24.1.23

"Se nos querem cá, têm muito trabalho a fazer" — estes 7 jovens escreveram a António Costa, em resposta à sua mensagem otimista de Ano Novo

Ana Marcelino, Bernardo Serôdio, Bianca Castro, Carina Tavares Lage, Kenia Pollheim Nunes, Mariana Carvalho, Tomás Fernandes, in Expresso

No primeiro dia do ano, o primeiro-ministro assinou um artigo no JN dirigido aos mais jovens, garantindo que o país está preparado para lhes garantir o futuro. Mas como é que a chamada "geração mais qualificada de sempre” reagiu às palavras de António Costa? O Expresso desafiou sete jovens a escreverem cartas ao chefe do governo. Estas são as palavras deles

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ANA MARCELINO, 18 ANOS, ESTUDANTE DA ESCOLA SUPERIOR DE TURISMO E TECNOLOGIA DO MAR, NATURAL DE RIO MAIOR

Na crónica que o senhor primeiro-ministro escreveu no “Jornal de Notícias”, educação é uma das palavras-chave, dado que esta foi dirigida aos jovens.

Após uma leitura, desde as primeiras frases que uma pergunta não me sai da cabeça: refere inúmeras vezes a educação e os alunos, mas e os professores? Onde ficam os professores no meio disto tudo, senhor primeiro-ministro? Com as condições que o nosso país dá a um professor, uma profissão tão importante, com a qual todos os cidadãos interagem desde tão tenra idade, é perfeitamente compreensível que estes percam a motivação de desempenhar o seu trabalho da melhor forma e, consequentemente, os alunos não recebam a educação que merecem.

Outro tema bastante abordado é a questão do alojamento. É um facto que 433 mil alunos se matricularam em 2022 no Ensino Superior, mas quantos, apesar de aceites, não se chegaram a matricular devida à falta de alojamento? Diz que irão haver mais camas em 2026, aliás, é tudo para 2026. Os problemas que vão ser resolvidos, segundo o Senhor Primeiro-Ministro, estão a acontecer agora e, apesar da probabilidade de acontecerem em 2026 seja grande, têm de ser resolvidos o mais depressa possível. Assim como “…o futuro se constrói hoje…”, os problemas de hoje também se devem resolver hoje, não daqui a três anos.

Com os preços exorbitantes dos alojamentos, é normal que alguns jovens deixem de se matricular nas universidades em que entram, porque muitas vezes, mesmo com bolsa, é complicado conseguir pagar tudo no final do mês.

Fala também de empregos. Atualmente não é propriamente fácil para os jovens conseguirem um emprego, independentemente da licenciatura que tenham. As empresas procuram experiência, mas se nenhuma empresa nos contrata sem termos experiência, onde é que é suposto ganharmos essa experiência?

Espero que estes problemas sejam resolvidos o mais depressa possível para que os professores ganhem um salário mais justo, as gerações futuras não deixem de se inscrever nas universidades simplesmente porque não têm onde dormir e que possamos todos ter um emprego que nos dê a tão procurada experiência.

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BERNARDO SERÔDIO, 22 ANOS, ESTUDANTE DE ENGENHARIA DO AMBIENTE, NATURAL DE CANHA, MONTIJO. TRABALHA EM PART-TIME COMO FREELANCER COMO FOTÓGRAFO DE EVENTOS

Exmo. Sr. primeiro-ministro António Costa,

Recentemente publicou uma mensagem de Ano Novo dedicada aos Jovens, e essa mensagem causou-me uma certa curiosidade, o que me fez explorar um pouco mais a mesma e expressar a minha opinião nesta carta que lhe escrevo.

Começa por referir a incerteza desta época, algo em que não podia concordar mais consigo, tendo em conta o atual panorama no mundo. De seguida fala sobre a educação, e diz que a diminuição do abandono escolar está ligada à melhoria do emprego e dos rendimentos das famílias, mas também da diversificação da oferta no Ensino Secundário.

