18.1.23

Oxfam desafia líderes mundiais a tributar os “super-ricos” para reduzir desigualdades até 2030

Pedro Crisóstomo, in Público

ONG traça como objectivo reduzir o número de milionários para metade e defende que a tributação “desempenhará um papel crucial” no combate às desigualdades.

A organização não-governamental Oxfam aproveitou o arranque de mais um Fórum Económico Mundial em Davos, na Suíça, onde esta semana se reúne a elite financeira, económica e política global, para pedir aos governos que aumentem os impostos de forma generalizada sobre os “super-ricos” como forma de combater as desigualdades económicas, sociais e regionais à escala planetária num momento em que a pandemia e a pressão inflacionista se arriscam a agravar a tendência de concentração da riqueza.

Fazê-lo, diz, seria uma “parte” da estratégia destinada a garantir uma “distribuição mais justa e racional da riqueza do mundo”. A Oxfam coloca como objectivo “reduzir para metade a riqueza e o número de milionários até 2030”, o que significaria apenas regressar “ao ponto em que se encontravam há apenas uma década, em 2012”.

É uma proposta que dá forma ao movimento “Tax the Rich”, que nos últimos anos do pós-crise financeira intensificou o apelo global para que os governos tributem de forma mais intensa os “ultra-milionários” — “ultra-ricos” ou “super-ricos”.

A Oxfam constata que, de acordo com o Banco Mundial, “a desigualdade e a pobreza globais estão a aumentar ao ritmo mais rápido desde a Segunda Guerra Mundial” e sublinha a necessidade de os Estados definirem políticas de combate à desigualdade que incluam não só o recurso à tributação dos mais-ricos, mas também das empresas (multinacionais, sobre quem foram tomadas algumas medidas, como a definição de um IRC mínimo e regras de maior transparência na apresentação de informações financeiras).

A organização traça quatro recomendações. A primeira passa por reagir no curto prazo, neste momento de forte inflação, criando “impostos pontuais de solidariedade sobre a riqueza e impostos sobre os lucros inesperados”.

Em segundo lugar, já a pensar no longo prazo, propõe que os Estados aumentem os impostos “de forma permanente sobre os 1% mais ricos, por exemplo, para pelo menos 60% do seu rendimento do trabalho e do capital, com taxas mais elevadas” para quem está no topo da pirâmide. “Os governos devem aumentar particularmente os impostos sobre os ganhos de capital, que estão sujeitos a taxas de impostos mais baixas do que outras formas de rendimento”.

A terceira recomendação decorre da segunda, para blindar a tributação de forma a garantir que há uma contribuição efectiva independentemente da forma como as pessoas detêm os activos financeiros e patrimoniais e da forma como a transmitem aos herdeiros. A organização diz que é necessário “tributar a riqueza dos 1% mais ricos a taxas suficientemente elevadas para reduzir significativamente o número e a riqueza das pessoas mais ricas, e redistribuir estes recursos”, o que “inclui a implementação de impostos sobre a herança, a propriedade e a terra, bem como impostos sobre a riqueza líquida”. A organização salienta que “metade dos milionários do mundo vivem em países que não têm qualquer forma de imposto sucessório sobre a riqueza e os bens transmitidos aos descendentes directos”.

A quarta recomendação genérica refere-se aos fins. A ONG sugere que os Estados utilizem as receitas alcançadas em despesas que contribuam para diminuir as desigualdades, em sectores como “os cuidados de saúde, a educação e a segurança alimentar” e numa estratégica de combate às alterações climáticas, financiando a “justa transição para um mundo com um baixo teor de carbono”.

No relatório, a organização defende que “a tributação desempenhará um papel crucial”, mas que tal “só será possível se rompermos radicalmente com décadas de cortes fiscais para os ricos e as empresas”, tendo em conta que desde os anos 1980 o aumento da riqueza entre os ricos dos mais ricos coincidiu com uma “queda acentuada dos impostos” favorável a essa franja dos 1% com maior capacidade financeira. “Embora existam diferenças entre países, existe uma tendência geral para a redução de impostos para os ricos em todas as regiões do mundo”.

