Por Clara Viana, in Jornal Público
Segundo especialistas, mais importante do que uma nova lei, era criar condições para aplicar a que já existe. E apostar na prevenção
As alterações à Lei Tutelar Educativa ontem aprovadas pelo Governo traduzem algumas das principais recomendações feitas pelo Observatório Permanente de Justiça da Universidade de Coimbra, mas continua sem resposta a medida que para o OPJ é a mais prioritária - a execução urgente de um Plano Nacional para a Prevenção da Delinquência Juvenil.
A Lei Tutelar Educativa destina-se a jovens entre os 12 e os 16 anos que tenham cometido um crime. A proposta de diploma, que terá de ser submetida à Assembleia da República, introduz uma nova medida tutelar educativa, prevendo o "internamento terapêutico" para menores que "sofram de problemas de saúde mental, subjacentes ao seu comportamento desviante". Na lei actual, a medida de internamento está prevista para jovens que tenham cometido crimes a que correspondam penas máximas de prisão superiores a três anos. Os menores são internados nos chamados "centros educativos". No final de 2010 estavam nesta situação 226 jovens.
Em comunicado, o Conselho de Ministros esclarece que para além desta novidade se irá adaptar também o prazo máximo de duração das medidas tutelares decididas pelo tribunal de modo a adequá-lo "às necessidades educativas do menor para o direito". A duração das medidas depende da natureza destas. A de internamento, que é a mais grave, pode ir até aos dois anos; a da frequência de programas de formação formativa tem uma duração máxima de seis meses. O Governo pretende que, em regra, este último prazo seja alargado para um ano. Por outro lado, estipula-se que para a suspensão provisória de um processo deixa de ser obrigatório a apresentação, por parte do menor, de um plano de conduta. A decisão de suspensão compete ao Ministério Público.
"Mais do que a mudança na lei o que é necessário é criar as condições para a sua plena e efectiva aplicação prática", alertou o OPJ. O que passará também pela elaboração de um de plano de prevenção que poderá contribuir para colmatar uma das "lacunas" actuais: a ausência de respostas em relação os jovens que "estão na zona cinzenta" - aqueles que ainda não cometeram um crime, mas estão em processo para tal. "É nas situações-fronteira que o sistema de intervenção falha", frisa-se
Quando já cometeram crimes é também perspectiva de sucesso das medidas educativas que frequentemente está fragilizada à partida, nota a Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa numa reflexão elaborada em 2009. Isto deve-se, sobretudo, ao facto de "uma percentagem significativa de internamentos ocorrer em idades correspondentes à faixa etária mais alta". Nesta reflexão, a procuradoria defende que a intervenção tutelar deve acompanhar "a antecipação da idade com que os menores de 16 anos iniciam a actividade delituosa grave". Se não existir esta antecipação, está a propiciar-se que as actividades delinquentes prossigam e venham terminar "se não na prisão preventiva nos primeiros anos de imputabilidade, num provável ingresso em estabelecimento prisional como jovem adulto para o cumprimento de pesada pena de prisão resultado de cúmulos jurídicos", adverte-se.
Mas as instituições que acolhem estes menores podem também agravar o problema, afirma-se num relatório da Comissão de Fiscalização dos Centros Educativos, que o PÚBLICO divulgou este mês, e onde se tecem duras críticas ao funcionamento destes, à rigidez e à oferta da formação disponibilizada, à falta de acompanhamento psicológico e psiquiátrico. "Muitos saem dos centros educativos e não demoram a estar nas prisões", constatou o procurador responsável pela comissão, Norberto Martins.