Por Gonçalo Saraiva Matias, in iOnline
As migrações deixaram de ser, predominantemente no sentido Sul – Norte ou motivadas por razões laborais
Poucos temas apaixonam tanto as opiniões públicas como o das migrações.
Os fluxos migratórios têm estado no centro de controvérsias políticas e eleitorais um pouco por toda a parte, assumindo um papel central em campanhas nos Estados Unidos e na União Europeia.
Veja-se a discussão em torno da revisão da lei da imigração nos Estados Unidos, a ascensão do peso político da Frente Nacional em França ou o impacto do UKIP nas declarações do Governo do Reino Unido.
Os trágicos acontecimentos de Paris e os riscos de crescimento de pulsões xenófobas e racistas e de tendências anti-imigração mostram, de resto, o carácter incontornável deste debate. E com ele a necessidade absoluta da pedagogia das políticas de integração, da liberdade de expressão e imprensa e da dignidade da pessoa humana. O desafio civilizacional destes eventos é tremendo e coloca em risco muito do adquirido ao longo de séculos.
Por outro lado, a Europa tem sentido o drama humanitário da pressão migratória no mediterrâneo, sendo todos nós confrontados com a situação de verdadeira emergência nos casos dos navios que, em condições muito precárias, chegam às costas da ilha de Lampedusa. Ou os relatos dramáticos da procura de acolhimento de movimentos de migrantes em Ceuta e Melilha. Os Estados Unidos há muito se vinham confrontando com esta realidade na sua fronteira Sul, com o México.
Também Portugal viveu uma alteração substancial do seu perfil migratório em poucos anos. Passou de um país de emigração, nos anos 60 e 70, a um país de imigrantes nos anos 90, muito apoiado pelo vasto programa de obras públicas. Já na primeira década deste século, os efeitos da crise económica fizeram-se sentir quer no saldo migratório quer no saldo demográfico, ambos negativos.
Isto significa que Portugal voltou a ser menos atractivo para os imigrantes, bem como a assistir a movimentos de emigração da sua população nacional.
É, pois, claro que o problema demográfico é sério em Portugal e que ele não pode ser resolvido sem o apoio de políticas públicas migratórias activas.
Esta afirmação obriga-nos, contudo, a enquadrar o tema. A globalização – e, portanto, o problema não será português – trouxe alterações profundas ao modo como se gerem e movem os fluxos migratórios mundiais.
As migrações deixaram de ser, predominantemente no sentido Sul – Norte ou motivadas por razões laborais. Hoje fala-se de circulação migratória e de migrações económicas justamente para ilustrar um novo fenómeno de fluxos migratórios tendencialmente temporários, associados a projectos e oportunidades.
Esta circulação migratória obriga, por outro lado, a considerar duas realidades antes afastadas das políticas públicas migratórias: i) a chamada “corrida pelo talento”, no sentido em que as políticas públicas passaram a orientar-se para a captação dos migrantes mais qualificados; ii) a gestão integrada do binómio “emigração/imigração”, procurando fomentar o retorno da nova diáspora criada por consequência da circularidade migratória.
Neste contexto, não pode ser esquecida a importância da integração. Este tema tem também gerado a maior controvérsia no plano internacional com declarações várias no sentido do insucesso das políticas de integração. Felizmente, o caso português é de amplo sucesso, internacionalmente reconhecido.
Todavia, a nova realidade e a emergência de novos perfis migratórios, incluindo o retorno da diáspora, coloca desafios desconhecidos às políticas de integração. Também aqui Portugal possui uma rica e diversificada experiência sendo notável o exemplo de integração demonstrado no final dos anos 70 no caso dos chamados “retornados”. A situação actual é, claro, muito diferente. Mas o país já soube dar provas, na sua história recente, de grande capacidade de integração, seja dos seus nacionais nos anos 70, seja dos imigrantes nos anos 90. Isso permite-nos olhar o futuro com confiança.
Ainda no plano da integração, não pode ser esquecida e importante relação entre imigração e cidadania. O imigrante deve ser visto como em transição para a cidadania. É certo que muitos migrantes não virão a obter a cidadania portuguesa: seja porque o não desejam, seja porque aqui não permanecem o tempo suficiente.
Em qualquer caso, é fundamental atender ao impacto que a aquisição da cidadania produz nos direitos dos imigrantes, o seu potencial inclusivo bem como no enriquecimento inegável do tecido social português. A cidadania – para além de um poderoso instrumento de inclusão – é também uma ferramenta essencial a que os Estados não devem deixar de recorrer, na chamada “corrida pelo talento”.
Doutorado em Direito pela Universidade Católica Portuguesa, professor naquela instituição e investigador nas áreas do direito constitucional e do direito internacional público