Fransciso Queirós, In "As Beiras"
Não faltam motivos para indignação e revolta. Do norte da Europa, referência de bem-estar, progresso, riqueza, chega-nos uma notícia revoltante.
O parlamento dinamarquês aprovou esta terça-feira, 26 de Janeiro, por larga maioria, a polémica reforma da lei do asilo. A lei ora aprovada prevê, entre outras medidas, o confisco de valores aos refugiados.
A legislação inclui também a perda de direitos sociais e disposições que dificultam a obtenção de autorização de residência e os processos de reunificação familiar.
A polícia está assim autorizada a revistar os que entram no país e confiscar os seus bens com valor superior a 10 mil coroas dinamarquesas (1.340 euros).
A lei protege alguns bens, os considerados essenciais (?!) ou de valor sentimental, como alianças. Do ponto de vista estritamente legal, a legislação, segundo diversos especialistas, viola várias convenções internacionais.
Do ponto de vista ético e moral esta legislação é monstruosa! A confiscação de valores pessoais dos fugitivos de guerra que para trás deixaram familiares que não sabem se algum dia irão reencontrar, os seus haveres ou o que destes sobrou, os lares destruídos por bombardeamentos ou saques, quase tudo o que possuíam, remete-nos para outros tempos, os da espoliação dos bens dos judeus e de outras vítimas do regime nazi.
E nem a condescendente permissão da posse de alianças retira a esta medida o seu carácter de monstruosidade e de desumanidade. Na moderna Dinamarca, depois de cerca de quatro horas de debate, a proposta de um partido anti-migração, xenófobo, foi aprovada por 81 votos a favor e 27 contra, enquanto 70 deputados não participaram na votação. E a Europa assiste.
Entretanto, em Portugal, a comunicação social dá, por estes dias, relevo a outra injustiça. Todos sabemos que Portugal é campeão das desigualdades e que estas se têm vindo a acentuar, com a riqueza a ser cada vez maior do lado do capital e cada vez menor do lado do trabalho.
Os 5% mais abastados têm um rendimento quase 20 vezes superior ao auferido pelos 5% menos afortunados. A proporção da riqueza líquida total auferida pelos 10% mais ricos atinge o valor de 52,7%. Porém, se à riqueza líquida se subtrair o valor da casa própria, os indicadores de desigualdade são ainda mais expressivos. A proporção da riqueza nas mãos dos 10% mais ricos é de 74,1%.
A fortuna de Américo Amorim, calculada em 2,5 mil milhões de euros, é equivalente a 3 meses do rendimento auferido por 2 milhões de portugueses pobres, se estes auferirem 422 euros mensais (valor do rendimento padrão para risco de pobreza). Ou seja, como em Portugal há muitos pobres com rendimentos muito inferiores àquele valor…é fazer as contas, como alguém disse um dia!
Esclarece ainda o estudo agora divulgado que o “actual estado das desigualdades também é consequência da forma como a crise atingiu a sociedade portuguesa entre 2009 e 2013”, designadamente pela redução dos apoios sociais aos mais pobres, quando estes mais se revelavam necessários, constituindo inequivocamente um factor de empobrecimento, de fragilização da coesão social e do agravamento do fosso entre os rendimentos da população mais pobre dos rendimentos dos mais ricos.
Podemos fechar os olhos, olhar para o lado e calar. Como no poema de Sophia, há quem se mascare e use a virtude para comprar o que não tem perdão, há quem tenha medo, quem seja túmulo caiado onde germina a podridão, se compre e se venda à sombra de abrigos. E há quem vá de mão dada com os perigos e não se cale. Podes fingir que não vês?