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O aglomerado de casas degradadas de Pego Negro, para o qual a Câmara do Porto quer uma solução em abril, fica escondido numa encosta rural de Campanhã, onde uma bebé de três meses dorme num quarto preto pela humidade.
A mais nova residente das habitações privadas é o centro das preocupações da avó, Mónica Gomes, viúva de 41 anos, 12 a viver no Pego Negro com cinco filhos, num T2 de 250 euros cujas paredes “até cogumelos têm”.
“A gente vive no fim do mundo. Judas não passou aqui. É ratos, é cobras, é tudo. É uma miséria. Já chamei os bombeiros e a Proteção Civil. A Proteção de Menores já mandou um relatório à Câmara a dizer que a minha neta não pode morar aqui”, descreve.
A autarquia emitiu na segunda-feira um despacho para decidir, “durante o mês de abril”, a “estratégia a adotar e as medidas imediatas a tomar, designadamente em matéria de realojamento” relativamente às cerca de 25 famílias a viver “situação muito precária” em Pego Negro.
Mónica pediu casa ao município há dois anos e a espera aflige-a por causa da neta. Num dos dois quartos, a filha, estudante de 17 anos, dá o leite à bebé ao lado de um ventilador ligado no máximo, deixando o ar húmido e quente e água a escorrer nas janelas.
“Isto parece bichos, esta humidade”, exibe, passando a mão nas paredes negras. Depois olha para o teto, estica o dedo, baixa os olhos. “Já ali está um cogumelo”, lamenta.
Parece uma favela em ponto pequeno no meio de uma floresta, aquele conjunto de habitações encavalitadas, cheio de escadas ingremes e corredores estreitos, onde um quarto com cerca de três metros quadrados, separado do resto da casa (uma cozinha/sala e uma casa de banho) pela rua e por dois lanços de escadas, custa 180 euros.
Mónica Pereira, de 31 anos, pernoita com os quatro filhos naquele espaço onde até durante o dia a humidade parece penetrar nos pulmões. Dividem-se entre um beliche e um colchão no chão, à espera de uma casa da Câmara.
“É um degredo. É mesmo um favela. É o que chamamos a isto”, resume Bruna Brito, de 20 anos, que tem ordem de despejo por não pagar o aluguer de 225 euros.
A ajudante de cozinha, desempregada há um ano e meio, mora com companheiro e o filho, Dário, que “vai fazer dois anos” e “está sempre a fazer reações alérgicas por causa da bicharada”.
No quarto onde dormem os três, uma cómoda tapa um buraco na parede de ‘pladour’. “Os ratos só não entram porque pus ali uns sacos. Quando ouço o barulho vou enxotar”.
Maria dos Santos, de 73 anos, mora no Pego Negro desde os oito. Aos 20, quando casou, mudou-se para a casa que ainda ocupa, agora sozinha. Paga 30 euros por uma cozinha e um quarto. Casa de banho não tem. Como é que faz? “Num balde”.
Ana Rafaela Maia, de 22 anos, desce uma das encostas empedradas e ingremes de acesso às casas trazendo ao colo a filha mais nova, de dois anos.
Está a chegar da Câmara, foi ver “como estava o processo” de atribuição de fogo. Regressou sem resposta: “Só sabem dizer para esperar”, lamenta.
Mora ali há dois anos. Reconhece que a renda de 225 euros é “muito alta” para uma casa com tão más condições.
“Foi a única que encontrei”, justifica.
No despacho camarário, a que a Lusa teve acesso, o município admite que “as habitações não têm condições adequadas de habitabilidade” e que, “apesar dos inúmeros realojamentos”, as “casas são posteriormente alugadas a novos agregados”, perpetuando “as circunstâncias de insegurança, insalubridade e indignidade habitacional”.