23.2.07

Um ano de acções para acabar com a discriminação

Sofia Branco, in Jornal Público

Plano nacional de acção para o Ano Europeu da Igualdade aposta na informação. Associações realçam que "ainda há muito a fazer"


a As minorias raciais e étnicas permanecem ausentes do círculo de poder, apesar de a imigração continuar a crescer. As mulheres estão mais presentes na política, mas recebem salários inferiores em muitas empresas. E a violência doméstica ainda mata. Os idosos são cada vez mais votados ao abandono. A partir dos 35 anos já é difícil arranjar emprego. Os casais homossexuais não podem casar nem adoptar. O dia-a-dia das pessoas com deficiência esbarra em obstáculos constantes. Portugal pode não ser abertamente racista, mas é preconceituoso, como sublinhou o último relatório do Conselho da Europa.

Sexo, raça ou etnia, idade, religião ou crença, deficiência, idade e orientação sexual. Reflexos de diversidade ou elementos potenciadores de discriminação? Sob o lema "Para uma sociedade mais justa", a União Europeia determinou que 2007 seria o Ano Europeu da Igualdade de Oportunidades para Todos, cabendo a cada Estado-membro definir o seu plano de acção. A discriminação, em todas as suas vertentes, é o alvo a abater. A arma é a sensibilização, porque, acredita-se, a passagem das palavras aos actos virá naturalmente depois.

O plano de acção português, hoje oficialmente apresentado pelo Governo, "não pretende desenvolver políticas", mas "motivar a opinião pública" para a importância de não discriminar, realçou ao PÚBLICO o secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, Jorge Lacão. Porque "toda e qualquer legislação [...] não passará de letra-morta se não for traduzida em acções de longo prazo por uma vontade política e não for amplamente apoiada pela população", lê-se na informação oficial sobre o Ano Europeu. Em Portugal, haverá um "programa intenso de iniciativas de sensibilização, com acções, descentralizadas, ao longo de todo o ano", refere Lacão.

Transversalidade do género

A instrução é europeia: a igualdade entre homens e mulheres deve ser transversal a todas as políticas antidiscriminação. No plano nacional, se há uns anos a igualdade de género estava excluída das prioridades governamentais, hoje invadiu o discurso político-legislativo, tendo "uma presença institucional expressa", destacou Lacão, vincando: "Tudo é avaliado sob o impacte de género.

"O facto de estar sob a tutela do Ministério da Presidência e de ter uma fatia orçamental, no novo quadro comunitário de apoio (QREN 2007-2013), de 76 milhões de euros consubstancia a aposta. A igualdade de género está, aliás, entre os dez objectivos nacionais enunciados por José Sócrates no âmbito do QREN.

O rumo definido por "leis de marca do carácter da legislatura, como a lei do aborto, a lei da paridade e a lei da reprodução medicamente assistida", não será alterado e a igualdade de género será objecto de "um esforço continuado", com implicações transversais, indicou Lacão. Por exemplo, as vítimas de violência vão deixar de pagar as taxas moderadoras quando recorrerem às urgências e o regime de apoio judiciário deixará de exigir a apresentação dos rendimentos do casal (e não só da mulher) para fazer prova de carência. As empresas públicas foram já "convidadas" pelo Governo a aderir às boas práticas da igualdade entre homens e mulheres.

As queixas de discriminação chegam à Assembleia da República por via das petições. Melhoria nas acessibilidades de comunicação das pessoas com deficiência e casamento entre pessoas do mesmo sexo são alguns dos temas que esperam luz verde para o debate. Elaborado por uma estrutura de missão que reuniu organismos públicos e associações, o plano nacional de acção resulta de um consenso alargado. Porém, há quem, como a Associação Portuguesa de Deficientes, lamente nem sequer ter sido ouvido. As campanhas de sensibilização são bem-vindas, mas as associações alertam que "ainda há muito a fazer" e que é necessário "desenvolver mecanismos que promovam, acompanhem e fiscalizem a não discriminação", enumera Alice Frade, que esteve nas reuniões. A exigência deverá constar da declaração comum que hoje será divulgada, no âmbito da apresentação do plano de acção. "A administração pública tem que promover uma efectiva inclusão", vinca Alice Frade, realçando que o Ano Europeu "não é um ano de festa, é um ano de compromisso".

Um camião TIR, recheado de material didáctico sobre as diversas discriminações e com uma exposição móvel, vai percorrer o país para falar de igualdade, com paragens de uma semana em várias localidades. Esta é uma das iniciativas incluídas no plano nacional de acção que será esta tarde apresentado, no Centro de Congressos de Lisboa, com a presença do primeiro-ministro, José Sócrates, e dos ministros da Presidência e do Trabalho e da Solidariedade Social, Pedro Silva Pereira e Vieira da Silva, respectivamente. Escolas e municípios serão dois eixos fundamentais de intervenção, com a criação de concursos e prémios para homenagear as boas práticas. Haverá ainda um colóquio por cada discriminação - tendo sempre em conta que, muitas vezes, as discriminações são "múltiplas" -, um ciclo de cinema e uma exposição de banda desenhada sobre violência doméstica. A presidência portuguesa também vai ter uma componente de promoção da igualdade.

Nesse sentido, Lisboa vai acolher, a 10 e 11 de Setembro, uma reunião do grupo de alto nível para o mainstreaming de género, que vai analisar a actualização dos objectivos da Plataforma de Acção de Pequim. E, em Outubro, será palco de uma reunião de peritos em igualdade de género sob o tema da empregabilidade e do empreendedorismo, concretamente na criação de instrumentos que facilitem a iniciativa das mulheres e promovam a conciliação profissional, familiar e pessoal. O Porto acolherá, a 8 e 9 de Outubro, um seminário sobre tráfico de seres humanos. No quadro da presidência portuguesa da UE, caberá a Portugal acolher a conferência de encerramento do Ano Europeu para a Igualdade, a 20 e 21 de Novembro, em Lisboa.

O Ano Europeu da Igualdade de Oportunidades para Todos é uma iniciativa que assinala, em simultâneo, em todo o espaço comunitário, a necessidade de respeitar e promover a igualdade e a não discriminação. "Pretende sensibilizar a população para os benefícios de uma sociedade justa e coesa", cabendo aos países-membros da UE adoptarem iniciativas "que tenham por objectivo combater atitudes e comportamentos discriminatórios, bem como informar os cidadãos sobre os seus direitos e obrigações", nomeadamente sobre a legislação comunitária. Assenta na ideia de que a discriminação deve ser "atacada" com uma "abordagem transversal", nas vertentes do sexo, raça ou etnia, religião ou crença, deficiência, idade e orientação sexual. Saiba mais em http://europa.eu/scadplus/leg/pt/cha/c10314.htm