Tânia Laranjo, in Jornal Público
Decisão ainda terá de ser ratificada em Conselho de Ministros. Mas Comité dos Direitos Sociais já condenou a sentença judicial que legitima castigos moderados
O Comité Europeu dos Direitos Sociais, um órgão do Conselho da Europa, considerou censurável o acórdão dos juízes do Supremo Tribunal de Justiça, que o PÚBLICO noticiou em Abril do ano passado, e onde são considerados admissíveis os castigos moderados às crianças. A decisão ainda não foi ratificada pelo Conselho de Ministros europeu e a punição que será determinada a Portugal só deverá ser conhecida no próximo mês de Maio.
A queixa foi interposta pelo Comité Mundial contra a Tortura, que já tinha avançado em 2003 com uma acção contra Portugal e outros cinco países da União Europeia. Alegavam então que a nossa legislação era insuficiente em termos de protecção dos direitos das crianças, baseando-se também num acórdão judicial que autorizara um pai a dar alguns correctivos moderados ao filho.
A queixa acabou, no entanto, por ser considerada improcedente, tendo então o Comité Europeu afirmado que Portugal cumpria as directivas europeias. Um entendimento diferente terá agora sido proferido pela mesma entidade, após nova queixa do Comité Mundial contra a Tortura, mas baseando-se na decisão judicial proferida no ano passado.
Em causa estava a decisão de três juízes conselheiros. Aqueles diziam ser "lícito" e "aceitável" o comportamento da responsável de um lar de crianças com deficiências mentais, acusada de maus tratos a vários menores.
A mulher tinha sido indiciada por diversas situações: daria palmadas e estaladas às crianças, fechá-las-ia em quartos escuros quando estas se recusavam a comer, mas foi condenada por apenas uma dessas situações. Nas restantes, os juízes entenderam tratar-se de castigos aceitáveis. "Fechar crianças em quartos é um castigo normal de um bom pai de família. (...) As estaladas e as palmadas, se não forem dadas, até podem configurar negligência educacional", diziam, perguntando: "Qual é o bom pai de família que, por uma ou duas vezes, não dá palmadas no rabo de um filho que se recusa a ir para a escola, que não dá uma bofetada a um filho (...) ou que não manda um filho de castigo para o quarto quando ele não quer comer?".
O acórdão foi, na altura, alvo de várias críticas por parte de diversos responsáveis, tendo até os advogados que haviam defendido o Estado na primeira acção demarcado-se do novo acórdão do Supremo. O Ministério Público também não tinha subscrito tal tese, tendo mesmo recorrido da decisão que punira a responsável do lar com uma pena suspensa.
O caso ganhou também contornos de maior gravidade por se tratar de crianças deficientes, entregues a uma organização do Estado. A decisão do Supremo Tribunal de Justiça acabou depois por se tornar efectiva, por não ter havido recurso para qualquer outro tribunal superior. No caso não houve qualquer protesto para o Tribunal dos Direitos Humanos, já que, neste processo, as crianças eram representadas pelo Estado.