Raquel Martins e Sérgio Aníbal, in Público on-line
FMI diz que crescimento de 1,5% pode levar à saída adicional de trabalhadores para o exterior e a “uma atrofia das qualificações dos trabalhadores que estão fora do mercado".
O crescimento da economia portuguesa nos próximos anos, que rondará 1,5%, não será suficiente para travar a estagnação do mercado de trabalho. O alerta é deixado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), que receia que o ajustamento se faça por via da saída de trabalhadores, nomeadamente os qualificados, para o estrangeiro, deixando no país uma força de trabalho há muito arredada do mercado e que fica com qualificações desajustadas das necessidades.
Na análise que faz à evolução do mercado de trabalho em Portugal, o FMI reconhece que as estatísticas oficiais não permitem captar totalmente a realidade. Usa por isso um indicador mais abrangente, juntando aos números oficiais os trabalhadores desencorajados – “que aumentaram de forma drástica durante a crise” – e os que, estando empregados, trabalham menos horas do que gostariam, colocando o desemprego em 20,5% no terceiro trimestre de 2014, superior às estatísticas pelo Instituto Nacional de Estatística (que apontam para 13,1%, porque não contabilizam os desencorajados e o subemprego) e muito acima dos 9,5% apurados antes da crise de 2008.
Perante este cenário, alerta o FMI, qualquer tentativa séria de resolver o problema da estagnação do mercado de trabalho “implica um crescimento da procura agregada maior do que o estimado”. A instituição liderada por Christine Lagarde antevê que um crescimento médio da economia de 1,5% no período entre 2015 e 2019, permitirá reduzir o desemprego “apenas” 2,5 pontos percentuais em 2019, para 18%.
O Fundo assinala que, neste contexto de baixo crescimento, há um “sério risco” de que a estagnação do mercado de trabalho seja eliminada pela saída adicional de trabalhadores para o exterior e por “uma atrofia das qualificações dos trabalhadores que estão fora do mercado de trabalho por um período prolongado”.
Riscos para o crescimento
A solução, acrescentam os técnicos que estiveram em Lisboa entre 28 de Outubro e 4 de Novembro, passa por colocar a economia a crescer mais. No entanto, o FMI mostra-se ao mesmo tempo bastante apreensivo em relação à capacidade que a economia portuguesa tem para acelerar o seu ritmo de retoma nos próximos anos.
No presente, o que vê é uma economia que já começou a abrandar e que está outra vez a ficar dependente do consumo privado para crescer, em vez das exportações. É por isso que o FMI prevê que, depois de um crescimento de 0,8% em 2014, Portugal cresça este ano 1,2%, um valor que fica abaixo dos 1,5% que ainda são projectados pelo Governo.
A médio prazo, o Fundo vê no seu cenário base a economia a crescer em torno de 1,5% ao ano. Mais exactamente, as previsões são de um crescimento de 1,3% em 2016 e 1,4% em 2017, apontando-se a partir para variações do PIB anual de 1,6%. Mas, avisam os técnicos do Fundo, mesmo este cenário, apenas irá acontecer se os Governos em Portugal fizerem as reformas estruturais recomendadas pela troika e se uma série de riscos externos e internos não se concretizarem. “O crescimento de médio prazo projectado depende de aumentos substanciais na produtividade total dos factores, que por sua vez dependem da implementação bem-sucedida das reformas estruturais”, afirma o Fundo, avisando que “se os esforços de reforma começarem a mostrar sinais de uma pausa prolongada, novas revisões em baixa para o crescimento de médio prazo podem tornar-se inevitáveis".
As reformas, de acordo com o Fundo, devem centrar-se nos dois problemsa que impedem o crescimento da economia no médio prazo: a reduzida competitividade externa e o endividamento excessivo das empresas. E é aqui que o Fundo está pouco optimista. O relatório repete o que tinha sido dito já pela Comissão Europeia e detecta vários sinais de que o ímpeto das reformas estruturais está a abrandar. E dá diversos exemplos, como a subida do salário mínimo, a subida dos preços da energia, o adiamento das mudanças nas profissões altamente reguladas, as alterações na lei do arrendamento e os problemas no mapa judiciário.
O FMI critica ainda o desaparecimento da Esame, a entidade liderada por Carlos Moedas e que fazia a ligação entre a troika e os diversos ministérios dentro do Governo.
O Fundo assinala diz que as eleições não ajudam a manter o ritmo de reformas, por causa das "tentações populistas" que pode trazer, mas defende que esta é mesmo o melhor momento para aproveitar a janela de oportunidade que é dada pelas condições positivas dos mercados. "A situação é agora muito melhor do que era, incluindo com o efeito positivo da acção do BCE, da depreciação do euro e da descida do preço do petróleo, mas a janela não vai estar sempre aberta", afirmou em conferência de imprensa esta sexta feira o chefe da missão para Portugal, Subir Lall.