Isabel Tavares, in iOnline
Os números apontam para mais de 200 mil emigrantes portugueses no final de 2014. Nem todos partiram por não ter emprego.
Ele deixou Portugal rumo a São Paulo, no Brasil, em 2008. Ela juntou-se a ele em 2012, um ano depois de terem casado. Hoje têm uma filha com dois meses e não pensam regressar, pelo menos para já. “A família faz muita falta, mas voltar a Portugal é quase utópico”, diz Carlos Maciel.
O destino desta família foi o mesmo por que optaram tantas outras – um pouco pela afinidade cultural, que compensa a distância, aliada às oportunidades inerentes a um mercado de mais de 200 milhões de habitantes. De acordo com o Observatório das Migrações Internacionais, Portugal é o segundo país com maior número de imigrantes com vínculo formal de trabalho no Brasil.
Carlos já tinha vivido no Brasil. E não deixou Portugal à procura de trabalho. É engenheiro de telecomunicações e estava empregado há cinco anos na mesma empresa, “mas não via oportunidades de carreira e o pessimismo estava instalado”, conta.
A oportunidade veio de fora e era quase irrecusável: trabalhar numa multinacional americana, em São Paulo, como responsável de todos os serviços para a América Latina. Ganha três vezes mais do que ganhava em Portugal.
No Brasil os salários são bastante mais altos, mas apenas para cargos de topo. Por outro lado, o custo de vida é mais elevado. “Para quem tem funções baixas ou médias é muito difícil poupar, mas os cargos executivos são muito mais bem pagos”, explica.
Mafalda Leão seguiu os passos de Carlos quatro anos depois. “Era altura de me juntar ao meu marido e de seguir o projecto dele”, diz.
Formada em Marketing e com currículo na área do design, a ideia era procurar emprego. “Mas por causa do visto não é fácil”. A mulher tem direito a permanecer no país quando tem o marido a trabalhar, mas se pretende trabalhar também tem de possuir um visto diferente.
Foi a pelo menos cinco entrevistas de emprego nos três primeiros meses e nunca ficou colocada. “Sem o visto as empresas têm de se responsabilizar pelos trabalhadores e, para isso, torna-se mais fácil contratar um brasileiro”, afirma.
E num outro aspecto Mafalda sentiu a diferença: “é mais difícil para uma mulher conseguir emprego. A lei proíbe a discriminação entre homens e mulheres, mas diversas vezes senti que não ia em frente, não ficava com a vaga, por ser mulher. Olhavam para mim e, mesmo sem dizer nada, eu sabia que pensavam que eu era muito nova, recém-casada e em idade fértil”.
Foi então que Carlos e Mafalda decidiram que estava na hora de aumentar a família. Rita nasceu há dois meses, prematura, com problemas de coração. “Teve de ficar um mês nos cuidados intensivos”, conta Carlos.
E aqui salvou-os o seguro de saúde. “Ou se tem um bom seguro de saúde, ou se tem um grande problema. Em Portugal qualquer um pode ir para um hospital público sem duvidar que vai ser bem tratado. Aqui isso é impensável e fomos para o privado. Um dos benefícios oferecidos pelas empresas são os seguros, caso contrário teríamos gasto uns bons milhares na maternidade”.
Mafalda dedica-se agora a tempo inteiro à bebé, que precisa de atenção redobrada. A mãe e a sua irmã única, mais nova, chegaram uma semana depois do parto, o que foi um conforto. “Nesta altura, mais do que nunca, a família faz muita falta. O apoio é indispensável, sobretudo para nós, que não aderimos à moda das babás”, diz.
Mas está nos planos de Mafalda trabalhar. Não já, que Rita ainda terá de ser sujeita a diversas operações e a mãe sente “o coração apertado”. Mas acredita nos médicos. Acreditam ambos. “Temos médicos na família e dizem-nos que estamos muito bem acompanhados, a Rita está a ser muito bem seguida e no Brasil há até melhores especialistas em cardiologia do que em Portugal. Nesse sentido todos dizem que não poderíamos estar melhor”.
Mas é também pela Rita que querem regressar um dia. Não por agora, mas no médio prazo, com ela ainda criança. “Os dois temos uma forte ligação com a família – diz Mafalda –, e queremos que ela tenha raízes; não é em três visitas por ano que vai conseguir isso”.
Carlos também pensa assim. Mas sem preconceitos, até porque os seus pais viveram e estudaram em Inglaterra, onde nasceu o primeiro filho, e dos seus três irmãos, uma vive e trabalha em França, na área em que se formou, medicina veterinária. Mas “sabemos que queremos que a Rita cresça perto da família, avós, tios, primos. Começamos a pensar como queremos educá-la, vê-la crescer”. E ambos pensam na segurança da filha. “Nunca nos aconteceu nada, mas o risco é cada vez mais elevado. É preciso ver que em 2008 o Brasil era um do BRICs, chegou a crescer 6% ao ano. Agora não sabemos se vai crescer, sequer”.
Ao contrário, ouvem que “em Portugal o pior já passou, quem tinha de perder emprego já perdeu, as pessoas estão mais optimistas, vemos isso nas conversas com os nossos amigos. E nós acreditamos em Portugal”, diz Carlos.
Ainda assim, afirma que, no médio prazo, “regressar ao país é quase utópico. Mas gostaríamos de estar mais perto, na Europa, talvez Londres ou Madrid”. Para já, a realidade é esta: Carlos tem 33 anos, Mafalda 28, a filha dois meses. Estão ainda em fase de poder experimentar, não há decisões difíceis, acreditam. E Rita, recém-nascida, terá dupla nacionalidade mas, por enquanto já tem passaporte brasileiro e ainda falta o português.