Gostava muito de poder concordar com estas afirmações, no entanto, face à minha realidade, vejo este aumento de escolaridade como fruto de uma evolução natural da sociedade. A escolaridade é cada vez mais vista como essencial no dia a dia, e dados os apoios atualmente existentes, o rendimento das famílias não será impedimento para a escolaridade até aos 18 anos, como foi anteriormente.

Não acredito nada, também, que a diminuição do abandono escolar esteja ligada à diversificação da oferta no Ensino Secundário, até porque em muitos locais essa oferta simplesmente não está disponível, especialmente no Interior do país, onde continua a ser lecionado um número reduzido de cursos comparativamente à oferta existente no Litoral.

No entanto há que dar mérito às boas medidas, sobretudo no corte das propinas e no apoio aos estudantes, desde que os mesmos se mantenham. As bolsas de estudo do ensino superior são uma ferramenta que realmente apoia os estudantes e, sendo

eu estudante do ensino superior, vi isso em primeira mão.

Refere ainda vários pontos sobre a empregabilidade, nomeadamente a queda da taxa de desemprego, o aumento de contratos sem termo e o aumento do investimento das empresas.

Quero começar por comentar que realmente não se pode negar a queda da taxa de desemprego, mas pergunto:

Até que ponto é que o vencimento desses novos empregos é digno face ao nível dos custos de vida que vivemos atualmente, especialmente para uma jovem família?

E os ordenados enquadram-se às qualificações de um jovem que acabou de sair do ensino superior, face aos anos de estudo que acumula?

Acredito que caso queira manter os jovens por Portugal, a retenção destes jovens poderia ser feita através da oferta de um primeiro emprego atrativo e competitivo face a outras ofertas quer dentro da Europa quer fora.

Menciona ainda a reorganização das cadeias de valor, referindo pouco depois que Portugal se encontra na vanguarda da transição energética, algo com que não podia discordar mais. Portugal é um dos países europeus com maiores problemas de pobreza energética. A transição energética não passa apenas por trocar as fontes de energia ou começar a importar mais energia de outros países mais poluidores, como por vezes já foi feito. A transição energética deve ser feita com um princípio de justiça para todos os implicados e deve ter grande ênfase não só na forma como se produz energia, mas também na eficiência energética da sociedade e da economia como um todo.

Dito isto, existem alguns pontos que sublinha na sua mensagem que não podem ser negados e a situação atual para os jovens portugueses podia, realmente, estar pior do que está. Contudo, isso não quer dizer que se deva cruzar os braços e nada fazer para melhorar. Peço-lhe que, neste novo ano, procure aprofundar as medidas que retenham os jovens em Portugal e que lhes forneçam a ajuda necessária para terem sucesso nos seus estudos e entrada no mercado de trabalho.

Com os melhores cumprimentos,

Bernardo Serôdio

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BIANCA CASTRO, 21 ANOS, ATIVISTA PELA JUSTIÇA CLIMÁTICA, NATURAL DE LISBOA

“Hoje construímos o país que será neutro em carbono em 2050”. Estas foram algumas das palavras introdutórias na mensagem que o primeiro-ministro nos deixou, aos jovens do país. Mais à frente, lê-se que Portugal está na “vanguarda da transição energética”.

O tópico não foi estendido muito além destas afirmações - tópico este que, dada a sua urgência e gravidade, necessita de ser transversal a qualquer outra ambição descrita.

Ondas de calor, secas, cheias, intensificação e aumento de incêndios florestais são apenas algumas das consequências que Portugal sentirá cada vez mais. A crise climática já não é uma previsão futura mas uma sucessão presente de catástrofes cada vez mais devastadoras.

De acordo com um relatório elaborado em 2021, e pressupondo que o governo irá implementar políticas para cumprir as metas apresentadas em documentos como o Roteiro para a Neutralidade Carbónica 2050, o Plano Nacional de Energia e Clima 2030 ou as Leis de Bases do Clima, descobrimos que o orçamento de carbono ficará esgotado já entre 2026 e 2037. Isto significa que nos próximos 4 a 15 anos Portugal vai emitir todo o CO2 a que tem direito até 2100, em qualquer cenário global compatível com a manutenção da temperatura média abaixo dos 1,5 ºC. E numa perspectiva de justiça climática, a neutralidade carbónica até 2030 não é negociável.

