10.3.15

“O problema europeu já não é ideológico, é geográfico”

Raquel Martins e Luís Villalobos, in Público on-line

José Silva Peneda, presidente do Conselho Económico e Social, diz que o pior cenário das legislativas seria um em que não houvesse hipótese de construir uma maioria absoluta.

Para José Silva Peneda, presidente do Conselho Económico e Social (CES), Portugal tem que escolher uma posição estratégica sobre o processo de reforma europeu. Até porque, sublinha, hoje o problema já não é ideológico, é geográfico, com os socialistas ou social-democratas do Norte da Europa a pensarem de forma distinta dos do Sul.

Ao mesmo tempo, defende que os problemas estruturais da economia portuguesa não estão resolvidos, e que isso só é possível através de um governo com maioria absoluta. A um mês e meio de deixar o cargo para ir para Bruxelas assessorar Jean-Claude Junker na área dos assustos sociais, Silva Peneda diz que “o tempo e a história encarregar-se-ão de fazer o juízo de valor final” sobre o papel de Pedro Passos Coelho como primeiro-ministro. Quanto às dívidas do primeiro-ministro à Segurança Social, prefere o silêncio por querer “estar ausente desse tipo de discussão”, que caberá ao Parlamento.

O relatório divulgado pela Comissão Europeia (CE) no final de Fevereiro alertava para os elevados níveis de desemprego e para o aumento da pobreza, duas consequências do programa da troika da qual a Comissão fez parte. Não há aqui uma disfunção?
Nesse relatório falta um parágrafo final que deveria dizer o seguinte: “a CE regista que os resultados de que dá conta neste relatório são fruto de políticas que a própria comissão defendeu”. Há, de facto, uma ausência de coerência.

Quando o primeiro-ministro fala em “contradições” entre o que o relatório diz e o que foi aplicado, não sente que se está a excluir de um processo que ele próprio conduziu?
Há erros e incompetência no desenho e na execução do programa. O primeiro foi pensar-se que o problema de Portugal era exclusivamente financeiro, quando é muito mais estrutural. Temos empresas débeis, descapitalizadas e isso não é possível resolver em pouco tempo. O segundo erro foi precisamente o tempo. O terceiro é aquela ideia da destruição criativa, que depois de um ajustamento muito forte poderia surgir qualquer coisa de novo. Um quarto erro foi negligenciar o papel da procura interna, que teve um efeito devastador no emprego. Depois, ignoraram que a dívida das famílias e das empresas era muito elevada. O programa correu mal e o relatório da CE é a prova de que há aspectos que correram mal. Mas o aspecto que mais toca com a dignidade de que Jean-Claude Juncker falava tem a ver com a desestruturação da sociedade portuguesa. A classe média levou uma machadada fortíssima e não há país nenhum que se desenvolva sem uma classe média forte. Isso vai levar muitos anos a recuperar.

A capacidade de intervenção da classe média não se mede apenas pela sua capacidade financeira.
Mede-se pela confiança. Os índices de confiança baixaram de uma forma substancial, o investimento foi muito negativo. Com certeza que há razões macroeconómicas, mas o factor decisivo para o investimento, principalmente o privado, tem a ver com a confiança.

Que lições podemos tirar deste processo?
As políticas europeias vigentes não estão a resolver de forma adequada os problemas económicos e sociais da Europa e de muitos países do Sul da Europa. Basta olhar para as taxas de desemprego e para o desemprego jovem. A Europa é uma manta de retalhos de diferenças culturais e económicas. Temos uma realidade muito distinta no Sul da Europa que precisa de ter um tratamento muito distinto. A zona euro tem na sua génese uma ideia federal. Estamos a meio da ponte: acaba-se a ponte ou caímos da ponte. Não concebo que possa haver uma moeda única numa zona onde há 18 dívidas públicas diferentes, geridas autonomamente.

Ou ela se desenvolve ou desaparece?
Ou se desenvolve ou corre o risco de colapsar. A zona euro precisa de reformas muito profundas e a ideia de um orçamento dentro da zona euro parece-me fundamental. Sem isso é muito difícil tomar medidas anti-cíclicas. Tem de haver uma cabeça que comande.

Informalmente não tem a Alemanha?
Tem, mas não é formal. Quem é que legitima as decisões que são tomadas? É o grupo dos ministros das finanças? Há aqui um problema de legitimação política. Os parlamentos nacionais não podem ficar afastados desse tipo de discussão. É um erro pensar que devem ser o conselho [europeu] e os ministros das finanças a decidir sobre o destino dos povos europeus. Reputo de fundamental que a zona euro seja gerida por um órgão com legitimidade política, deve haver um parlamento com representantes dos parlamentos nacionais.