Sofia Lorena, in Público on-line (P3)
John Kerry está a tentar negociar uma “pausa humanitária” no conflito. Não chega, dizem 22 ONG que tentam manter as suas missões no Iémen.
Farah Abdallah, de sete anos, foi atingida por um atirador furtivo em Áden. A mãe conseguiu fugir e levá-la de barco até ao Djibuti Carl
Antes de as bombas sauditas começarem a cair, a 26 de Março, introduzindo um novo elemento na guerra civil que se alastrara a grande parte do país, já dez dos 25 milhões de habitantes do Iémen, o mais pobre dos países árabes, não tinham comida suficiente e precisavam de ajuda para sobreviver, nove não tinham acesso a cuidados médicos básicos e a 13 milhões faltava água potável. Agora, a situação é insustentável e o país está à beira de uma “crise de fome” generalizada, avisam ONG internacionais.
De visita a Riad, onde falou com os líderes sauditas, mas também com os membros do Governo iemenita reconhecido internacionalmente, ali exilado, o secretário de Estado norte-americano, John Kerry, pediu à Arábia Saudita uma “pausa humanitária” que permita às organizações levar comida, combustível e medicamentos aos milhões de iemenitas apanhados pelos combates e pelas bombas. Sabe-se que Kerry também está a falar com Teerão.
“A situação está a ficar cada vez mais desesperada a cada dia que passa e estamos profundamente preocupados”, afirmou Kerry antes de voar para Riad, ainda no Djibuti, país de um milhão de habitantes no Corno de África que já acolhe, tal como a Somália, milhares de refugiados iemenitas. Muitos tentam sair, por onde podem (pelo mar, para o Corno; por terra para Omã ou Arábia Saudita), milhões já são deslocados internos e tudo pode ainda piorar.
No terreno, a guerra que opõe os militares e as milícias leais ao Presidente Abd Mansour Hadi aos grupos que combatem em nome dos rebeldes xiitas huthis (e que Riad e Hadi acusam de ser financiados pelo Irão) não dá sinais de abrandar. Perdem os iemenitas e ganha a Al-Qaeda na Península Arábica, que já controlava algumas zonas no Leste do país e aproveitou o caos das últimas semanas para registar importantes conquistas, como a cidade de Mukalla, a quinta maior do Iémen, no golfo de Áden.
Kerry também anunciou que os EUA, que apoiam a coligação de países árabes sunitas formada pelos sauditas, vão dar 68 milhões de dólares (60 milhões de euros) a grupos de ajuda internacional para apoiar refugiados e deslocados. O problema é que o dinheiro não chega – aliás, muitos iemenitas vivem da ajuda enviada mensalmente por familiares que trabalham em países do Golfo e que agora, com as viagens aéreas interrompidas, não têm como fazer chegar dinheiro até quem desespera dentro do país.
Num comunicado conjunto, 22 organizações presentes no Iémen avisaram que poderão ter de pôr fim às suas operações, se as vias terrestres, marítimas e aéreas não forem imediatamente reabertas. A primeira urgência é combustível, sem o qual nada se transporta, e ONG como a Action Contre la Faim e a Save the Childrean vão esgotar as suas reservas dentro de dias.
Vidas em risco
A falta de combustível já paralisou muitos hospitais e impediu a distribuição de alimentos nas últimas semanas. O Programa Alimentar Mundial das Nações Unidas diz que passou a precisar de um milhão de litros de gasolina por mês, quando antes lhe bastavam 40 mil litros. Sem acesso ao combustível necessário, “milhões de vidas estão em risco, em particular crianças, e em breve [a Save the Children não poderá]responder” às necessidades, diz o director nacional desta ONG, Edward Santiago.
O “anúncio de uma potencial ‘pausa humanitária’ nas operações militares não vai reduzir o impacto do conflito”, afirma este fórum de 22 ONG Internacionais do Iémen. “Neste momento, precisamos de uma cessação imediata e permanente do conflito”, diz Grace Ommer, da Oxfam no Iémen.
O país já importava 90% dos alimentos consumidos, enquanto Sanaa, afirma a ONU há muito, caminha a largos passos para se tornar na primeira capital do mundo sem água. O conflito parou as importações e impede as ONG de fazerem o seu trabalho. O resultado é que 80% da população – uns 20 milhões de pessoas – está a passar fome, dizem as Nações Unidas e o fórum das ONG.
A Human Rights Watch acusou todas as partes envolvidas de crimes de guerra, denunciando o uso de bombas de fragmentação (que contêm centenas de submunições que se espalham por uma área idêntica à de um campo de futebol e vão explodindo – muitas vezes, as crianças confundem-nas com bolas e 40% das vítimas destas munições proibidas são crianças) e um ataque a um armazém da Oxfam por parte dos sauditas. Os huthis, por seu turno, são acusados de dispararem contra civis e de raptarem dez membros de ONG locais, que libertaram depois do pagamento de um resgate.
Segundo os últimos dados da ONU, divulgados na terça-feira, só os bombardeamentos que começaram a 26 de Março mataram pelo menos 646 civis, incluindo 131 crianças. É provável que sejam mais. No início do mês, a Organização Mundial da Saúde contabilizava 1200 mortos e mais de cinco mil feridos em consequência do conflito desde meados de Março.