Há cerca de um mês, os governos de Portugal, Espanha e França reuniram-se sobre a construção da terceira conexão via gasoduto entre Portugal e Espanha. Em plena crise climática, discute-se a expansão da infraestrutura fóssil. Este gasoduto não vai transportar energia renovável nem vai levar a preços de energia e gás mais baratos; na verdade, vai é bloquear uma transição energética real. E para quando o decrescimento da aviação? E para quando soluções reais para regiões como o Sudoeste Alentejano, onde a destruidora agricultura intensiva, a falta de água, a exploração de mão-de-obra migrante são questões repetidamente ignoradas?

Questiono-me: qual será então a transição da qual estamos na vanguarda? Neste momento, e sublinhando que a única transição energética real é uma transição justa, o rumo continua a ser o do colapso.

Há anos que o movimento por Justiça Climática sai às ruas em Portugal. No último ano, percorreu mais de 400km a pé de encontro a algumas das zonas mais afetadas pela crise climática; apresentou um plano para a transição justa na região de Sines; fez greve, protestou, invadiu, bloqueou, ocupou; fez-se ouvir.

Ora, quatro ativistas das ocupações pelo Fim ao Fóssil foram condenadas a multas por ocuparem pacificamente a sua faculdade em protesto contra a economia fóssil. Somos milhares e milhares de jovens que se vêem obrigados a lutar por um presente, por um futuro, por uma vida digna. Somos milhares e milhares a repetir mensagens como “Mais ferrovia, menos aviões”, “Transição justa, justiça climática”, “O planeta está a arder e o governo só a ver”. E os ponteiros do relógio não param de girar.

Senhor primeiro-ministro, nas suas palavras, “é importante lembrar que o futuro se constrói hoje, com e para as novas gerações”. A que futuro se refere? Um futuro de colapso climático, no qual eventos extremos se normalizam, e em que somos condenados quando não nos resignamos? Afinal de contas, numa mensagem direcionada a nós, jovens, não esqueça o que ecoamos pelas ruas: “Mudar o sistema, não o clima”. Eis um cântico que não será dito em vão.

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CARINA TAVES LAGE, 18 ANOS, ESTUDANTE DE ENGENHARIA ELETROTÉCNICA NA UNIVERSIDADE DO PORTO, LUSO-BRASILEIRA


Sua Excelência o primeiro-ministro, Dr. António Costa,

Muito se fala sobre planos, sobre o que deve acontecer até ao ano X ou até o mês Y, mas pouco efetivamente se faz. No passado dia 1, o senhor primeiro-ministro, perante a chegada de um novo ano, partilhou com o povo português a sua mensagem para 2023 – mensagem esta que se focou não na pandemia, que parou não só Portugal, mas também todo o mundo no passado; não na crise política, que assombra o país e preocupa cada vez mais os cidadãos no presente; mas focou, sim, no futuro desta nação: os jovens.

Portugal tem, de facto, o potencial para ser um país para jovens. A alta-qualidade do ensino superior português deve ser destacada, uma vez que o nosso Ensino Superior foi considerado o 35.º melhor do mundo no QS Higher Education System Strength Rankings, que mede a qualidade dos sistemas de ensino de cada país. Temos universidades conhecidas internacionalmente, com corpos docentes diversificados; temos investigadores reconhecidos mundo afora por sua competência, qualidade e ambição. O nosso ensino teórico é fenomenal, o que faz de um ambiente onde seja possível adquirir alguma experiência profissional – nomeadamente em estágios profissionais e de verão – um ótimo ponto de partida para se pôr o lecionado em prática.

