in Jornal Público
O congelamento de investimentos e a crise fazem temer efeitos no mercado de trabalho cabo-verdiano. Muitos desempregados, como o vicentino "Bobra", nem nas estatísticas estão
Há meia dúzia de meses, Ermelindo estava no Sal, a trabalhar numa padaria que distribuía pão e produtos de pastelaria para hotéis. Mas a diminuição do fluxo de turistas deixou-o sem emprego e obrigou-o a voltar a São Vicente, a sua ilha, onde agora vai conseguindo uma ou outra ocupação ocasional.
"Há muitos hotéis no Sal, muito trabalho, mas agora está mais pouco", explica. Já antes desta última experiência de nove meses, "Bobra", "nominho" de Ermelindo Spencer Pinheiro, tinha estado, em 2005, a trabalhar na ilha onde o turismo mais se desenvolveu. E antes disso na Assomada, em Santiago. Sempre à procura de trabalho, e fazendo uso do ofício que começou a aprender ainda criança na Padaria Portugal, perto da igreja, no Mindelo.
Mas aqui, queixa-se, tudo é mais difícil, porque "São Vicente não tem desenvolvimento turístico, o desenvolvimento que tem é só no centro da cidade". Anteontem, um amigo, proprietário de um táxi, chamou-o. "De vez em quando me chama para aguentar algum dia. Foi a primeira vez desde o dia 1 de Janeiro". Quando lhe pedem também trabalha "um dia ou uma semana" numa padaria. Só trabalhos pontuais sempre por sua iniciativa.
Ao centro de emprego nunca foi. Não conta, portanto, como desempregado, ainda que na prática o seja. "Os meus amigos dizem que lhes exigem habilitação literária e não há muito meio para ter emprego para toda essa gente", diz. Ermelindo, que não chegou a terminar o antigo 2.º ano, que seria hoje o 6.º, sabe de quem está há dois e três anos inscrito e sem colocação.
Lídia Lima, directora do Centro de Emprego do Mindelo, confirma que a espera pode ser longa e que as perspectivas não são fáceis para os cerca de três mil inscritos à procura de trabalho. "É um meio pequeno. Se houvesse oportunidades de emprego, já estariam colocados."
A maior parte são "jovens que não têm qualificação, que abandonaram o sistema formal de ensino". Mas no ano passado surgiu uma novidade - mais de metade dos quase 360 que se registaram tinham o 12.º ano, habilitação superior aos nove anos de escolaridade obrigatória.
O centro organiza, ou promove com outros parceiros, cursos de formação profissional - um total de 18 no ano passado, em áreas como cozinha, artesanato, mesa e bar, recepcionista de hotel, electricidade, canalização, construção, contabilidade, armação de ferro, mecânica ou assistência informática. A ideia é ir "ao encontro das necessidades do mercado", explica.
Só que o mercado parece não estar pelos ajustes. "Havia um conjunto de projectos de investimento previstos e nenhum conseguiu avançar". Agora, com a "crise mundial", parece ainda mais difícil porque "tudo ficou parado", reconhece, preocupada, Lídia Lima.
A directora do centro confirma também o crescimento do desemprego na faixa dos 30 anos, que levou a um alargamento até aos "30 a 32" da oferta de formação profissional que antes apenas estava disponível para quem tivesse menos de 25. Os estágios profissionais, outra forma de melhorar a inserção no mundo laboral, permitiram a "cerca de 50 por cento" dos que os frequentaram em São Vicente desde 2006 estarem a trabalhar.
A alteração de metodologia usada até ao ano passado - ao deixar de considerar desempregado quem estuda, está doente, tem responsabilidades familiares que impeçam de trabalhar e ainda menores que não trabalharam pelo menos uma hora na semana anterior - gerou polémica e fez com que os valores oficiais de desemprego caíssem dez pontos e ficassem em 13,1 por cento.
Tema eleitoral
A ilha, com pouco mais de 70 mil habitantes, era, segundo dados de Maio do ano passado, a que tinha maior taxa oficial de desemprego, tanto nas áreas urbanas como nas zonas rurais - 26,1 por cento, acima dos 24,5 de Santo Antão, dos 22,4 do Fogo e dos 20,2 da Brava. A Cidade da Praia, capital de Cabo Verde, registava também o elevadíssimo valor de 25,5 por cento. A ilha do Sal, onde Ermelindo Pinheiro então trabalhava, tinha, a par da também turística Boa Vista, dos melhores resultados, com 13, 1 por cento.
Lídia Lima diz que, no último inquérito, de finais de 2010, cujos resultados ainda não foram divulgados, o desemprego em São Vicente caiu para os "22 a 23 por cento" e nada indica que a situação se tenha alterado. Também o perfil dos desempregados não se modificou: têm maioritariamente entre 17 e 30 anos.
Quer o PAICV (Partido Africano da Independência de Cabo Verde), no poder, quer o MpD (Movimento para a Democracia), maior força da oposição, têm destacado a falta de trabalho como ponto da agenda eleitoral num país onde mais de 59 por cento da população tem entre 15 e 64 anos. E prometem fazer do combate ao desemprego uma prioridade, se receberem a confiança dos eleitores nas legislativas do próximo domingo.
Agora, que vai fazer 40 anos e está a espera do primeiro filho, a quem há-de falar do tempo em que foi um dos fundadores dos Acrobatas da Pedra Rolada, paixão que lhe permitiu actuar em quase todas as dez ilhas de Cabo Verde, o que "Bobra" gostava mesmo era de "ter algum financiamento" para abrir uma pequena padaria e poder dedicar-se inteiramente ao ofício de padeiro. Para trabalhar. Ele que nem sequer é oficialmente desempregado.