, quando se esgotam estes recursos informais que as mulheres recorrem aos serviços de apoio”, diz. A situação pode ir de casas de familiares para quartos, centros de alojamento, rua.
Mesmo quando pernoitam no espaço público, as mulheres tendem a ser menos avistadas. Um número significativo (26 em 34) das que Sónia Nobre estudou esteve algum tempo sem tecto. Todas empregavam estratégias de invisibilidade. “Pernoitam em sítios escondidos, pelo mínimo tempo possível, habitualmente sozinhas.”
Nem só a segurança as levava a fazer um esforço de ocultação. Disfarçar é uma forma de conservar alguma dignidade. Sónia reparou como cuidar da aparência e da higiene pessoal é importante para elas. “Quem olhasse para a maioria delas não as reconheceria como sem-abrigo”, acredita. “Apresentam-se como qualquer pessoa, de modo convencional. Desafiam a imagem convencional da pessoa que está na rua, de aparência descuidada, suja, carregada de pertences. Ficam, por exemplo, no aeroporto, numa sala de espera de hospital, num carro.”
Culminar de longo percurso
A investigadora também quer desfazer a ideia feita de que “as mulheres em situação de sem abrigo são todas toxicodependentes, envolvidas em trabalho sexual, com doença mental”. “Quando nos aproximamos o suficiente para conhecer as suas histórias de vida percebemos o quanto essa imagem é redutora, o quanto a situação de sem abrigo é condicionada por factores estruturais, como a pobreza persistente ou o acesso à habitação.”
Procurando o que precipitou a situação, Sónia Nobre encontrou “dificuldades em casa, saída de lares de crianças e jovens em perigo, fim de relações amorosas, violência doméstica, despejo ou risco de despejo, uso de substâncias, saída da prisão”. Através das entrevistas biográficas, foi percebendo como aquilo era “o culminar de circunstâncias e eventos complexos e entrelaçados”.
Muitas das suas entrevistadas viveram episódios dramáticos logo no início das suas vidas que “minaram os seus percursos”. A morte de familiares, a negligência, a violência doméstica, o abandono escolar precoce. Que rede informal de apoio tem quem cresceu numa família desestruturada ou numa instituição? A que salário pode aspirar quem nem fez a escolaridade obrigatória?
A falta de conhecimento sobre os serviços disponíveis é uma barreira. Muitas pessoas nem sabem que, vendo-se na iminência de ficar na rua, podem ligar para a linha de emergência social (144).
Mães não acompanhadas
Não se identificam como sem-abrigo, as mulheres que participaram neste estudo. Admitem não ter habitação, mas não deixam que isso as defina. “Elas articularam uma infinidade de experiências e papéis através dos quais se foram definindo, incluindo ser mães, avós, filhas, esposas, amigas, trabalhadoras, ajudantes de outros, vítimas de violência doméstica, ex-reclusas, toxicodependentes e por aí fora.”
Nas conversas que iam tendo com a investigadora, falavam amiúde nas suas ligações. “As suas fontes de motivação e alegria passam amiúde pelas relações interpessoais, pelo anseio de retomar contacto ou de voltar a viver com os seus filhos”, enfatiza Sónia Nobre.
Muitas (26) identificam-se como mães. Algumas (13) até têm filhos menores à guarda de familiares ou instituições. “Tinha havido uma separação por motivos que frequentemente envolveram a falta de recursos económicos, habitacionais, de apoio informal”, descreve. “Quando entram nos serviços, o seu estatuto de mães não é reconhecido e, por conseguinte, as suas necessidades relacionadas com a maternidade não são tidas em conta.”
Essa falta de reconhecimento de que são mães não acompanhadas prejudica a sua inclusão. “A resposta habitacional para quem tem crianças é mais rápida. Quem não tem crianças não tem prioridade. Isto é perverso”, ajuíza. “Estas mulheres muitas vezes separaram-se dos filhos por não terem condições para ficar com eles em contextos de violência doméstica. Depois não conseguem ser apoiadas para se reunir com eles.”
Mesmo sem filhos, algumas não abandonam o papel. Diz a investigadora que nisso as mais velhas se distinguem das mais novas. Tendem a permanecer nos abrigos por períodos mais longos pelo baixo rendimento, pela dificuldade de acesso ao mercado de trabalho, pela protecção social insuficiente, pela falta de habitação acessível, mas também por serem mais propensas a desempenhar o papel de ajudantes ou cuidadoras das outras.