No entanto, de nada adianta ter potencial se nada é feito para aproveitá-lo a nível máximo. De nada adianta ter potencial se Portugal falha constante e gravemente com a sua juventude. Nesse sentido, é percetível o quão “à deriva” estão os jovens portugueses neste momento.

É a conversar diariamente com os meus colegas, na sua maioria estudantes universitários deslocados, que percebo o quão solitários estamos neste mundo. Não é incomum ouvir um deles a queixar-se de que paga mais do que 500 euros pelo quarto onde passa as semanas; não é incomum lembrarmo-nos de um dos nossos ex-colegas, que ingressou connosco no curso dos seus sonhos e que, entretanto, precisou de ingressar noutro estabelecimento de Ensino mais perto de casa por não ter conseguido um bom alojamento no nosso Distrito.

É a conversar com alunos de terceiro ano da Faculdade de Engenharia que me apercebo da extensão das dificuldades que um dia enfrentarei. Atualmente, a falta de estágios disponíveis preocupa qualquer estudante universitário; a dificuldade de se conseguir experiência profissional significativa nas nossas respetivas áreas de estudo é um claro indicador de que o panorama não é positivo. Um engenheiro eletrotécnico nunca poderá projetar um gerador sem saber como este funciona na prática, bem como um médico nunca poderá exercer a profissão sem antes ter passado por um período de residência.

Portugal jamais será um país para jovens enquanto os estágios forem, na sua grande maioria, não-remunerados.

Portugal jamais será um país para jovens enquanto a obtenção destes próprios estágios – sejam ou não remunerados – seja uma dificuldade por si só. Portugal jamais será um país para jovens enquanto um estudante de Engenharia, após ter investido pelo menos cinco anos da própria vida a realizar uma Licenciatura e um Mestrado, saia da universidade a saber que não irá ganhar muito mais do que mil euros ao mês; Portugal jamais será um país para jovens enquanto um quarto nas grande cidades custar quase um ordenado mínimo, impossibilitando, portanto, o acesso de muitos à universidade dos sonhos. Infelizmente, faço parte da geração mais qualificada de sempre, mas que irá ter uma qualidade de vida pior do que as anteriores.

Uma interação que tive com um aluno do segundo ano de Mestrado do meu curso, no meu primeiro mês no Ensino Superior, marcou-me significantemente. “Não percas tempo: prepara o teu percurso académico de modo a que consigas sair do país assim que puderes. Viver no estrangeiro certamente tem as suas dificuldades, mas ao menos irás ganhar mais e terás mais estabilidade”. Este é, para mim, o exemplo que mais claramente evidencia como o país falha para com os jovens: muitos de nós já começam a licenciatura a pensar em como irão viver e trabalhar para fora. A nova mão-de-obra qualificada abandona o país-mãe, que não os valoriza devidamente, e parte rumo ao desconhecido com a certeza de que as suas qualificações serão devidamente levadas em consideração.

O senhor primeiro-ministro mencionou no seu pronunciamento que “o futuro se constrói hoje”. Na minha opinião, o futuro não só se constrói hoje, mas também começa hoje: é preciso de se tomar ações eficazes e poderosas para se alterar a atual situação. Afinal, é através da mudança que se alcança o progresso e a inovação, e ainda é preciso progredir em diversos aspetos para fazer deste país um centro de oportunidades para os jovens.

Melhores cumprimentos,
Carina Taves Lage

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KENIA POLLHEIM NUNES, 24 ANOS, TRABALHADORA-ESTUDANTE. VIVE EM LISBOA, NASCEU NO BRASIL E CRESCEU EM MACAU

Ano novo, vida nova, ou pelo menos é o que se ouve. Na mensagem de ano novo de António Costa direcionada às novas gerações, o primeiro-ministro encarna Janus, Deus romano de inícios e transições, conhecido pelas suas duas caras: uma delas tem os olhos postos num Passado que se descreve triunfante, com todos os avanços que se foram edificando em vários sectores, com destaque para a Educação, o Empreendedorismo e a Habitação; a outra face mostra-se esperançosa face a um Futuro reluzente, em que a sustentabilidade será realidade, o PIB estará acima da média europeia, a pobreza erradicada, e o investimento na em investigação e desenvolvimento inegável.

