11.1.23

Imigrantes: entre a exclusão social e os vistos gold, num país que deles depende para crescer

Raquel Moleiro, in Expresso

No Dia Internacional dos Migrantes, que se comemora este domingo, a Pordata traça o perfil dos estrangeiros que vivem em Portugal. São já mais de 540 mil, 5% da população nacional, a tentar estancar a perda demográfica do país de acolhimento. 

Por ano, 32 mil tornam-se portugueses
Ultrapassam já o meio milhão de habitantes (542.165), são 5,2% da população residente, aumentaram 40% em dez anos, são tantos quantos todos os habitantes da cidade de Lisboa, mas nem assim os cidadãos estrangeiros conseguem atualmente inverter a perda demográfica em Portugal. Mas reduzem a inclinação do declive. De acordo com os indicadores compilados pela Pordata (base de dados estatísticos da Fundação Francisco Manuel dos Santos) a propósito do Dia Internacional dos Migrantes, que se comemora este domingo, nos últimos dez anos (2011-2021) o país perdeu perto de 196 mil pessoas. Apenas em 2019 e 2020 foi registado um aumento populacional, alimentado por um saldo migratório mais positivo.

Desde 2007 que entram em Portugal mais imigrantes do que saem emigrantes, mas a verdade é que só nesses dois anos o impacto foi suficiente para fazer crescer a população. Mas ao longo destes 15 anos também houve exceções. A crise económica ficou bem marcada em 2011 e 2014 quando deixaram o país mais do dobro das pessoas que entraram. O balanço negativo foi transversal a todas as faixas etárias entre os 20 e os 54 anos. A inversão sentiu-se a partir de 2015 e desde 2019 que os imigrantes representam mais do dobro dos emigrantes.

Mas há outros fatores a mandar para baixo a linha demográfica. Desde 2009, que em Portugal nascem menos pessoas do que aquelas que morrem, atingindo o valor mais baixo de sempre em 2021, quando se registaram mais 45,2 mil mortes do que nascimentos. Também aqui o aumento de imigrantes tende a atenuar o decréscimo de natalidade. Dos 79.582 bebés nascidos em 2021, mais de 10 mil têm mãe estrangeira (13,6%) e a proporção tem vindo a aumentar sucessivamente desde 2016.




Aliás, nunca os filhos da imigração pesaram tanto na natalidade, de acordo com o INE. O Expresso recuou até 1995, quando representavam apenas 2,2% (2361) dos 108 mil partos anuais. A Maternidade Alfredo da Costa (MAC), em Lisboa, é o reflexo dessa evolução. Nos seus registos, há duas linhas que seguem em direções opostas há pelo menos seis anos. Se por um lado aumentam os bebés de mãe estrangeira, diminuem por outro, a um ritmo bem mais acelerado, os partos de cidadãs portuguesas. Em 2021 nasceram ali menos 866 crianças de mãe portuguesa do que em 2017, uma quebra de 30%. Os filhos de imigrantes subiram 14% e, este ano, até setembro, representam já 32% (731) de todos os partos (2319) da MAC.


O LADO DOURADO

Há, porém, um dado no perfil do imigrante atual que em nada contribui para o rejuvenescimento da população em Portugal. Nos últimos dez anos, os cidadãos estrangeiros com 60 ou mais anos têm vindo a aumentar, atingindo 12% em 2021. Chegam principalmente de França e do Reino Unido, para gozar a reforma num país com sol e custo de vida baixo para os rendimentos que amealharam ao longo da vida, e fixam-se no Algarve e grande Lisboa. E muitos chegaram a Portugal com um visto gold.

Desde o início do programa de autorizações de residência para atividade de investimento, foram atribuídos 10.254 vistos, que geraram 20 postos de trabalho, e captados 6 mil milhões de euros, cerca de 2% do total do investimento privado desse período. Grande parte desse valor foi aplicada na aquisição de bens imóveis, vendidos entre os 538 mil euros e os 603 mil euros.

