Andreia Sanches, in Público on-line
Foi numa escola de Tomar: em Setembro estalou a polémica e houve acusações de segregação. Agora, ainda há pais que continuam a falar de “racismo”. O Alto Comissariado para as Migrações diz que não há absentismo, mas não reconhece a turma como “boa prática”. Escola diz que tudo corre “acima das expectativas”.
Etelvina, cabelos apanhados num carrapito, saia comprida, chega apressada, perto das 12h30, à Escola Básica do 1.º ciclo dos Templários, em Tomar. Há mais mães à espera à porta que as suas crianças saiam para o almoço. Mais nenhuma é de etnia cigana, para além dela. Às 12h30 o portão abre-se para vários alunos, incluindo Amélia Alexandre, Orquídea Rosa, mais umas quantas raparigas e um rapaz de cabelos cor de cenoura, todos muito alegres, entre os 8 e os 12 anos. Rodeiam Etelvina. É ela que vai “quase sempre” buscá-los, para os levar a todos para o acampamento ali perto, onde vivem.
Como estão as crianças a adaptar-se à turma só de meninos ciganos que no início deste ano foi criada nesta escola e tanta polémica deu? Etelvina responde de forma evasiva. “Estou cheia de pressa. Se quiser venha comigo.” E seguimos Etelvina e as crianças, todos em passo apressado, rua fora, até ao acampamento.
Orquídea Rosa, 12 anos, diz ofegante, enquanto caminha, que não gosta desta turma “só de ciganos” — quer dizer, agora já não é só de ciganos, porque há tempos deu entrada um rapaz que não é cigano, conta. Orquídea, que com a idade que tem devia estar no 2.º ciclo do ensino básico mas ainda não passou do 1.º, diz que continua a ter problemas “em ler, em escrever... e no Português”.
Preferia estar num grupo com mais “senhores”, diz — “senhores” é o nome que muitos ciganos dão aos não ciganos. Amélia, também com 12 anos, diz o mesmo. “Tudo junto, todos ciganos, é uma confusão.” Conta que tem mais dificuldade agora em acompanhar a aula do que dantes, quando estava com mais “senhores”. Mas porquê? Etelvina resume, despachada: “Todos juntos não prestam atenção a nada.”
O acampamento onde vivem é composto por uma série de barracas, feitas de materiais vários — madeira, zinco, plástico... Há estendais com roupa a esvoaçar e água a correr por carreiros estreitos, que rasgam a terra batida.
Joana Encarnação, 72 anos, diz que não sabe dizer se a neta Amélia se está a dar bem ou não com a nova turma, se aprende mais agora do que dantes. Diz que já não tem “muita cabeça” para pensar nestas coisas, apesar de às vezes ir à escola falar com a professora. Amélia sorri enquanto devora, com uma colher de sopa, arroz branco de uma tigela.
José Mendes, pai de Orlanda, uma menina de 8 anos, também aluna da “turma dos ciganos”, tem mais opinião: “A professora é boa”, começa por dizer. “Mas juntar uma turma só de ciganos não faz sentido. Vocês não sabem o que acontece quando se juntam só ciganos? Nada de bom.”
E continua: “Não estão a aprender nada. Já pensei em tirar de lá as minhas filhas.” Para as levar para onde? “Ficavam aqui no acampamento”, responde revoltado. Não é meigo nas palavras: vê nesta turma que junta crianças de diferentes idades e de diferentes anos de escolaridade um acto de “racismo”.
Turma vai acabar
Mas José Mendes não tirou as filhas da escola. “Não se registam situações de absentismo escolar neste momento”, informa, de resto, o Alto Comissariado para as Migrações (ACM), numa nota enviada em resposta a uma série de questões colocadas pelo PÚBLICO sobre como corre a turma “especial” de Tomar.
“Os alunos que inicialmente integravam a referida turma têm vindo a ser, gradualmente, integrados noutras turmas da mesma escola; a referida turma não será mantida, prevendo-se que no início do próximo ano lectivo não exista”, faz saber ainda o ACM.
Em suma: por um lado, o Alto Comissariado não reconhece a constituição da turma de alunos de etnia cigana de Tomar “como uma boa prática”. Por outro, explica que “as crianças abrangidas têm registado bons resultados e têm melhorado o seu comportamento em contexto de sala de aula”. Mais: “Está a ser feita uma aposta na abertura da escola aos encarregados de educação por forma a permitir um trabalho mais sistemático e estruturado.”
Regresse-se por momentos a Setembro, arranque de ano lectivo. A escola constituiu uma turma com 14 meninos e meninas, de etnia cigana, entre os 7 e os 14 anos, de diferentes anos de escolaridade. E as famílias revoltaram-se. O caso foi noticiado pelo PÚBLICO: “Juntarem estes miúdos todos só porque são ciganos é encostá-los a uma parede para não aprenderem nada”, indignou-se na altura José António Pascoal, pai de uma das crianças.
Ao PÚBLICO, o director do agrupamento, Carlos Ribeiro, disse então que não havia intenção de segregar: “Criámos uma turma mais pequena com meninos que são repetentes.” O objectivo era que eles progredissem em vez de ficarem a marcar passo — como acontecia havia muito. Outros alunos ciganos, mas com menos problemas de sucesso escolar, estavam normalmente integrados nas diferentes turmas da escola, explicou.