Por Carla Amaro, in Jornal de Notícias
Encontram valorização pessoal a ajudar quem mais precisa. O tempo que podiam dedicar à família, à profissão e a si próprias usam-no em acções de solidariedade social. São voluntárias, não ganham dinheiro pelo que fazem. Cinco mulheres com ganas de agarrar os portugueses às suas causas: contra a exclusão, a pobreza, a violência dentro de portas, o preconceito; contra a inércia de uma sociedade que parece anestesiada, de olhos bem fechados que não vê ou não quer ver o que se passa na casa ao lado, no fim da rua, ou até bem mais perto. As participantes no debate nm/Montepio contam as suas experiências.
Fernanda Freitas
«Gosto de contar histórias»
Os portugueses conhecem-na. Fernanda Freitas é há cinco anos a cara do Sociedade Civil, um programa emitido em directo de segunda a sexta-feira na RTP, que trata de questões transversais à sociedade, que a todos interessam, com seis convidados diferentes todos os dias para ajudar a apresentar soluções. Um dos temas recorrentes no programa é justamente o voluntariado. Não foi, pois, com muita surpresa que a jornalista de 38 anos recebeu o convite do Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social para presidente em Portugal do Ano Europeu do Voluntariado. «Sinto-me honrada. O convite significa também um reconhecimento pelo meu trabalho na coordenação e apresentação do Sociedade Civil». Antes de aceitar, a primeira pessoa com quem falou foi com a filha. Beatriz tem 16 anos e, como qualquer adolescente, precisa da mãe por perto: «Ela disse-me logo "aceita, não te preocupes comigo, ando no décimo ano, tenho muito que estudar". Tivemos de reorganizar a nossa vida familiar para que aos fins-de-semana fique com o pai.»
Fernanda não limita a sua intervenção ao jornalismo, a expor no programa a situação do voluntariado em Portugal ou a falar sobre as dificuldades das organizações de solidariedade social na angariação de voluntários. Também é voluntária. «Faço gratuitamente o que profissionalmente me pagam para fazer: contar histórias.» Anda pelos hospitais pediátricos a ler ou a inventar contos, conforme os destinatários que encontra. Importante nesta acção é o improviso e a capacidade de teatralizar o enredo: «Se o tom é monocórdico, as crianças aborrecem-se, é preciso enfatizar, contar a história como se estivéssemos a vivê-la. Tem-me sido muito útil o curso de Expressão Artística que frequentei durante três anos na Casa do Artista.»
Começou a ler para crianças hospitalizadas depois de uma visita à Casa do Gil, num dia em que se cruzou com um grupo de contadores de histórias: «Fui desafiada para ler uma, ali mesmo na Casa do Gil, adorei.» Há seis anos. Até hoje, não faltou a uma chamada: «É a Fundação do Gil que está em articulação com os hospitais e programa a minha agenda de voluntária. Não ocupo tanto tempo como gostaria com as crianças, apenas duas horas por mês. Os compromissos profissionais não me permitem mais.»
Antes da RTP, onde chegou em 1992, a experiência profissional de Fernanda era escassa - uma curta passagem pela Rádio Press (Porto) e pela Rádio Paris Lisboa. Na televisão pública integrou as equipas do Canal Notícias de Lisboa e do Canal 21. Mudou de estação, foi para a SIC, regressou à RTP, desta vez para o Segundo Canal. Fez o retrato da violência doméstica em Portugal no livro que escreveu, Sem Medo, Maria, e integrou o Forum da Educação para a Cidadania e a Plataforma dos Direitos da Criança. Também foi embaixadora nacional do Ano Europeu contra a Pobreza e Exclusão Social e este ano é presidente nacional do Ano Europeu do Voluntariado. Os projectos agregados a esta iniciativa arrancaram oficialmente em Fevereiro, mas o envolvimento de Fernanda começou em Agosto do ano passado, na preparação de um plano de acções em todo o país, reproduzindo o que está a ser aplicado nas capitais europeias no âmbito desta iniciativa. Um dos acontecimentos-chave do Ano Europeu é a «Volta às Capitais», uma mostra como se de uma feira se tratasse, com a diferença de que nesta não se vende nada: «Tem bancas como qualquer feira, onde estão representadas diversas instituições, a que os visitantes se podem dirigir para pedir informações, saber como podem tornar-se voluntários.» A Volta já passou por Lisboa, depois de ter estado em Bruxelas, Budapeste e Viena. Seguiu para o Luxemburgo, estará em Madrid e depois Atenas... De todas as capitais até agora percorridas, a portuguesa teve a Volta «mais visitada». A versão nacional tem o mesmo objectivo da europeia: «Incentivar o voluntariado, reduzir os obstáculos ao trabalho voluntário, capacitar as organizações de voluntários» e também vai percorrer as principais cidades do país, incluindo ilhas. «Já esteve no Porto. Vai estar em Coimbra, Évora, Seia, Barcelos, Santarém, Elvas, Chaves, Bragança, Lamego, Braga, Leiria, Caldas da Rainha, em muitas cidades [ver plano de actividades no site www.aev2011.eu]. Portugal é o único país que vai fazer a reprodução da Volta Europeia do Voluntariado». Assim se marca a diferença.
Paula Guimarães
«Os idosos são a minha preocupação»
Sempre direccionou a sua intervenção como voluntária para os mais velhos, tentando envolver cada vez mais pessoas na luta contra a violência dirigida a idosos. Com eles «aprende-se mais», diz Paula Guimarães, contrariando os estereótipos que se foram instalando nalgumas sociedades, sobretudo ocidentais, em relação à população que deixou de ser activa e passou, em muitos casos, a ser doente, que usufrui de pensões ou reformas consideradas não como uma retribuição do que descontaram durante anos mas como um enorme encargo para os orçamentos dos estados: «Existe uma tendência generalizada em praticamente todos os países para desvalorizar os velhos, as pessoas que terminaram a sua carreira contributiva.» A experiência de Paula Guimarães nesta área já era sólida quando assumiu, em Junho de 2006, funções na Fundação Montepio, onde tem a cargo o Gabinete de Responsabilidade Social. Dez anos na Santa Casa da Misericórdia de Lisboa na área do envelhecimento e do desenvolvimento comunitário, onde deu apoio jurídico (é licenciada em Direito) a idosos, deram-lhe habilitação bastante para dar continuidade aos desafios da Fundação Montepio, criada em 1995 para estabelecer parcerias e conceder apoios às instituições de solidariedade social com vista à inclusão dos mais desfavorecidos: «No ano passado apoiámos 128 instituições com novecentos mil euros.» É como peixe na água que aos 45 anos desenvolve o seu trabalho, do qual destaca a formação a voluntários que querem trabalhar com os mais idosos, a técnicos de saúde e aos próprios idosos, que desenvolve em regime de voluntariado: «Formar os mais velhos é a parte mais engraçada, porque são eles os destinatários directos do meu trabalho. Comecei a fazer formação como autodidacta, não havia nada escrito onde pudesse aprender, criei os meus conteúdos, testei-os no terreno. Hoje acho que tenho um know how considerável.» Entre os vários projectos de responsabilidade social da Fundação Montepio, que abrangem diversas frentes, Paula Guimarães fala do que mais lhe toca o coração - o programa de voluntariado empresarial, lançado na altura em que entrou para o Montepio: «Temos 550 colaboradores funcionários, aos quais a instituição concede tempo para, durante o horário de trabalho, se dedicarem a projectos solidários nas áreas pelas quais sentem mais apetência: ambiente, solidariedade, saúde, educação, formação.»
Cristina Louro
«Um dia destes vou bater à porta dos ricos»
Belmiro de Azevedo, António Mexia, Zeinal Bava, Américo Amorim, Vasco Pereira Coutinho e mais com «salários milionários» não devem estranhar se um dia Cristina Louro lhes bater à porta para pedir dinheiro. Apesar de conviver há muitos anos com os mais excluídos da nossa sociedade, a vice-presidente da Cruz Vermelha Portuguesa, que tem a seu cargo os pelouros de Acção Social e Voluntariado, ainda não ganhou imunidade emocional perante a desgraça com que vivem milhares de portugueses, em especial idosos. «Temos dois milhões de idosos pensionistas e reformados, quarenta por cento dos quais recebem menos de 240 euros. A taxa de pobreza entre os idosos isolados é de 37 por cento. São o grupo mais vulnerável dos mais vulneráveis.» Cristina ainda se choca, ainda tem capacidade de indignação não apenas com o magro rendimento com que tentam sobreviver os mais velhos como com a anestesia com que muitos, os que recebem salários de cinquenta mil e mais euros, assistem anestesiados à miséria alheia. «Imagina o que é viver todos os meses com 240 euros?», sendo que a maior fatia, em muitos casos, será para deixar na farmácia. Pior que a velhice é a doença na velhice e não são raros os que se encontram nessa situação: «Ando a matutar há muito tempo nesta ideia, de ir ter com os ricos e falar-lhes directamente ao coração. Se eles não podem ajudar, quem poderá?» Toda a gente pode, acredita, e é essa convicção que a faz mover mundos e fundos em favor da sua causa de sempre, que se materializa agora no projecto «Portugal Mais Feliz», da CVP. Este projecto «surge como uma resposta proactiva, multifacetada e flexível ao desafio do combate à pobreza e exclusão social. Precisamos da ajuda de todos, de particulares e de empresas». A sua apetência para atender aos mais necessitados cedo se revelou, desde logo na escolha da primeira licenciatura, Serviço Social. «Quando decidi que ia ser assistente social, a minha mãe, que era alemã, costumava dizer-me que eu ia fazer o curso da miséria. Mais tarde tirei também o de Sociologia.» Não enjeita a influência de uma professora de Religião e Moral no liceu: «Ela incentivava os alunos a praticarem acções solidárias. Cada um trazia o que pudesse de casa, arroz, massa, farinha, bolachas, fazíamos cabazes e distribuíamos os cabazes pelas famílias que viviam nas barracas de madeira em Campolide.» Tinha 16, 17 anos. Todo o seu percurso profissional tem por base a intervenção social. E desde que está reformada, não se desvinculou desse trabalho, sendo prova disso a sua colaboração como voluntária em full time na Cruz Vermelha: «Estou aqui há quase cinco anos, não estou nada arrependida. Às vezes sinto que trabalho um pouco de mais e a minha família pensa o mesmo. Tenho três filhos, seis netos, um marido, um cão e dois gatos que também precisam de mim.» Outros mais ainda e Cristina Louro e a família sabem disso.
Helena Presas
«Arrasto toda a gente comigo»
Está há dois meses na Entrajuda, mas tem uma vida dedicada ao voluntariado na paróquia do Campo Grande, em Lisboa, onde co-fundou e coordenou a Área Sénior do Centro Social Paroquial da freguesia, tendo à sua responsabilidade delinear estratégias, recrutar e constituir equipas, dar formação a novos voluntários, avaliar as actividades e, claro, angariar fundos. Reconhece que nem toda a gente o pode fazer como ela, a tempo inteiro: «Tenho a sorte de ter um marido que ganha o necessário para nos sustentar aos dois. Não chega para luxos, é certo, mas temos a nosso favor a particularidade de não sermos muito ambiciosos.» A ambição de Helena Presas não é ter mais dinheiro para poder fazer férias em destinos longínquos, uma casa melhor ou um carro topo de gama, é conseguir o milagre da multiplicação das 24 horas do dia para concretizar os projectos que assumiu na Entrajuda e ao mesmo tempo continuar envolvida no trabalho de voluntária que desenvolvia antes: «Não larguei nada, o que fiz foi acumular trabalho.» Trabalho gratuito, de manhã à noite, e sem um instante de arrependimento por ter desistido de um percurso profissional remunerado. Helena tem duas licenciaturas, uma em fisioterapia, outra em teologia. Até aos 30 anos trabalhou como fisioterapeuta, despertando aí o bichinho do voluntariado. Tinha uma clínica de fisioterapia e a dada altura estava a tratar pessoas que não tinham dinheiro para pagar o serviço de um fisioterapeuta particular, a maioria idosos que saíam do hospital e não podiam andar pelo seu próprio pé. «Ia a casa fazer-lhes fisioterapia. Foi assim que comecei. Abandonei a profissão para me dar totalmente ao voluntariado. Se me definisse como pessoa, diria que sou uma cuidadora com uma enorme atenção à pedagogia.» Tem 53 anos e pela frente uma missão draconiana à frente de uma instituição que faz o elo de toda a cadeia de solidariedade em Portugal - «a Entrajuda existe para ajudar as instituições do terceiro sector (sem fins lucrativos como as IPSS e centros sociais) a organizarem-se na área da gestão». Instrumento importante dessa missão é a recém-criada Bolsa do Voluntariado, um site que serve de ponto de encontro entre a procura e oferta de trabalho voluntário, «permitindo articular a necessidade de trabalho voluntário, por áreas, com a disponibilidade para o prestar por parte de pessoas e entidades». As instituições que carecem de voluntários só têm de aceder a www.bolsadovoluntariado.pt, escolher Organizações/inscreva-se, preencher os dados solicitados e enviar.
Margarida Mercês de Mello
«Mais do que voluntária, sou solidária»
Apesar de licenciada em Filologia Germânica, a sua carreira no ensino é curta, de três anos. Foi na televisão que Margarida Mercês de Mello encontrou a vocação profissional, inicialmente como locutora de continuidade, em 1978, funções que partilhava com Manuela Moura Guedes, Isabel Baía, Helena Ramos, Fátima Medina, entre outras. Extinta a locução de continuidade, foi chamada para vários programas: Ela por Elas, que dirigiu, coordenou e apresentou e onde se abordou, por sua vontade expressa, pela primeira vez na televisão, questões relacionadas com o planeamento familiar, Maria, Maria, Maria, em que se falava de sexologia, um tema até então tabu, Os Dias Úteis, de sua autoria, Planeamento Familiar - Saber Nunca é de Mais, Jet Set, SMS - Ser mais Sabedor, Tudo em Família, Conversas ao Domingo, entre outros. Pelo meio, apresentou diversos eventos, entre os quais o Festival da Canção e o Natal dos Hospitais. Apesar de actualmente não ter nenhum programa no ar, Margarida faz voz off em programas para a RTP e para outras televisões estrangeiras e encontra-se, há dois anos, a preparar um projecto sobre o país onde nasceu e cresceu até aos 16 anos, Angola: «Não gostaria de adiantar detalhes, só posso dizer que é muito ambicioso. África diz-me muito, uma pessoa nunca se esquece dos sítios onde foi feliz.» Foi justamente em África que começou por exercitar a sua «natureza solidária»: «O meu pai era médico em Luanda e aos fins-de-semana fazia medicina domiciliária pro bono. Eu acompanhava-o e ajudava no que podia». Em Angola colaborou com as Irmãs Teresinhas e em Moçambique abraçou o projecto Padrinhos de Portugal, tomando-se «madrinha» de um menino para quem envia dinheiro «suficiente para ele estudar, ter roupa e ir ao médico. É uma quantia irrisória, para nós, portugueses, mas lá é considerável». Mais do que voluntária, Margarida sente-se solidária, «com compaixão pelos mais necessitados». É por compaixão, por «amor», que oferece a sua imagem, a sua voz e o seu tempo para a defesa de causas, lançamento de campanhas e criação de projectos de solidariedade: Acreditar, Fundação Infantil Ronald McDonald, Cancro da Mama, Sol sem Fronteiras, APOROS - Associação Portuguesa contra a Osteoporose, Fundação Portuguesa de Cardiologia, Fundação Professor Fernando Pádua, Comunidade Vida e Paz, Dia Mundial de Luta contra a Sida, e mais. Margarida Mercês de Mello tem em Madre Teresa de Calcutá uma inspiração. Cita uma frase de Frei Fernando Ventura, em Roteiro de Leitura da Bíblia: «Estando um dia Madre Teresa a limpar as feridas de um leproso moribundo, diz-lhe o jornalista que a acompanhava: "Eu não era capaz de fazer isto nem que me dessem o dinheiro todo do mundo." Madre Teresa (...) respondeu: "Olhe que eu também não."»