Recomendações
A investigadora conhece bem a Estratégia Nacional para a Integração das Pessoas em Situação de Sem-Abrigo 2017-2023. Em seu entender, não presta atenção às necessidades específicas das mulheres. Faz recomendações muito “focadas na prevenção da situação de sem-abrigo no feminino e em intervenções destinadas a responder às necessidades específicas das mulheres nesta situação”.
Na prevenção, receita “reduzir a pobreza e a desigualdade de género, reforçar os meios de protecção social, ter uma política habitacional favorável”. No plano da intervenção, reclama medidas concretas.
“É preciso mais informação sobre os serviços e os apoios disponíveis”, aponta Sónia Nobre. “É preciso considerar subgrupos nas políticas de intervenção, nomeadamente mulheres jovens e idosas. É preciso agir em pontos de maior vulnerabilidade, como despejo, violência doméstica, saída de estruturas de acolhimento para crianças e jovens e de estabelecimentos prisionais”, prossegue. “É preciso que os políticos se comprometam com a aplicação efectiva do que está preconizado na estratégia, incluindo soluções habitacionais estáveis e seguras.”
O estudo põe em evidência a diferença entre mulheres de idades distintas: “As necessidades e prioridades de uma jovem que aspira a formação, emprego e a reunir-se com seus filhos menores são diferentes das de uma mulher de meia-idade que tem uma história de consumo de drogas, está envolvida em sexo de sobrevivência, tem problemas de saúde, ou as de uma mulher idosa com incapacidade permanente que não tem recursos pessoais ou financeiros, excepto a prestação para a inclusão”, lê-se.
A tese demonstra que, apesar de separadas dos filhos, a maternidade integra a “identidade” destas mulheres, é “uma fonte de motivação e de propósito de vida”. Defende-se então que os serviços devem reconhecer a condição de mães dessas mulheres e apoiá-las nos seus esforços para fortalecer ou restaurar esse papel.
A investigação também enfatiza a relação entre violência doméstica e sem-abrigo. Tradicionalmente, os dois fenómenos têm sido tratados separadamente. Faz a defesa da importância de aumentar a conscientização de quem trabalha nesta área sobre esta relação para que estas mulheres não vão parar à rua e para que se possa “responder de forma mais adequada às necessidades das vítimas em termos de oferta de habitação segura e sustentável”.
Na tese, Sónia Nobre chama ainda a atenção para a relevância do acompanhamento. “Para algumas, o apoio personalizado e contínuo após a saída de um abrigo, combinado com soluções habitacionais diversas e sustentáveis e uma fonte de rendimento adequada e confiável (por exemplo, por meio da integração no mercado de trabalho, embora nem todas as mulheres sejam empregáveis), pode garantir que continuam abrigadas e não embarcam num ciclo de retorno.”
Envelhecer no mundo digital
O conceito Ambientes de Vivência Assistida tem como objetivo central apoiar o desenvolvimento de soluções tecnológicas que promovam o envelhecimento.
A tecnologia conquistou um lugar central no cotidiano de todos nós. O papel desta na promoção de soluções de apoio a um envelhecimento ativo e saudável, tem sido essencial na resposta aos desafios relacionados com o aumento da esperança média de vida da população e dos problemas associados.
Os números do Eurostat são claros, os europeus vivem mais do que nunca, prevendo-se que mais de metade da população da União Europeia terá mais de 65 anos em 2070. Esta evidencia tem implicações profundas, não apenas na sociedade, mas também na tomada de decisão de governos e empresas, bem como no desenho das nossas cidades.
Em 2021, a organização mundial de saúde define, no âmbito do relatório para uma Década do Envelhecimento Saudável (2021-2030), objetivos interrelacionados que todos os cidadãos sénior devem usufruir: a capacidade de atender às necessidades básicas; continuar a aprender e a tomar decisões; ter mobilidade e acessibilidade aos espaços públicos e assim construir e manter relacionamentos; e contribuir ativamente para a sociedade.
A independência e qualidade de vida dos cidadãos sénior na sociedade através de modelos sustentáveis de apoio à saúde e assistência social, mercados de trabalho, finanças públicas, bem como à segurança, à escala da casa e da cidade, são desafios do conceito Ambientes de Vivência Assistida, do inglês Ambient Assisted Living (AAL).
