Pedro Araújo, in "Jornal de Notícias"
O homem mais rico de Portugal tem uma fortuna acumulada de 2,5 mil milhões de euros. Para igualar Américo Amorim, seria necessário juntar, durante três meses, o conjunto do rendimento auferido por dois milhões de pobres (422 euros mensais).
Um bom exemplo das desigualdades que grassam num país onde os 5% mais abastados têm um rendimento quase 20 vezes superior ao auferido pelos 5% menos afortunados.
"A proporção da riqueza líquida (sem endividamento) total auferida pelos 10% mais ricos atinge o valor de 52,7%. Porém, se à riqueza líquida subtrairmos o valor da casa própria, os indicadores de desigualdade são ainda mais expressivos: o índice de Gini [cálculo usado para medir a desigualdade social], alcança um valor de 84% e a proporção da riqueza nas mãos dos 10% mais ricos é de 74,1%", explica Carlos Farinha Rodrigues, professor do ISEG.
O atual estado das desigualdades também é consequência da forma como a crise atingiu a sociedade portuguesa entre 2009 e 2013 (ver infográfico). "Se construirmos dez escalões de rendimento, começando com os 10% mais pobres e terminando nos 10% mais ricos, podemos analisar a evolução. O rendimento dos 10% mais ricos regista um decréscimo de cerca de 8%. Os rendimentos dos escalões 3 a 7 descem menos de 7%. O rendimento dos 10% mais pobres diminui 24%", afirma Carlos Rodrigues.
A reposição dos mínimos sociais em prestações como rendimento social de inserção (RSI), o complemento solidário para idosos (CSI) e o abono de família, bem como a atualização das pensões até 628,82 euros e a reposição dos complementos de reforma dos trabalhadores do setor empresarial do Estado ajudam a minorar a desigualdade? "As reposições de apoios sociais, que o atual Governo começou a implementar, assim como os complementos remuneratórios e os aumentos do salário mínimo são, de facto, medidas efetivas de redução da pobreza e, até certo ponto, de redução das desigualdades", reconhece António Firmino da Costa, diretor do Observatório das Desigualdades (ver entrevista).
O Inquérito às Condições de Vida e Rendimento, realizado pelo INE junto das famílias residentes em Portugal, indica que 19,5% da população (dois milhões) estava em risco de pobreza em 2014, isto é, tinham um rendimento igual ou inferior a 422 euros mensais. Considerando apenas os rendimentos do trabalho, de capital e transferências privadas, 47,8% da população residente em Portugal estaria em risco de pobreza em 2014. Seriam 4,9 milhões de pobres. No entanto, este cálculo está a excluir as pensões, que não são prestações sociais no mesmo sentido em que entendamos o subsídio de desemprego ou o RSI, entre outras, conforme sublinha Carlos Rodrigues.
"O recuo das políticas sociais, no auge da crise económica quando elas mais se revelavam necessárias, constituiu inequivocamente um fator de empobrecimento, de fragilização da coesão social e do agravamento da distância que separa os rendimentos da população mais pobre da parte cimeira da distribuição dos rendimentos", alerta o professor do ISEG.