26.1.15

Na Grécia as coisas não podem ficar piores. Ou será que podem?

Maria João Guimarães (texto) e Miguel Manso (fotos, em Atenas), in Público on-line

Ordenados de 350 euros por mês, cursos de formação inúteis, a imigração como única alternativa. Os jovens gregos não esperam grandes mudanças para depois das eleições de domingo. Com ou sem Syriza.

Maria Vatista e Georgia Theodoraki, 23 anos, tentam explicar com muito jeito a quem vem de fora quais são as suas perspectivas de futuro na Grécia, onde estudam Arqueologia. “Temos amigos portugueses, por exemplo, ou espanhóis; eles contam que é difícil arranjar emprego”, comparam. “Aqui era difícil. Agora é impossível. Tens de ser filha do Presidente!”

A solução para ambas passará quase de certeza por ir para o estrangeiro. Quase pedem desculpa, mas não estão muito optimistas que as próximas eleições resolvam alguma coisa – ou que resolvam a tempo para elas. Primeiro, acham que o Syriza, o partido de esquerda favorito nas sondagens, não vai conseguir ter maioria absoluta para governar e prevêem que haja segundas eleições, como em 2012. Depois, mesmo quando houver governo, as mudanças vão demorar. Georgia é um pouco mais optimista: “Talvez haja algumas mudanças na Saúde e Educação, talvez depois de alguns meses…”, diz. “Anos!”, atalha com certeza Maria.

A perspectiva de conseguir um desses empregos impossíveis é a de ganhar uns 350 euros por mês. “Fala-se da geração dos 350 euros”, a geração que já foi dos 480 euros, dos 750 euros e, ainda antes (muito antes, elas não se lembram), dos “mil euristas”.

Ser jovem hoje na Grécia é viver com esta certeza. Lá fora haverá mais oportunidades. Maria fez Erasmus em Berlim e Georgia em Viena, paraísos sem crise. Até gostam da ideia de ir para fora, só têm pena que sejam “obrigadas”. “Devíamos ir por querer.”

Ser estudante significa ainda estar numa universidade que “não tem o básico”. “Na nossa faculdade não há limpeza há mais de um ano”, conta Georgia. Espanta-se com a reacção de estranheza. “Em Portugal não? Aqui deixaram de pagar às empregadas. Elas ainda apareciam durante uns tempos, aí uma vez por mês, quase por voluntariado, mas agora já não…”

Beneficiários e não trabalhadores
Eleni Papaglorgiou, 23 anos, até tem sorte, diz com um encolher de ombros. Trabalha num esquema público, financiado pela União Europeia, para minorar o problema do desemprego jovem, um programa chamado "Vouchers". Vai ganhar 400 euros por mês, mas apenas receberá a quantia no final dos seis meses que dura o programa.

Eleni explica como funciona: o candidato inscreve-se num centro que faz a ligação entre quem procura trabalho e quem procura empregados. O centro envia alguns candidatos para os potenciais empregadores para entrevistas e estes escolhem o que acham mais adequado. O beneficiário recebe uma formação no centro antes de ir trabalhar para o empregador correspondente.

Só nesta frase há três problemas. Um, o beneficiário. “Somos beneficiários, não trabalhadores”, explica. Não há direitos como têm os trabalhadores em geral, como baixa por doença, nem é pago seguro de saúde (na Grécia, normalmente é o empregador que paga o seguro de saúde do empregado). Dois, a formação. “É inútil”, sublinha. “No meu caso, sou professora, foi para isso que estudei, e fui colocada numa escola. Não preciso de estar a ouvir formação de coisas que não têm nada a ver, como gestão de crises.” Terceiro, onde se trabalha: “No meu caso, encontrei trabalho na minha área. Mas conheço professores que estão a trabalhar em farmácias ou como empregados de café.”

Eleni faz parte de um grupo chamado “V for Voucherades”. Querem chamar a atenção para alguns problemas deste programa. “O centro ganha mais pela formação que me dá, e da qual eu não preciso, do que o que eu ganho com o trabalho que faço”, diz Eleni. Se é preferível estar a trabalhar com o sistema de vouchers do que não trabalhar, os activistas da V for Voucherades dizem que cada vez mais os empregadores preferem beneficiários dos vouchers do que empregados, o que, a longo prazo, ainda vai piorar mais as perspectivas de emprego dos jovens.

“[Por isso, a emigração] é uma ideia na minha cabeça”, prossegue Eleni. Isto, apesar de “ficar cá ser uma das [suas] prioridades”, sublinha. Eleni quer que haja uma mudança na Grécia depois de domingo. “Desastre já é como estamos. Não tenho muito medo do que vem aí.”

De mal a pior
Stathis Garras, 32 anos, e George Kyroglon, 33, estão num café-cooperativa como muitos que surgiram na crise de grupos de pessoas que ficaram sem emprego. Passaram de ter trabalhos maus para ter trabalhos piores, por ir para fora e voltar, e continuam a tentar tudo o que podem.

Stathis trabalha num organismo público e agradece este ser um trabalho temporário com prazo. “Ao início era divertido esperar para ver que coisa surreal é que ia acontecer nesse dia, qual seria a nova aventura. Mas ao fim de uns meses todo aquele ambiente de funcionários públicos que não querem ser incomodados tornou-se muito chato.”

George passou por uma empresa de cruzeiros no Pireu, por Itália e pela Suécia. “Quando descobri que a Suécia não era para mim, a minha namorada ganhou uma bolsa para doutoramento lá.” Ironicamente, a sua esperança de voltar para Atenas é um projecto que ajuda jovens a ter oportunidades no estrangeiro, explorando programas comunitários e bilaterais. Ainda não se tornou rentável. “Mas tenho de ser optimista”, diz George.

O optimismo individual não se traduz em optimismo quanto à situação do país. Querem que ganhe o Syriza, mas, mesmo que o partido seja capaz de formar governo, mostram algum cepticismo. Por outro lado, é “o mal menor”. Os dois falam sobre isso num pequeno grupo no café. Stathis tem uma máxima. “As coisas não podem ficar piores.” Faz uma pausa, olha para os amigos. “Bom, já disse isto em 2009, em 2012… E ficaram sempre pior.” Toda a gente se ri. “Mas desta vez não me engano”, garante. Fica tudo calado. “Bom, espero mesmo não me enganar…”