Carla Marina Mendes, in Jornal Público
Trabalho realizado em 44 países, Portugal incluído, faz o retrato dos jovens no nosso país e vai ser apresentado hoje, na Fundação Calouste Gulbenkian.
Borbulhas que castigam a cara nos momentos mais inconvenientes, paixonetas não correspondidas, festas, música, roupa, amigos... Como se estas preocupações não fossem suficientes, os jovens adolescentes portugueses afligem-se ainda com os quilos a mais - aqueles que realmente têm e os que uma imagem corporal distorcida lhes diz existir. É que, embora a maioria não tenha excesso de peso, cerca de um terço considera-se «gordo».
Os dados são do estudo 'Health Behaviour in School-aged Children', um trabalho da Organização Mundial de Saúde que visa estudar os estilos de vida dos adolescentes, realizado também em Portugal e apresentado hoje, na Fundação Caloust Gulbenkian, em Lisboa. Inquiridos mais de cinco mil alunos dos 6º, 8º e 10º anos, concluiu-se que apesar de 66,7% apresentarem um peso normal, 35,4% não hesitam em dizer que estão gordos.
Cenário optimista
O estudo, que é realizado pela quarta vez no nosso país, permite traçar o retrato dos jovens que, no geral, «estão bem, obrigada», confirmou ao Destak Margarida Gaspar de Matos, psicóloga e coordenadora da equipa que levou a cabo a tarefa de inquirir os adolescentes nacionais.
«Nestes novos dados fomos dar com o excesso de peso, com a violência autodirigida, com a violência através de novas tecnologias... o que não invalida os excelentes resultados noutras áreas. Em quatro anos, praticamente todos os miúdos têm computador em casa, a grande maioria tem acesso à net, mais de metade tem net em casa.... Isto tira-nos aquele ar acinzentado de antigamente, onde o atraso era crónico em várias áreas.»
Haxixe a subir
Se é um facto, confirmado pelos números, que o consumo de tabaco diminuiu entre os mais jovens, assim como o consumo de bebidas destiladas, tendo aumentado o uso do preservativo, indicativo de que as políticas de prevenção estão a surtir o efeito desejado, os mesmo dados revelam, no entanto, uma subida no número dos que experimentaram haxixe - de 8,2% em 2009 para 8,8% no ano passado. «Precisamos de indagar a razão desta subida, ligeira mas significativa, e que se torna padrão em todos os outros produtos», avança a psicóloga.
«Pode ser 'um pico', mas a verdade é que a política do Instituto da Droga e Toxicodependência foi uma política eficaz, uma política que ganhou um prémio internacional de 'boas práticas' há um ou dois anos... E a resposta parece ter sido 'se está bem, vamos investir noutra área'. Este é um erro técnico-táctico... As políticas de proximidade abrandam, os técnicos desmoralizam e baixam a capacidade interventiva e a população sofre», refere ainda.
Ainda de acordo com a especialista, para além do haxixe, há outros exemplos que causam apreensão, como a escolaridade dos portugueses. «Em quatro anos subiu dramaticamente a escolaridade dos pais dos adolescentes [um dos melhores indicadores da saúde dos filhos]. Com a situação de Portugal na Europa, este resultado devia animar os portugueses e levar a uma continuidade das medidas, mas temo que não seja assim.»
Rotina vs acções fortuitas
Na realidade, defende, o que se passa com os temas «quentes» de saúde é que «deixa de haver dinheiro, motivação, investimento», o que leva a que as «coisas comecem a estagnar [leia-se retroceder]».
Surge então a questão: o que pode ou deve ser feito? A resposta é simples: «A verdadeira mudança tem de passar a incorporar o funcionamento de rotina e não dever-se apenas a acções fortuitas.» Ou seja, perante os casos de sucesso, há que manter as energias e não virá-las para outro lado, o que, segundo a especialista, acaba por ser «um erro típico da intervenção em saúde pública e não tanto tipicamente português».
E confessa que o seu maior pesadelo é que os resultados destes estudos possam levar a concluir que está tudo bem, reduzindo a pressão pública para que as boas práticas se mantenham. «Ouvi uma vez um político inglês, que era também investigador, dizer que o maior pesadelo é que os seus dados pudessem servir para 'validar' políticas de educação para a saúde baseadas em estratégias economicistas.»
Noites sem dormir
Mais de um terço dos jovens refere dormir menos de oito horas durante a semana, releva ainda o inquérito. Ao todo, 8,1% falam em dificuldades em adormecer mais do que uma vez por semana e 11,9% em cansaço.
Sexualmente activos
Tendo em conta a amostra dos 8.º e 10.º anos, 21,8% dos adolescentes referem já ter tido relações sexuais. Mas quando questionados sobre a percepção face ao comportamento sexual dos jovens da sua idade, estimam que os que já tiveram sexo chegue aos 43,3%.
Sexo seguro
Cerca de um terço dos adolescentes refere não estar à vontade, ou não saber - ou não se sentir capaz - recusar ter relações sexuais sem preservativo. Ao todo, 37,8% consideram ainda ser desagradável comprar preservativos numa loja ou adquiri-los num centro de saúde (27,4%).
Novas tecnologias
Dos jovens que admitiram ter estado envolvidos em situações de provocação através das novas tecnologias, o chamado cyberbullying, 13,5% referem ter tido alguma dificuldade em lidar com as consequências.
Provocações escolares
Mais de metade dos adolescentes referiu ter assistido a situações de provocação na escola. E, destes, mais de metade localizaram essas mesmas situações no recreio escolar. Ainda de acordo com o estudo, cerca de dois terços refere não ter feito nada.