Andreia Sanches, in Público on-line
Esta quarta-feira o Parlamento debate a pobreza, a pedido dos deputados do PS. Perguntámos a Pedro Adão e Silva, Carlos Farinha Rodrigues e Jardim Moreira o que acham que é prioritário discutir.
O Parlamento discute nesta quarta-feira o tema: “Reposição dos complementos sociais e combate à pobreza”. O que deve estar em cima da mesa? O que é que, em primeira instância, se deve discutir? Demos a palavra aos especialistas. O presidente da Rede Europeia Anti-Pobreza/Portugal, o padre Agostinho Jardim Moreira, aconselharia os deputados a criar um verdadeiro plano estratégico. “Até 2010 havia os planos nacionais de acção para a inclusão, mas depois veio a troika, deixou de haver uma estratégia nacional contra a pobreza, o país limitou-se às respostas assistencialistas. Temos que sair da visão da esmolinha e, para isso, o Parlamento deve olhar para a pobreza de forma integrada: devia ser criado um grupo interministerial, dependente do primeiro-ministro, porque o combate à pobreza não se faz só com o Ministério da Segurança Social, tem de envolver Saúde, Educação, Habitação. E devia ser criado, no próprio Parlamento, um grupo que passasse a analisar o impacto das leis na pobreza.”
Como assim? Jardim Moreira lembra os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), citados na proposta de estratégia nacional de combate à pobreza e exclusão, da Rede Europeia, recentemente divulgada: se a população portuguesa for dividia em escalões de rendimento, começando com os 10% mais pobres e terminando nos 10% mais ricos, verifica-se que entre 2009 e 2013 “o rendimento dos 10% mais ricos regista um decréscimo de cerca de 8%” enquanto “o rendimento dos 10% mais pobres diminui 24%”.
Ou seja, diz Jardim Moreira, foi este “o impacto das medidas de troika”. Seria este tipo de estudo que o INE fez que se deveria fazer para todas as leis que o país aprova, defende.
Metas concretas
O economista Carlos Farinha Rodrigues também sublinha a importância de se pensar uma estratégia nacional. “Haver uma estratégia integrada, consistente, compaginável com a melhoria das finanças públicas, que dê prioridade à redução da pobreza infantil, que tenha uma visão sobre o problema transversal, que envolva todo o Governo, que defina metas e objectivos quantificados, que possam ser alvo de avaliação, é uma condição essencial para melhorar a justiça social e uma condição essencial para um desenvolvimento sustentável do país.”
E há muito que isso falta, continua Farinha Rodrigues. Mesmo os planos nacionais de acção para a inclusão que existiram até 2010 “não tinham essa quantificação de metas”, passível de avaliação.
Em segundo lugar, o economista diz que é preciso que haja “uma recomposição, tão sustentável quanto possível, dos rendimentos” — a reposição gradual dos valores do Rendimento Social de Inserção (RSI), já aprovada pelo Executivo, bem como o aumento do abono de família e das pensões (em 0,4%) até 628 euros “vão no bom caminho”, considera.
Impacto do terceiro sector
Pedro Adão e Silva, sociólogo e co-autor do recentemente publicado livro Cuidar do Futuro — Os Mitos do Estado Social Português, sugere aos deputados duas prioridades. Primeiro, que se avalie o impacto do reforço do papel (e das funções) das instituições sociais, promovido pelo anterior Governo.
“O facto de ter havido um enorme aumento das transferências de recursos [1400 milhões de euros] para o terceiro sector sem que ela tenha sido acompanhada, em igual medida, de uma capacidade de monitorização da eficácia dessas transferências” deve ser alvo de atenção. “Não tenho nada contra a transferência, mas tem de ser avaliado.”
Em segundo lugar, Pedro Adão e Silva levanta uma questão “mais técnica”, mas que acha importante: “É preciso alterar a escala de equivalências, sobretudo no que diz respeito à forma como as crianças são contabilizadas nos agregados familiares.” Explique-se resumidamente: há uma série de prestações sociais, como RSI, ou o abono de família, que só são atribuídas a quem tem rendimentos mais baixos, são as prestações “sujeitas a condição de recursos”. Para calcular quer a elegibilidade de uma dada família quer o montante da prestação que pode receber, os serviços da Segurança Social atribuem a cada elemento do agregado familiar um determinado peso — por exemplo, crianças contam mais do que os adultos — utilizando escalas de equivalência. “As alterações a este nível contribuíram para o aumento de pobreza infantil que observámos em Portugal”, exemplifica Adão e Silva. Nas mudanças no RSI, aprovadas pelo Governo de António Costa, as crianças já passaram a “valer” em vez de 30%, 50% do valor de referência do RSI.
A urgência da pobreza
O debate sobre “Reposição dos complementos sociais e combate à pobreza” foi requerido pelo grupo parlamentar do PS, com carácter de urgência, precisamente na sequência das medidas de “reposição de mínimos sociais” aprovadas pelo Governo no fim do ano, explica o deputado João Galamba. "Este foi o momento em que foi possível agendar."
Do pacote de medidas de "mínimos sociais" fez ainda parte o Complemento Solidário para Idosos (CSI) — uma prestação social que visa aumentar os rendimentos de pensionistas com pensões muito baixas. Em 2013, o valor de referência do CSI passara de 5022 euros/ano para 4909 euros/ano, o que excluiu idosos da prestação. O Governo decidiu repor o valor de referência, num diploma publicado no último dia de 2015.
É de todas estas medidas que se vai falar, continua Galamba, sem adiantar nenhuma proposta concreta que o grupo parlamentar do PS tenha para apresentar. Questionado sobre a razão para a urgência, o deputado responde: “A pobreza é sempre uma urgência.”