20.1.15

Vacinar uma criança num país pobre é hoje 68 vezes mais caro do que em 2001

por B.C., in Diário de Notícias

Médicos Sem Fronteiras denunciam subidas astronómicas nos preços e denunciam lucro das farmacêuticas. Pacote de seis vacinas custava 0,57 cêntimos em 2001; em 2014, inclui doze mas custa quase 40 euros.

A denúncia é da organização não governamental Médicos Sem Fronteiras: vacinar uma criança num país pobre, em 2014, fica 68 vezes mais caro do que em 2001.

Há 14 anos, um pacote completo de vacinação garantia a imunização contra seis doenças e custava 0,57 cêntimos. Já em 2014, o mesmo pacote garante imunização contra 12 doenças mas custa 39,25 euros. E, segundo a assessora da política de vacinas da Médicos Sem Fronteiras (MSF), Kate Elder, a subida dos preços deve-se, sem margem para dúvidas, à "avareza das grandes farmacêuticas".

Segundo a BBC, o relatório da MSF refere que os preços são agora "proibitivos" e colocam em causa a sustentabilidade dos programas de imunização. De acordo com o documento, o número de vacinas oferecidas no pacote duplicou mas o preço subiu muito mais do que seria previsível. As vacinas pneumocócica, contra o rotavírus e o HPV são controladas por três grandes empresas, a britânica GSK e as norte-americanas Merck e Pfizer que, segundo explicou Kate Elder ao El País, praticam preços astronómicos. "As grandes farmacêuticas justificam os preços altos com o seu investimento em investigação para desenvolver as vacinas, mas este dinheiro já o recuperaram com lucros", denuncia a especialista.

No relatório, a MSF estima que a GSK tenha investido entre 130 e 400 milhões de euros em tecnologia e investigação para criar a sua vacina contra o rotavírus, uma das principais causas da diarreia grave em bebés e crianças pequenas, conseguindo lucrar 2,600 milhões de euros entre 2010 e 2013. A outra vacina disponível contra este mesmo vírus, da Merck, requereu semelhante investimento da farmacêutica na investigação, mas já terá rendido 3,700 milhões de euros. Também as vacinas contra o Vírus do Papiloma Humano (HPV) já terão rendido enormes lucros à Merck e à GSK, que serão entre 12 a 16 vezes superiores aos custos de produção.

As críticas à Pfizer e à Merck agudizam-se no que diz respeito à vacina pneumocócica, que torna as crianças imunes à pneumonia bacteriana, doença que mata mais de 800 mil crianças por ano, segundo as estimativas mais recentes da Organização Mundial de Saúde. O preço da vacina representa um terço do total do pacote de vacinação de uma criança e, segundo a MSF, a Pfizer gerou um volume de vendas de 13,700 milhões de euros entre 2010 e 2013 graças à imunização contra a doença. A MSF critica duramente o "secretismo" da indústria farmacêutica que acusa de "ocultar deliberadamente os preços" que coloca às vacinas em cada país, de forma a sonegar informação aos governos e organizações que fazem donativos para pagar as campanhas de vacinação, obrigando-os a pagar preços mais altos nas negociações com as farmacêuticas. Este secretismo leva a "situações irracionais": Marrocos, por exemplo, paga mais pela vacina pneumocócica (55 euros) do que a França (que paga apenas 50).

No seguimento dos elevados preços praticados, a ONG avisa que, nos dias que correm, muitos países se veem na iminência de ter de escolher "a doença pela qual irão morrer as suas crianças", uma vez que não conseguem financiar todas as vacinas.

A Alianza Gavi, que agrega governos, fabricantes de vacinas, ONG e a Fundação Gates, tem levado campanhas de vacinação a todo o mundo e conseguiu tornar mais baratas as vacinas para os países mais pobres, mas cerca de um quarto dos países em desenvolvimento perderão o apoio da Aliança no próximo ano e, sem este auxílio, nações como Angola e Indonésia pagarão mais 1500% por novas vacinas. As próprias organizações humanitárias, aponta a responsável da MSF, que prestam serviços gratuitos, terão dificuldades em continuar no terreno, uma vez que não têm garantias de ter acesso às vacinas ao menor preço.

Uma das maiores reivindicações da MSF, neste relatório, dirige-se à GSK e à Pfizer, pedindo-lhes que reduzam o preço da vacina pneumocócica a 4,35 euros por criança nos países em desenvolvimento. A organização reclama igualmente maiores facilidades à entrada no mercado internacional de novos fabricantes de vacinas - e mais baratos -, apontando diretamente à China.