O conceito AAL tem como objetivo central apoiar o desenvolvimento de soluções tecnológicas que promovam o envelhecimento ativo, tendo sempre em conta as necessidades bio-psico-sociais, recursos humanos e materiais disponíveis. Neste contexto, as tecnologia de informação e comunicação (TIC) assumem protagonismo na criação de produtos, serviços e sistemas para fornecer às pessoas mais vulneráveis num ambiente seguro, que melhore a sua qualidade de vida e reduza os custos de saúde e assistência social associados.
O programa europeu AAL apresenta um conjunto de histórias de sucesso que visam melhorar a qualidade de vida e a autonomia dos mais velhos, através de projetos de natureza inovadora, internacional e multidisciplinar, nomeadamente, gestão da doença crónica, inclusão social, acesso a serviços online, mobilidade, gestão de atividades diárias e apoio por cuidadores informais. A perspetiva é ampla e inclui, diferentes tipos de projetos: AAL em casa (casa de família, casa/apartamentos com abrigo ou apoio, casa de repouso, etc.) e no espaço público (móvel); AAL na comunidade e AAL no trabalho.
Em Portugal, as parcerias estabelecidas no âmbito da investigação, como universidades e centros tecnológicos, através de processos participativos envolvendo os vários setores da sociedade, instituições de saúde públicas e privadas (hospitais, companhias de seguros ou as operadoras de telecomunicações), tem possibilitado codesenhar e disseminar soluções fundamentais para a entrada em novos mercados.
As parcerias e recursos AAL tem, também, uma missão fundamental nas cidades. O projeto Porto4Ageing, com mais 90 organizações – Decisores/Prestadores de Cuidados; Empresas/Indústria; Academia/Investigação e Sociedade Civil/Utilizadores –, é um exemplo na promoção e convergência local para atingir os objetivos propostos para a próxima década. Como afirmam, “o sucesso do uso de ferramentas digitais na área do envelhecimento ativo e saudável depende da contribuição ativa dos ecossistemas de inovação locais e regionais e das suas organizações, incluindo a indústria, a sociedade civil, as universidades e os decisores públicos”.
500 mil euros para projetos sociais. Abrem candidaturas aos Prémios ao Valor Social da Cepsa
A Fundación Cepsa vai manter a dotação excecional de 500 mil euros para distribuir entre os projetos vencedores, aumentada na edição anterior devido à situação de crise provocada pela pandemia.
A Fundación Cepsa as inscrições para a 17.ª edição dos Prémios ao Valor Social, que visam reconhecer e incentivar diferentes projetos sociais que promovam a inclusão e a qualidade de vida de pessoas ou grupos mais desfavorecidos. Este ano o foco de atuação foi ampliado a iniciativas sustentáveis que contribuam para a transição energética. A fundação da petrolífera tem um orçamento global de 500 mil euros para apoiar projetos sociais desenvolvidos em Portugal, Madrid, Canárias, Huelva e Campo de Gibraltar, Colômbia e Brasil, países onde tem operação.
Este ano o foco de atuação dos Prémios abrange ainda iniciativas sustentáveis que promovam a transição energética. Os júris participantes vão, assim, valorizar de forma positiva, embora não com caráter de exclusão, os projetos que, para além de apoiarem grupos vulneráveis, tenham em consideração a promoção das energias renováveis, a eficiência energética, a mobilidade de baixas emissões, a proteção da biodiversidade ou a divulgação no combate às alterações climáticas.
Zona II. Aqui há bolsas de estudo para jovens criativos
“Estamos convencidos de que apostar em medidas que favoreçam a transição energética é uma das formas mais diretas de garantir o bem-estar social a longo prazo, por isso valorizaremos positivamente os projetos sustentáveis”, afirma Cristina Ortiz, diretora da Fundación Cepsa, em comunicado.
Nesta nova edição, a Fundación Cepsa vai manter a dotação excecional de 500 mil euros para distribuir entre os projetos vencedores, aumentada na edição anterior devido à situação de crise sanitária e social provocada pela pandemia. “Esta dotação é mantida com o objetivo de continuar a apoiar os grupos menos favorecidos, aumentando de 12 mil para um máximo de 15 mil euros o montante por projeto vencedor num contexto socioeconómico complexo para entidades do terceiro setor”, detalha a empresa.
“Dada a complexidade da situação que vivemos devido à pandemia, e que se prolongou ao longo do tempo, consideramos que é necessário manter esta dotação extraordinária para contribuir junto dos projetos que ajudam os grupos mais vulneráveis. Por isso, aumentámos o valor por projeto vencedor”, explica a diretora da fundação.
