Marisa Rodrigues, in Jornal de Notícias
O Estado alemão violou todas as normas e legislação internacionais ao enviar crianças para Portugal sem o aval nem o acompanhamento das autoridades nacionais. A conclusão consta num relatório do Instituto da Segurança Social a que o JN teve acesso.
"Há um abuso por parte do Estado alemão ao colocar em Portugal crianças sem serem preenchidos os requisitos" impostos pelo Regulamento de Bruxelas II, que estabelece a colocação da criança ao cuidado de uma família de acolhimento ou de uma instituição.
No documento, de 21 páginas, pode ainda ler-se que também foi violada a lei da constituição deste tipo de famílias, que recebem dinheiro por acolher os menores alemães. Há, até, um caso de uma família que recebia 9500 euros por mês, acolhendo três crianças.
De acordo com a lei, a colocação de um menor de um Estado-membro (no caso, a Alemanha) noutro (Portugal) só pode acontecer se o país de destino o aprovar. No caso das famílias de acolhimento, apenas o podem ser as constituídas por duas pessoas casadas ou em união de facto e com o máximo de dois filhos biológicos. O JN sabe da existência de famílias alemãs monoparentais e com três a quatro filhos. Não foram apenas violados diplomas internacionais e portugueses. Os alemães incumpriram as próprias leis. É que, segundo o Código Social Alemão, as organizações terão de cooperar com as entidades do país de acolhimento, bem com como as representações diplomáticas alemãs (o caso das embaixadas), e a legislação do país de destino tem de ser respeitada. O que não aconteceu em nenhum dos casos dos cerca de 500 menores que se estima terem passado por Portugal desde 1980.
A Justiça portuguesa só se apercebeu deste fenómeno quando, em 2009, duas raparigas fugiram da família de acolhimento, em Loulé, e foram encontradas num viaduto da Via do Infante auto-mutiladas nos braços e a consumir álcool e drogas, como o JN tem noticiado.
A investigação do Tribunal de Família e Menores de Faro levou à identificação de mais de cem crianças e centenas de instituições e as famílias de acolhimento. Todas à margem da lei.