Ana Cristina Pereira, in Jornal Público
A noite cai sobre a Rua de Santa Catarina, no Porto. Um pano, esticado no chão, prende a atenção dos transeuntes: "O meu nome era Gisberta/ fui torturada, violada, assassinada/ para a justiça, eu morri afogada e a culpa foi da água." Fora do pano, um travesti é empurrado, agredido sem que alguém vá em seu auxílio. De regresso ao pano, sucumbe à última agressão. E é um dos seus agressores que cobre de negro o seu corpo inerte, em posição fetal.Em escassos minutos, um retrato possível de dois tipos de violência que se abatem sobre os trangéneros - a do que agride e a do que se revela indiferente, salienta Fernando Mariano, um dos jovens do movimento Panteras Rosa - Frente de Combate à Lesbigaytransfobia que deram corpo à performance. Meta? Assinalar o dia em que o corpo de Gisberta - imigrante, trabalhadora do sexo, toxicodependente, seropositiva, tuberculosa e sem-abrigo - foi encontrado, num fosso."Fala-se de um crime que "chocou o país".
E não é verdade: um país chocado é um país que reage e previne", defendem os activistas, no panfleto distribuído aos transeuntes e lido no rescaldo da performance. O ""choque" foi limitado à jovem idade dos autores deste crime [...] e não se estendeu à perda de uma vida, à exclusão social extrema" que encurralava Gisberta. Um ano depois, "nada de concreto se alterou". "O país pode, portanto, acertar os relógios e continuar a contar os dias até à próxima Gisberta".Os Panteras classificaram de "ignóbil" a sentença decretada aos 13 menores envolvidos na morte da transexual e, a partir dela, concluem: "Podem matar-se transexuais, porque isso não tem em si consequência jurídica. [...] O Estado continua a ser o primeiro violador da igualdade. Não só não a combate como promove a discriminação através da sua inacção e das suas leis."