“As taxas máximas do imposto sobre o rendimento [das pessoas, o equivalente ao IRS português] tornaram-se mais baixas e menos progressivas, com a taxa média do imposto sobre os mais ricos a cair de 58% em 1980 para 42% mais recentemente nos países da OCDE. Em 100 países, a taxa média é de ainda mais baixa, de 31%”.

Por contraponto, a directora executiva da Oxfam International, Gabriela Bucher, afirma que enquanto os super-ricos estão a enriquecer a um ritmo superior aos seus sonhos mais selvagens “as pessoas comuns fazem sacrifícios diários em relação a necessidades básicas como a alimentação”.

Os ganhos “extraordinários”

No relatório, a ONG diz que as “décadas de cortes fiscais para os mais ricos e empresas exacerbaram a desigualdade” e que “em muitos países, as pessoas mais pobres são tributadas a uma taxa mais elevada do que os milionários”.

Nos últimos dois anos em que o mundo viveu em pandemia e enfrentou uma escalada da inflação agudizada pela guerra na Ucrânia, os “super-ricos” viram as sua fortunas engrossar, fruto de “ganhos extraordinários, gerados em grande parte como resultado de pacotes de estímulo e da injecção de fundos públicos na economia” e da crise.

Os 1% mais ricos concentram perto de dois terços dos 42 mil milhões de dólares da nova riqueza criada desde 2020, detendo quase duas vezes mais riqueza do que o resto do mundo. “Os milionários registaram um aumento da riqueza sem precedentes. Desde 2020, com a pandemia e a crise do custo de vida, os 1% mais ricos obtiveram 26 triliões de dólares [milhões de milhões] da nova riqueza gerada (63%), enquanto o resto do mundo recebeu apenas 16 triliões de dólares (37%)”.

Um milionário ganhava 1,7 milhões de dólares por cada dólar ganho por uma pessoa da franja dos 90% de menores rendimentos. A Oxfam diz que hoje, por cada um dólar de impostos arrecadado pelos Estados, “apenas quatro cêntimos provêm de impostos sobre a riqueza”.

Em relação a este momento inflacionista, a Oxfam sublinha o facto de os lucros nos sectores alimentar e energético terem aumentado durante a pandemia

O relatório refere que 95 empresas da área alimentar e da área energética “mais do que duplicaram os seus lucros em 2022”. Obtiveram “lucros inesperados num total de 306 mil milhões de dólares e pagaram 257 mil milhões de dólares (84% deste valor) aos accionistas ricos”. “A família Walton, que detém metade da [cadeia de supermercados norte-americana] Walmart, recebeu 8500 milhões de dólares no ano passado. A fortuna do milionário indiano Gautam Adani, proprietário de grandes empresas de energia, aumentou em 42 mil milhões de dólares (ou 46%) só em 2022. O excesso de lucros empresariais representou pelo menos 50% da inflação na Austrália, nos Estados Unidos e no Reino Unido”, refere a Oxfam no comunicado onde sintetiza o relatório.

Em Portugal, a distribuição alimentar e as actividades energéticas foram os sectores ais quais o Governo decidiu aplicar as contribuições especiais, para tributar de forma adicional os lucros expressivos face aos anos anteriores. No caso das empresas do petróleo bruto, gás natural, carvão e refinação, a contribuição decorre de um entendimento europeu, que permitirá tributar estes sectores em 2022 e 2023 de forma excepcional e uniforme, com uma taxa de 33% a fatia dos lucros tributáveis que superem a fatia correspondente a 20% de aumento em relação à média de 2018 a 2021. No caso da contribuição sobre o sector da distribuição, a medida é igual e foi decidida a nível nacional.

Para Gabriela Bucher, directora executiva da Oxfam International, “tributar os super-ricos e as grandes empresas é a saída para a sucessão de crises que hoje enfrentamos”. “É tempo de pôr fim ao conveniente mito de que os cortes nos impostos sobre os mais ricos resultam em riqueza que de alguma forma chega a todos os outros”, afirma.