Manuel Carlos Freire, in Diário de Notícias
Responsáveis setoriais comentam mensagem de Ano Novo do Presidente da República na área económica, na Justiça e no combate à pobreza.
Renegociar a dívida e valorizar trabalho permite "crescer de forma sustentada"
A CGTP acredita que Portugal pode "crescer muito mais" este ano, mas só com "o aprofundamento de duas matérias" que o Chefe do Estado "não abordou": a renegociação da dívida e "o confronto com o tratado orçamental", a valorização do trabalho e dos trabalhadores.
"Estas são, entre outras, as respostas que podem ajudar a que Portugal cresça de uma forma sustentada e possa melhorar as condições de vida dos trabalhadores e salvaguardar a soberania" do Estado, defendeu o secretário-geral da CGTP, Arménio Carlos. Lembrando que o país "está a criar mais emprego que a média da UE e está a crescer economicamente mais do que a UE, o líder sindical sustentou que "os problemas resolvem-se atacando as causas que estão na sua origem".
"Para criar emprego é preciso ter um crescimento sustentado da ordem dos 3%, mas isso nunca será possível com um encargo anual de juros de 8,5 mil milhões de euros e que é o dobro daquilo que o Estado português está autorizado" em matéria de investimento público, argumentou Arménio Carlos.
Valorizar o trabalho e os trabalhadores, insistiu o secretário-geral da Intersindical, implica romper com o modelo de baixos salários e trabalho precário", apostar na "justa distribuição" da riqueza, dinamizar a contratação coletiva (revogando a norma da caducidade) e fazer "a reposição integral do princípio do tratamento mais favorável".
Estrangeiros que investem "não são padeiros nem donos de restaurantes"
O economista João Duque entende que Portugal consegue responder "à grande questão" colocada pelo Presidente da República com maiores exportações de bens e serviços e mais investimento, sendo o respetivo sucesso aferido por "crescer a uma percentagem superior à média europeia".
Essa "é a receita saudável para termos uma economia a crescer de forma sustentável", sustenta o académico, admitindo que "é necessário algum" investimento público porque "não devia ser esse o principal" motor do crescimento económico do país. Essa componente "pode criar alguma dinâmica" mas, com o executivo a "privilegiar a remuneração do fator trabalho e das pensões acaba por não ter espaço" para canalizar verbas para investir, assinalou.
Outro fator visto como negativo pelo professor catedrático do Instituto Superior de Economia e Gestão é o de "não ver a iniciativa privada a potenciar" as infraestruturas existentes. "O investimento privado não dá sinais de recuperar e até caiu de forma perigosa", pelo que são precisos investidores externos para o país crescer. "Mas como se convencem estrangeiros a virem para Portugal, num ambiente de alguma agressividade e ataque das forças que sustentam o Governo ao que é grande investimento?", pergunta João Duque, acrescentando: "Os que vêem não são padeiros nem donos de restaurantes... olha-se para o país e vê-se um governo refém da extrema esquerda."
Justiça mais rápida mas sem "criar obstáculos" para reduzir processos
O bastonário eleito dos Advogados tem uma certeza quanto às soluções para tornar a Justiça mais rápida: "Não podem ser feitas à custa de criar obstáculos" ao seu acesso pelos cidadãos, aumentando as custas judiciais, para assim reduzir o número de processos.
"A Justiça tem um ritmo e um andamento diferentes conforme estamos a falar de tribunais de primeira instância ou nos de recurso", pois a lentidão centra-se nos primeiros, ou entre os que tratam "de assuntos civis e criminais ou administrativos e fiscais", onde ela "é absurdamente lenta", assinala Guilherme Figueiredo.
"Está em causa o Estado de Direito Democrático" no caso dos tribunais administrativos e fiscais, porque "tratam da relação entre o cidadão e o Estado" - o que envolve direitos de cidadania, alerta o bastonário eleito dos advogados.
"Os atrasos na Justiça, na generalidade, não têm a ver com os intervenientes" mas com "razões objetivas" relacionadas com a falta de funcionários judiciais e magistrados ou deficientes condições dos tribunais e salas de audiência, diz Guilherme Figueiredo, responsabilizando ainda as "alterações constantes" no plano legislativo. "Em oito anos houve três grandes alterações" na organização judiciária do país e essas "reformas estruturantes também prejudicam o andamento da Justiça", enfatiza o novo representante máximo dos advogados.
O presidente da Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade (CNIS) defende a criação de "um programa de desenvolvimento local" para ajudar os mais desfavorecidos, onde "não se notam" melhorias como já regista ao nível da classe média.
Para criar emprego e promover a economia "era importante reativar pequenas atividades, nomeadamente com uma aposta nos equipamentos e terrenos devolutos", sublinha o padre Lino Maia, que ao setor da agricultura juntaria ainda "os primeiros socorros" no da saúde ou o artesanato e "serviços de proximidade".
"Essa tem de ser uma opção inadiável, a que as instituições de solidariedade social poderão dar o seu contributo". Mas, na medida em que estão presentes "em todos os meios e em particular nos mais carenciados, podem ajudar a serem dinamizadoras do desenvolvimento local", considera o padre Lino Maia.
No caso do combate à pobreza infantil, expressamente referida pelo Presidente da República na mensagem de Ano Novo, Lino Maia diz que isso "passa certamente por mais apoios sociais à família" e que se "alargue a frequência de creches" nos bairros sociais e outras zonas deprimidas. "É importante também continuar a investir no aumento do salário mínimo, porque muitas das famílias que dele dependem têm crianças e [esse valor] acaba por afetar muito a vida da família", lembra o padre.