Nestes prémios podem participar projetos sociais desenvolvidos em Portugal, Madrid, Canárias, Huelva e Campo de Gibraltar, Colômbia e Brasil, zonas geográficas nas quais a Cepsa tem uma atividade relevante e laços estreitos com a comunidade.
As entidades que pretendam participar podem apresentar os seus projetos de 9 a 30 de setembro através do website da fundação (www.fundacioncepsa.com).
No próximo mês de dezembro será anunciada a decisão de cada um dos júris locais, com a participação de representantes institucionais ligados ao campo da ação social. Posteriormente, os colaboradores da Cepsa irão escolher mais cinco projetos vencedores.
Três amigos usam o Instagram para fazer “currículos” de pessoas que vivem na rua — e arranjar-lhes trabalho
“Un Mismo Equipo” é o nome do projecto criado por três espanhóis que pretendem tirar pessoas de situação de exclusão arranjando-lhes um emprego. Em três meses, a conta de Instagram já tem 16 mil seguidores e já conseguiu trabalho para dez pessoas em situação de sem-abrigo.
“Marian procura urgentemente emprego em Madrid. Tem bastante experiência e é encantador”: assim começa uma conta de Instagram que, em apenas três meses, já ajudou dez pessoas em situação de sem-abrigo a encontrar trabalho. É gerida pelos espanhóis Gonzalo Perales, Pablo García e Miguel Jiménez, que, enquanto vagueavam pelas ruas de Madrid, se lembraram de descobrir e contar a história dos que lá vivem, na esperança de os ajudar a sair da situação de vulnerabilidade.
Nasceu assim uma espécie de “rede de talentos” desconhecidos que, como qualquer outra página numa rede social, “pode ser muito potente se a souberes usar”, afiança Perales. Foi o próprio que a impulsionou quando, na sua página pessoal, a divulgou. O sucesso foi tanto que, numa questão de dias, começaram a aparecer propostas de emprego: “No mesmo dia em que abri o perfil no Instagram, lançámos também o site e contratámos um senhor que estava na rua e fazia parte da minha rede do Linkedin”, conta Perales ao El País.
Juntou-se a Miguel Jiménez, criaram uma associação e baptizaram o projecto — Un Mismo Equipo. Aconteceu tudo muito rápido: já estão em fase de crescimento e prestes a transformar o projecto numa startup que deverá dispor de uma lista muito vasta e diversa de profissionais: carpinteiros, camareiros, directores de comunicação ou chefs. Os perfis são, na sua maioria, de homens com mais de 50 anos, não só de Madrid, mas também de outras regiões de Espanha.
“Há pessoas que não têm roupa, apartamento ou transporte. Precisam de carregamentos no telemóvel até que tenham o primeiro salário. O que estamos a fazer é ponderar quanto custa tirar uma pessoa de uma situação tão frágil como esta e a ideia é que a partir deste Outono comecemos a falar com diversas empresas para que, além de contratar, nos possam doar dinheiro ou material durante a transição”, refere Perales, citado no mesmo texto.
Mas mesmo que não tenham ainda dado esse passo, já podem congratular-se por ter ajudado Iván (nome fictício) a voltar ao mercado laboral, depois de meses a viver na rua e com problemas de alcoolismo. “Era o mais novo. É complicado ter uma conversa normal e ser razoável com quem já leva muito tempo na rua, e eu não queria terminar assim”, confessa Iván, a viver em Salamanca.
“No primeiro mês [a viver na rua] perdi 30 quilos, porque só comia duas barras de chocolate por dia. Não sabia de associações, não tinha amigos, tinha perdido tudo”, refere o informático de 39 anos que, durante os últimos meses, procurou livros no caixote do lixo para depois os vender e conseguir assim algum dinheiro.
Sobre os criadores do Un Mismo Equipo, diz: “Não ajudam todos, mas aqueles que vêem ter algo aqui dentro. Deram-me um telemóvel para que pudesse fazer entrevistas. Custou-me conseguir trabalho porque, na área da informática, um ano sem trabalhar nota-se. Começo a trabalhar na próxima segunda-feira e estou muito feliz. Só me falta casa, está complicado. A ver se consigo antes de começar”, auspicia.
Iván não foi o único. Outra pessoa em situação de sem-abrigo, que prefere não divulgar a identidade por não querer que a filha de 17 anos saiba que há um ano e meio pede pelas ruas, conseguiu trabalho como estofador de motas, com a ajuda da associação. Durante esse tempo, chegava a casa com três ou quatro euros; num dia de sorte conseguia uma nota: “Perdi dez quilos por causa dos nervos. Nos quatro primeiros meses não pregava olho, não por mim, mas pela minha filha. Não desejo isto a ninguém. Às vezes não comia por ela”, lamenta.