Em 2021, foram atribuídos 865 vistos Gold em Portugal que resultou num investimento total de 461 milhões de euros, menos 186 milhões de euros que no ano anterior, confirmando uma trajetória de decrescimento verificada desde 2017. Nos últimos 5 anos (entre 2017 e 2021), destaca-se a perda de expressão de requerentes chineses (de 40% para 31%, - 268 pedidos) e brasileiros (de 17% para 8%, - 156 pedidos).

Não é, porém, essa a realidade da maioria dos imigrantes que dá entrada em Portugal: 35% vive em risco de pobreza ou exclusão social, principalmente se forem oriundos de países fora da UE a 27 (37%). O rendimento médio é inferior ao dos portugueses e a precaridade salarial também atinge com especial dureza os extracomunitários.

E parte junta às dificuldades económicas a fragilidade da situação humanitária: em 2021, Portugal recebeu cerca de 1300 pedidos de asilo. A guerra na Ucrânia mudou tudo. De acordo com o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), desde o fim de fevereiro de 2022, foram atribuídas 55.833 proteções temporárias a cidadãos ucranianos em fuga do conflito. Destes 32.709 são do sexo feminino, 23.124 do sexo masculino e 13.855 menores.

DE ONDE, PARA ONDE

Os dados compilados pela Pordata permitem também perceber de onde vêm e onde se fixam territorialmente os cidadãos estrangeiros em Portugal. A maioria chega do Brasil (37%) - há brasileiros em todos os concelhos portugueses - seguido de Angola (6%), Cabo Verde (5%), Reino Unido (5%) e Ucrânia (4%). Mas há outras origens entre os que mais aumentaram nos últimos dez anos: além do Brasil, surge o Nepal, Índia, Itália e Bangladesh. Em perda está Cabo Verde, Roménia, Moldávia e Guiné-Bissau. Face a 2011, o peso relativo dos estrangeiros dos continentes europeu e africano diminuiu, aumentando os que chegam da América e da Ásia.

Vivem principalmente no litoral (92%), quase metade (47%) mora na Área Metropolitana de Lisboa (AML), 13% concentram-se no Algarve e na região centro duplicaram em dez anos para 95 mil pessoas. Entre os dez municípios com maior proporção de estrangeiros no total de residentes, 9 são algarvios. O único que destoa é Odemira, no Alentejo, o que regista a mais elevada percentagem de imigrantes (28%), quase todos trabalhadores agrícolas nas estufas e campos de cultivo e azeitona.

O Brasil é a origem mais frequente entre a população estrangeira em todas as regiões, com exceção do Alentejo Litoral, em que ganham destaque o Nepal e a Índia, e da Região Autónoma da Madeira, dominada pelos venezuelanos.

NOVOS PORTUGUESES

De fora das estatísticas da imigração ficam os que adquirem nacionalidade portuguesa. Aliás, a descida de residentes de Cabo Verde ou Guiné-Bissau, que há mais anos migram para território nacional, pode não significar que partiram mas que tão somente deixaram de ser cidadãos estrangeiros. A análise dos dados por naturalidade mostra essa realidade.

Nos últimos 11 anos, foi concedida nacionalidade a mais de 347 mil cidadãos estrangeiros, uma média de 32 mil por ano. Em 2021, as aquisições mais do que duplicaram face a 2011. Em 2020, Portugal era o 4º país da UE a 27 que mais atribuía nacionalidade, quase o dobro da média europeia. No topo do ranking estão países como a Suécia, o Luxemburgo e os Países Baixos.

A naturalização é a principal forma de aquisição da nacionalidade: para os que vivem em Portugal, pelo facto de residirem no país há pelo menos 6 anos (61%), e para os que vivem no estrangeiro, é a descendência de judeus sefarditas (77%), como fez o bilionário russo Roman Abramovich. Os pedidos chegam maioritariamente de brasileiros (32%) e cabo-verdianos (12%). Entre os não residentes, destaca-se a nacionalidade israelita (65%).