António Costa escreve-nos com certezas e é firme quando acentua a obrigação do Governo em assegurar que Portugal seja a primeira escolha dos seus jovens. O otimismo do PM, outrora bem-vindo, torna-se amargo. Já não sabemos em que leva de “tempos conturbados” vivemos, até a gen-z já perdeu a conta. O louvar das vitórias resume-se a prosa, quando aquilo que vemos à nossa volta continua tão enevoado.

O Portugal que António Costa descreve com espalhafato e aquele em que vivemos não são análogos. Não resta muita expectativa para o futuro quando o presente é turvo. A “paixão pela educação” não supre os programas desatualizados e as infraestruturas precárias. A redução do valor das propinas da licenciatura é certamente bem-vinda – celebraremos com mais afinco quando esse valor chegar a zero –, mas é, sem dúvida, conveniente deixar de fora do discurso as taxas e emolumentos (como ter de pagar por um certificado de conclusão de curso) e, principalmente, o valor discricionário da propina dos mestrados em universidades públicas, sem teto máximo.

O elogio à democratização do acesso ao Ensino Superior empalidece ao lado do habitual subfinanciamento: em 2022, Portugal ficou abaixo da média da OCDE no investimento ao ES. O Plano Nacional para o Alojamento surge quase como novidade, mas falta dizer que foi lançado em há quatro anos, com a promessa de mais 12 mil camas criadas até ao ano passado, e que as 15 mil camas públicas que existem em 2023 são as mesmas desde então.

Fala-se, ainda, de sermos o maior ativo que um país pode ter. Somos a geração mais qualificada, e é vital, segundo o PM, garantir a nossa permanência no país. No entanto, somos a geração mais precária:
falo por mim e por amigos que, no limbo entre a faculdade e o primeiro emprego (estável), cambaleiam de estágio em estágio, recebendo com surpresa a notícia de remuneração garantida, agravando-se a situação quando se trabalha na cultura, área cronicamente subvalorizada. Descrevo a realidade que conheço, e não posso negar que a sorte sempre me assistiu, mesmo que o meu primeiro trabalho a contrato tenha sido numa loja de fast fashion, para ajudar a suportar as despesas durante o mestrado. Mas ver colegas com salários em atraso num profundo desvalor pelo ofício, ou a calcar diariamente distâncias de 80 km para um estágio que nem o passe de transporte paga é caricatural num país que se diz tão benevolente para com as novas gerações.

Os “ecossistemas de startups vibrantes” e “investimento das empresas (...) em máximos históricos” não são suficientes para que não estejamos sempre com um pezinho de fora do país, a sentir a sombra da emigração a engolir-nos. Ou, então, a de vivermos confinados a um pólo caótico e alienante (ironicamente usufruído por millenials estrangeiros, expats em burn-out como porto seguro – e barato), onde as rendas afogam e as prospecções de viver com colegas de casa até aos 30 assustam. Os sucessivos atrasos e não-adjudicações dos Concursos de

Renda Acessível toldam ainda mais as perspectivas de poder sair de casa dos pais ou abandonar o co-living, tornando complicada o que o PM descreve como a “geração de novas gerações”.

Quero viver no país que António Costa descreve com tanta resplandecência. Mas também quero que não se varram as falhas para debaixo do tapete, que se possa falar com honestidade e sobretudo humildade sobre os tempos de crise em que vivemos e que, tão cedo, não vão melhorar. Ainda que se perceba a intenção, neste momento já não chega a bravata das palavras de António Costa. De nada vale ser Janus, com uma cara virada para o passado gabado, outra para o futuro que se promete notório, se o presente é intempestivo e o foco que se lhe dá, insubstancial.