Todas as semanas chegam cerca de 20 emails à Un Mismo Equipo, muitos são de cartazes de empresas que procuram funcionários. Na página de Instagram, vão publicando fotografias de potenciais candidatos, juntamente com um pequeno perfil. Os seguidores vão perguntando novidades, se Marian já arranjou emprego, aplaudem quando os gestores da página contam que Fernando conseguiu emprego como director de comunicação. E também partilham histórias de pessoas com quem se vão cruzando na rua, na esperança de lhes mudar o rumo.
Os criadores do projecto também pedem donativos para conseguirem proporcionar alojamento, transporte, telefone, higiene, comida e roupa. Durante o Verão, contam no Instagram, tiraram dinheiro das suas próprias poupanças para conseguirem fornecer tudo isto àqueles que se encontram em situação de exclusão. E adiantam que, em breve, vão abrir um programa de voluntariado para todos os que estão interessados em ajudar. Afinal, é isso mesmo que o projecto pretende, como o nome já adianta. Que todos joguem na mesma equipa.
10.9.21
OIKOS denuncia. Controlar a Covid foi pretexto para fazer “controlo social e político"
Diretor executivo desta organização reclama ainda mais apoio por parte de organizações internacionais para lutar contra a pandemia nos países em desenvolvimento.
A OIKOS já leva mais de 30 anos de atividade. Esta organização de cooperação para o desenvolvimento nasceu em Portugal, mas atualmente o seu trabalho estende-se por vários países em África e na América Central. Quando estala a pandemia, o trabalho remoto foi o menor dos problemas.
“Temos uma equipa de gestão administrativa e contabilística na sede da OIKOS que acompanha projetos em todo o mundo”, começa por esclarecer o diretor executivo João Fernandes, para depois concluir que é quase igual “estar em teletrabalho em casa ou estar a trabalhar no escritório da OIKOS”.
Mas se o trabalho remoto não era grande dificuldade, o mesmo já não se pode dizer da preocupação de não despedir ninguém.
“Em Portugal temos cerca de 15 pessoas, mas em Moçambique e nos restantes países são mais de 60 pessoas que temos a trabalhar por nossa conta, para além de trabalharmos com parceiros que eles próprios têm recursos humanos, mas que dependem de transferências financeiras que nós fazemos”, diz João Fernandes.
Um ano e meio depois, a missão de não despedir foi alcançada e até invertida: “como reforçámos a quantidade de projetos também reforçámos a necessidade de contratualização”, revela.
O trabalho continuou, mas em países, como em El Salvador ou nas Honduras, depararam-se com um fenómeno.
“Muitas vezes os estados adotaram medidas de controlo social que não tinham como objetivo o controlo da expansão da Covid-19, mas tinham efetivamente como objetivo o controlo social e político das populações e organizações da sociedade civil”, denuncia.
Tal não aconteceu em Portugal, mas foi afetado o trabalho que fazem nas escolas e sentiram dificuldades acrescidas quando a circulação no país não era total.
“Trabalhamos também com produtores agrícolas, pequenos e médios produtores agrícolas em Portugal, através do negócio social que é o Smart Farmer, diretamente do produtor ao consumidor. A pandemia até funcionou para as pessoas ficarem mais sensibilizadas para a compra direta aos produtores, mas, por outro lado, houve constrangimentos enormes de acompanhamento direto, porque havia restrições à circulação”, relata.
Outro problema foi o diálogo com os financiadores internacionais de quem a OIKOS depende e a quem tiveram de explicar que os projetos não estavam a correr como o previsto. Do outro lado encontraram flexibilidade, mas não a suficiente, sobretudo no que toca a libertar dívida dos países mais pobres para lhes permitir investir nos seus sistemas de saúde.
“Houve algumas medidas que foram adotadas pelo Fundo Monetário Internacional e pela União Europeia, mas estão muito aquém daquilo que deveria ter sido feito”, diz João Fernandes.O diretor executivo da OIKOS apela ainda a uma mudança no sistema das patentes das vacinas para que os países mais pobres possam acelerar os seus processos de vacinação.
Respostas Sociais à Pandemia é uma rubrica da Renascença com apoio da Câmara Municipal de Gaia que surge no seguimento da Conferência "Pandemia: Respostas à Crise" onde se debateu em maio de 2021 o papel das Instituições Sociais e do Poder Local.