4.8.10

Escalada dos preços do trigo na Europa vai afectar custo do pão mas não da cerveja

Por Ana Rute Silva e Ana Rita Faria, in Jornal Público

Fabricantes de pão e bolos terão de rever preços para enfrentar as oscilações dos mercados. Sector das cervejas garante que não aumenta


A partir de segunda-feira as padarias e pastelarias portuguesas vão passar a pagar 330 euros por cada tonelada de trigo, um aumento de 30 euros face a esta semana. É o resultado prático da escalada de preços desta matéria-prima na Europa que, segunda-feira, atingiu o valor mais alto dos últimos 22 meses.

Do preço do pão às bolachas, a subida dos custos ameaça aumentar mais os gastos dos consumidores no supermercado, e apanha o sector da panificação e pastelaria em dificuldades. "Encaramos muito mal esta alta de preços. Quem transforma os cereais é quem paga a factura. O sector está muito debilitado, temos demasiadas unidades [dez mil] para o número de habitantes", diz Carlos Alberto Santos, presidente da Associação do Comércio e da Indústria da Panificação, Pastelaria e Similares. Assim, muitos fabricantes de pão e bolos terão de rever preços para enfrentar as oscilações dos mercados, provocadas por uma colheita pouco animadora e condições climatéricas desfavoráveis na Rússia, Ucrânia e Cazaquistão.

Segundo o Wall Street Journal, a quebra de produção na Rússia já fez subir os preços 62 por cento desde Junho e o mercado teme, agora, que os produtores venham a restringir (ou mesmo cancelar) as exportações para garantir o abastecimento do mercado doméstico a preços baixos, tal como sucedeu na crise de 2007/2008. A Rússia, que está a viver as piores secas em 130 anos, voltou ontem a dizer que não planeia fazer cortes nas exportações, apesar de ter revisto em baixa a sua estimativa de produção para este ano.

A indústria agro-alimentar teme que a escalada de preços do trigo possa ser replicada na cevada e no malte, provocando também um aumento da cerveja. Contudo, a Associação Portuguesa dos Produtores de Cerveja (APCV) garante que ainda não é desta que vai haver subidas generalizadas.

"Estamos atentos à evolução do preço das matérias-primas, nomeadamente dos cereais, mas para já não vamos aumentar preços", garante Nuno Pinto Magalhães, da APCV, lembrando que o sector pesa 0,8 por cento do PIB português e um por cento do PIB europeu.

Incertezas para 2011

Abdolreza Abbassian, economista da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO, na sigla em inglês), não perspectiva que os preços do trigo atinjam os mesmos níveis da anterior crise.

"Há dois anos, além de ser uma crise mais global, que afectava várias matérias-primas, havia problemas de produção e poucas reservas. Hoje a maioria dos exportadores tem stocks grandes", explicou ao PÚBLICO o secretário do grupo intergovernamental responsável pelo sector dos cereais. Segundo Abbassian, a alta dos preços tem sido impulsionada pela especulação, mas os mercados deverão acalmar nas próximas semanas, fazendo descer os preços. Só que continua a ser preciso cautela.

"Se houver mais problemas nos países exportadores, a produção pode não ter tempo de recuperar e aí sim poderemos ter uma crise como a de 2008 no próximo ano", destaca. Um relatório do Banco Mundial divulgado na segunda-feira conclui que a especulação foi em parte responsável pela anterior crise dos cereais e que os investimentos nos mercados podem fazer variar os preços dos alimentos no curto prazo, embora a lei da oferta e da procura acabe por triunfar.