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MARIANA CARVALHO, 24 ANOS, ESTUDANTE DO MESTRADO EM GESTÃO NA UNIVERSIDADE NOVA DE LISBOA, NATURAL DE RIO DE MOURO, SINTRA

Caro primeiro-ministro,

Somos a geração que viveu as crises de 2008, 2011, 2020 e 2022. As duas primeiras como espetadores ativos. Lembramo-nos vigorosamente das dificuldades passadas pelos nossos pais e familiares, despedidos dos seus empregos outrora certos, vendo a progressão das suas carreiras congelada por anos a fio, e com elas os seus salários.

As crises de 2008 e 2011 tornaram a nossa geração um grupo de jovens preocupados, ansiosos e cautelosos. As nossas conversas frequentemente incluíam o tópico da crise, tendo nós apenas 9, 10 ou 11 anos. Cedo aprendemos a “não gastar”. Mas ironicamente permanecemos dos países da Europa com menor literacia financeira, que não é fomentada nas instituições de ensino. A verdade é que toda a nossa vida ouvimos falar dos remotos tempos das “vacas gordas” e de como especialmente naquela altura (tenha ela sido 2008, 2011, 2020 ou 2022) tínhamos de fazer um esforço para poupar. Mas não gastar não é sinónimo de poupar e não temos sistemas postos em prática que nos ajudem a guiar este caminho.

Desde 2020 que experienciamos na pele a vivência da palavra “crise” no seu exponencial, já adultos, muitos a terminar cursos, outros a começar a trabalhar. Nessa altura, passados quase 10 anos desde 2011, quando achávamos que todo o esforço, poupança e dedicação que praticamos nos últimos anos seria recompensado, sofremos o abalo de uma crise pandémica, que veio piorar um conjunto de condições que por si só já não satisfaziam as nossas necessidades: salários precários e enormes custo de habitação. A falta de literacia financeira anteriormente sentida reflete-se agora no que evoluiu para ansiedade financeira na nossa geração.

Nesta época de incerteza, nada é mais importante que a confiança no futuro. Mas ainda há um longo caminho a percorrer. Os jovens portugueses, cada vez mais qualificados, querem sentir-se respeitados e acarinhados pelo seu país. Tal como uma mãe ou um pai que providenciam os recursos para o sucesso do seu filho, que o felicitam quando corre bem e o abraçam quando corre mal, os jovens portugueses precisam de ser abraçados pelo seu país. A nossa geração quer ficar em Portugal, mas vê-se encurralada por trabalhos que frequentemente excedem as horas diárias legais em troca de salários precários. Continuamos a ser a geração dos incontáveis estágios curriculares não remunerados, a geração que se tem de provar continuamente em troca de condições que nem sequer lhe asseguram uma renda de alojamento, uma habitação, quanto mais a criação de património próprio, de uma vida, no nosso país?

Os nossos vinte anos passam fugazes, somos uma geração trabalhadora e criativa. Cada vez mais temos ideias de negócios, mas onde está o apoio ao desenvolvimento das empresas em Portugal?

Queremos construir uma vida aqui, contribuir para o nosso país, mas como podemos construir património nosso, quando nem sequer uma casa conseguimos alugar aos 25 anos?

Somos a geração mais instruída de sempre, mas a compensação não reflete o nosso trabalho. E começamos a contentar-nos com pouco, dizem-nos que é mesmo assim que deve ser. Trabalhamos longas horas por salários mínimos e achamos que esta é a normalidade. Como é que continuamos a achar que um salário de 1200 euros brutos, considerado um bom salário para início de carreira em Portugal, é sequer digno quando nem metade dos nossos custos são cobertos? Quando bem sabemos que a perspetiva de aumento e progressão é cada vez mais horizontal do que vertical? Quando os empregadores nos olham de lado se pedirmos mais?

Vivemos em constante ansiedade e conflito. Não sabemos o que nos espera. Mas temos fé e fazemos o dia-a-dia com resiliência e perseverança. Precisamos de um país consciente dos nossos sentimentos e que nos apoie neste caminho.


