Joana Amaral Cardoso, in Público on-line
Inquérito divulgado em Angoulême mostra crescente precarização da profissão, ainda bastante jovem e maioritariamente masculina.
Não é uma profissão com um glamour hollywoodesco, mas tem o élan de muitas artes criativas – trabalhar na banda-desenhada, contudo, é uma história dura. Segundo um inquérito à profissão levado a cabo na última edição do Festival de Angoulême, 36% dos autores de BD vivem abaixo do limiar da pobreza. O estudo anual é da responsabilidade da associação Les Etats généraux de la bande dessinée (Estados gerais da banda-desenhada).
Divulgado no âmbito da apresentação "Autor de BD, uma profissão em perigo" em Angoulême, festival francês que anualmente recebe milhares de autores, entre ilustradores, guionistas, coloristas e seguidores da arte de várias nacionalidades, o estudo é relativo ao ano de 2014, tendo os inquiridos sido auscultados em 2015. Participaram cerca de 1500 autores, na sua maioria franceses, uma fatia de belgas e outras nacionalidades (Portugal não é nomeado na lista, mas o espírito dos resultados poderá espelhar em parte o cenário noutros países). As suas respostas mostram que há mais mulheres do que em anos anteriores, constituindo 27% do universo de inquiridos, mas que estão em ainda piores condições do que a média dos autores masculinos – 50% delas vivem abaixo do limiar da pobreza. Outros dados indicam que 56% dos inquiridos têm menos de 40 anos e que as mulheres são em média mais jovens (34 anos).
Mas o dado mais preocupante parece ser aquele que indica, como escreve o diário francês Libération, a “precarização” da profissão. Apesar de 79% terem formação superior e de o trabalho ocupar mais de 40 horas semanais e uma média de dois fins-de-semana por mês para a maioria, 53% dos autores inquiridos definem-se como profissionais precários e 15% como amadores. Só 32% se dizem profissionais contratados.
Em 2012, indicam os dados da associação, 32% dos autores de BD viviam abaixo do limiar de pobreza (11.844 euros anuais), e 52% auferiam rendimentos abaixo do Salaire minimum interprofessionnel de croissance (SMIC), que em 2012 era de 17.108 euros/ano. Dois anos depois, a situação era pior: 36% viviam abaixo do limiar da pobreza (12.024 euros/ano) e 53% tinham rendimentos inferiores ao salário mínimo em França (17.345 euros/ano).
Por isso mesmo, 71% dizem ter um emprego complementar, normalmente noutra área das artes ou no ensino, e a maioria nunca beneficiou de uma licença paga de doença ou de parentalidade. O futuro? “66% dos autores interrogados pensam que a sua situação se vai degradar nos próximos anos."
Sobre as respostas ao inquérito pairam as mudanças e os fenómenos que nos últimos anos tocaram o sector, da Internet e da profusão de autores e de possibilidades de edição e publicação à quebra das vendas. O argumentista Benoit Peeters apontou também ao Libé o “efeito perverso da novela gráfica que permitiu abandonar o pagamento por página”, provocando uma quebra nas receitas, acompanhada por uma descida nas percentagens de direitos autorais noutros formatos. Percebe-se que os autores vivem sobretudo dos adiantamentos dos direitos e que a sua relação com os editores, descrita como boa por 68% dos auscultados, é cada vez mais complexa do ponto de vista legal e exigente no que diz respeito ao volume de produção exigido.
O documento passa também em revista elementos mais práticos e detalhados da profissão e pode ser consultado na íntegra aqui.