Fernando Sobral [artigo de opinião], in Jornal de Negócios
José Sócrates é primeiro-ministro há seis anos. Para os portugueses e presumivelmente para ele é uma eternidade.
A sua secreta negociação do PEC IV com Bruxelas, deixando na ignorância a sociedade portuguesa e colocando-a perante um facto consumado, foi o culminar de um longo monólogo no poder. Deixa-nos perdidos num nevoeiro financeiro, sem bússolas e sem sentido de orientação. A sua queda, como a do anjo Calisto Elói de Silos de Camilo Castelo Branco, atira-nos ou não para o desastre financeiro anunciado? Isso já pouco interessa. As asas de José Sócrates caíram ou queimaram-se como as de Ícaro. Tanto faz. Durante estes anos em vez de uma estratégia para o futuro de Portugal criou o vácuo. E atirou-nos para a sopa dos pobres da Europa que deseja cada vez mais avançar a duas velocidades, sem esperar pela sua periferia. Não é o PEC IV que inabilitou Sócrates para a governação. O seu projecto pessoal faliu. Sócrates queria ser o CEO do Estado, das empresas e das consciências. Quis dominar o País e foi incapaz de se dominar a si próprio. Hamlet, o enorme personagem de Shakespeare, fingiu de louco e, friamente, colocou a máscara da loucura para dar um golpe de Estado. Sócrates não quis ser Hamlet. Desejou que o Estado e a sociedade fossem emanações dele próprio. Este é o fim de uma era e o princípio de uma nova idade da pobreza de onde demoraremos a sair. Podemos agradecer a um anjo a oportunidade de voltarmos a ser pobres. Ele ficou sem asas e nós deixámos de as ter para voar.