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TOMÁS FERNANDES, 17 ANOS, ESTUDANTE DO ENSINO SECUNDÁRIO DE LÍNGUAS E HUMANIDADES, MORA EM SETÚBAL

O senhor primeiro-ministro fez uma mensagem de Ano Novo muito focada nos jovens e nas suas conquistas para connosco. Infelizmente, esqueceu-se de mencionar os seus fracassos. Esses fracassos podem ser apontados em diversas áreas: infra-estrutura, habitação, mas principalmente, na educação.

O senhor primeiro-ministro afirma que devemos ter “confiança no futuro”, mas pergunto aos jovens, que confiança num país em que o desemprego jovem é de 15,9% e nada é feito para alterar isso?

Na área da educação foi onde encontrei mais situações engraçadas (para não dizer trágicas). Falam de escolas com acessibilidade, sendo que muitas escolas, inclusive a minha, ainda hoje, não garantem elevadores e outros mecanismos para pessoas com deficiência.

António Costa afirma, também, que democratizou o acesso ao ensino superior, reduzindo o preço das propinas, mas esquece-se da habitação. Hoje em dia, um aluno que seja, por exemplo, do Alentejo e que os pais trabalhem na agricultura, por muito bom que seja, dificilmente chegará à universidade, nomeadamente em cidades como Lisboa e Porto, porque os quartos rondam os 400 euros. O alojamento estudantil não é uma realidade, porque, como se diz popularmente, das duas, uma: ou não se consegue vaga, ou não há condições.

O Chefe de Governo afirma também que houve uma “diversificação da oferta do Ensino Secundário”; eu ainda estou à espera dessa oferta, porque para ter as disciplinas que queria teria de estar em Cascais, porque, na maioria das escolas, só abrem as “disciplinas populares”.

Eu tenho Sociologia porque conseguimos ter o mínimo para se formar turma, mas a minha escola, como não tem a disciplina de Sociologia há quatro anos, nem manual adotou. Já para não falar que, no ensino secundário, as turmas estão sobrelotadas por falta de professores, que se recusam, e com toda a razão, a trabalhar a centenas de quilómetros da família quando, muitas vezes, faltam professores no seu concelho de residência ou em concelhos limítrofes.

As greves estão cada vez mais recorrentes devido, também, ao tratamento que os professores têm. Senhor primeiro-ministro, tem planos para descongelar as carreiras dos professores, dar-lhes salários dignos e repor os anos de serviço que tiveram cortados?

Mesmo com a, citada pelo primeiro-ministro, “melhoria do emprego e do rendimento das famílias”, o poder de compra do português diminuiu. E os jovens são os mais afetados com isso, porque recebem salários mais baixos.

António Costa fala-nos também de que Portugal deve ser um destino que os jovens queiram trabalhar, apontando que o desemprego tem vindo a diminuir nos últimos sete anos, resta ver o próximo ano, em que, ao que tudo indica, o desemprego vai aumentar.

As empresas que estão a chegar a Portugal, que Costa aponta como um benefício, facilmente saem e levam consigo os jovens, que são os profissionais mais qualificados, e levam-nos para destinos onde, dificilmente, ganharão tão pouco como ganham aqui.

Em Portugal, a maior dificuldade dos jovens é a conseguir comprar uma casa para chamar de sua. O senhor primeiro-ministro afirma que o PRR tem 2,7 mil milhões de euros previstos para a área da habitação, mas senhor primeiro-ministro, nós jovens estamos fartos de previsões e de possibilidades, queremos ação e apoio no que necessitamos. O programa especial de arrendamento jovem ainda não saiu do papel, mas será que algum dia sairá?

Concordo consigo senhor primeiro-ministro, quando diz que o futuro se contrói hoje, mas o futuro somos nós, e temos de ser tratados como cidadãos que somos, porque se nos querem cá (em Portugal), neste momento, têm muito trabalho a fazer.

Este texto faz parte de um conjunto de conteúdos que o Expresso publica para falar diretamente com os leitores mais jovens e sobre aquilo que os afeta mais de perto. Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail.