1.4.11

Investir a feijões

João Cândido da Silva, in Jornal de Negócios

No tempo dos "derréis" e do vintém/Se vivia muito bem, sem haver reclamação/Eu ia no armazém do seu Manoel com um tostão/Trazia um quilo de feijão/Depois que inventaram o tal cruzeiro/Eu trago um embrulhinho na mão/E deixo um saco de dinheiro."

A velha canção de Beth Carvalho foi um êxito na segunda metade dos anos 70 do século XX. O Brasil enfrentava um período de elevado ritmo de crescimento dos preços, uma "inflação galopante", e a letra da música reflectia a percepção do cidadão comum sobre os efeitos corrosivos do fenómeno. Antigamente, cantava Beth Carvalho, um tostão era suficiente para comprar um saco de feijão. Agora, era necessário um saco de dinheiro para comprar um feijão.

O Brasil experimentou, nessa época, o veneno da inflação. Mas não foi a única economia a enfrentar o temível vírus que semeia a pobreza e que se assume como um imposto cego, sem olhar a ricos ou pobres. Nos anos 70, também os países desenvolvidos conheceram a doença e viveram sob as suas garras.

Depois de os economistas terem atravessado um período de grande temor por um cenário de deflação, provocado pela recessão e por uma queda abrupta da procura, as preocupações viram-se agora para o fenómeno inverso. Os preços do petróleo e de matérias-primas alimentares têm subido, fazendo regressar as preocupações com a inflação. E a fase de taxas de juro historicamente baixas destinadas a estimular o crescimento está a aproximar-se do fim, nos Estados Unidos, como na Zona Euro.

Como se afirma no artigo que sustenta o tema de capa desta edição do "Investidor Privado", a inflação é um elemento que tem de estar presente quando se planeia um investimento. Às rendibilidades obtidas, há que subtrair a inflação verificada durante o período do investimento para se poder ter uma ideia de qual foi o ganho real alcançado. Um investimento compensador é aquele que, subtraída a inflação, deixa um pé-de-meia capaz de comprar mais bens e serviços, ou seja, representa um aumento do poder de compra.

O que fazer, então, para conseguir que as rendibilidades compensem, pelo menos, o efeito corrosivo da inflação, preservando para o futuro aquilo que o dinheiro pode comprar? Os fundos de investimento que têm as carteiras aplicadas em obrigações cuja remuneração está ligada ao comportamento dos índices de preços são uma das soluções. Asseguram que o dinheiro que estará disponível amanhã terá o mesmo poder de compra que o dinheiro de que se dispõe hoje.

Se quiser, pode ir mais longe e, após analisar os seus gastos e perceber qual é a "sua" inflação, investir em empresas que produzem os bens ou prestam os serviços que mais consome, beneficiando dos respectivos lucros. Como diria a letra da canção, se o seu dinheiro está a deteriorar-se sob a inflação, invista em quem produz o feijão.