in Jornal Público
Fenómeno é superior cá, onde respostas sociais não têm parado
Espanha contabilizou 71 mulheres assassinadas pelos seus parceiros ou ex-parceiros no ano passado. Pelas contas do Conselho Geral do Poder Judiciário, 528 mulheres perderam a vida desde 2003. Yolanda Rodríguez Castro, da Universidade de Vigo, analisou os dados espanhóis, comparou-os com os portugueses, e encontrou a mesma inconstância.
A investigadora aponta a redução que houve em Espanha de 2004 (72) para 2005 (57), na sequência da aprovação da lei integral contra a violência de género. E nota que a essa quebra abrupta se seguiu uma subida progressiva - 69 em 2006, 72 em 2007, 76 em 2008. O número tornou a cair em 2009 (55) e a subir em 2010 (71), deixando o país onde estava.
"A representação gráfica destes dados pode simular um w", observa. Exactamente como em Portugal. Se tivermos em conta a população "de Portugal (dez milhões) e de Espanha (47 milhões)", perceberemos "a devastadora realidade da violência de género em Portugal".
Yolanda Rodríguez Castro faz este exercício num artigo que apresentou no workshopAmor e Medo nas Relações de Intimidade, dia 28, no Porto. Integra a equipa do Amor, Medo e Poder - Percursos de Vida Para a Não Violência, um projecto da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto, financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia, que está a avaliar a eficácia das respostas sociais às vítimas de violência doméstica.
O artigo mostra que as respostas explodiram em Portugal nos últimos anos. A primeira casa-abrigo, por exemplo, foi criada pela União de Mulheres Alternativa e Resposta (UMAR) em 2002. Neste momento, há 35 geridas por diversas entidades privadas sem fins lucrativos.
Ainda em 2008, metade dos distritos não tinha um núcleo de atendimento a vítimas de violência doméstica - um serviço reconhecido, de carácter contínuo, prestado por técnicos habilitados. Agora, cada um tem pelo menos um - a funcionar a par de 72 centros de atendimento, com equipas pluridisciplinares que atendem, apoiam e encaminham as vítimas.
A investigadora foca as respostas que nasceram dentro das forças de segurança. A GNR criou em 2002 o que agora chama Núcleos de Investigação e Apoio a Vítimas Específicas. E a PSP respondeu, em 2006, com as Equipas de Proximidade de Apoio à Vítima. Mais de metade dos postos da GNR e esquadras da PSP têm agora salas de atendimento à vítima.
Aqui, como em Espanha, não há relação directa entre respostas às vítimas e mortes, enfatiza Maria José Magalhães, coordenadora do projecto Amor, Medo e Poder. O que falta para travar o feminicídio? "É fundamental uma avaliação rigorosa do risco. As polícias têm de ter capacidade para actuar. E os agressores têm de ser responsabilizados pelos seus actos - para que deixem de se sentir impunes."
"O que se pode fazer é o que estamos a fazer", diz a secretária de Estado da Igualdade, Elza Pais. Instalado o dispositivo de protecção das vítimas, o país ensaia caminho no tratamento de agressores. "Poucos países da União Europeia têm tratamento de agressores. Nós temos 400 agressores em tratamento ou referenciados", remata. Será preciso mais tempo. A.C.P.