Helena Teixeira da Silva, in Jornal de Notícias
França deportou oito mil ciganos e colocou a Europa sob forte suspeita de discriminação
Desde o início do ano, o Governo francês deportou mais de oito mil ciganos. A expulsão colectiva da comunidade roma colheu a aprovação de 65% dos franceses e encontrou eco noutros países. Mas beliscou os fundamentos da Europa. Cenas dos próximos capítulos.
À Roménia, estado-membro da União Europeia (UE) desde 2007, chegaram esta semana centenas de ciganos provenientes de Lyon e Paris, totalizando 8,3 mil pessoas expulsas em oito meses. Cada repatriado leva no bolso 300 euros (100, se for criança) e a etiqueta "imigrante ilegal". A mesma França que foi uma das fundadoras da UE é a mesma que agora defende o veto à entrada da Roménia no Espaço Schengen, que permite a livre circulação de pessoas na Europa, caso Bucareste não trave o fluxo de imigração irregular. E acusa a Roménia de não usar os fundos europeus para integrar ciganos no seu país.
A polémica está lançada e a inflamar a Europa, cujo desconforto é evidente e ilustrado pela maratona de reuniões ministeriais agendadas para a próxima semana em Bruxelas. As Nações Unidas também já lançaram um apelo para que seja evitada a discriminação. E o Vaticano comparou mesmo esta vaga de deportação ao holocausto.
"A expulsão colectiva da comunidade roma de França não é só absurda, é a negação dos princípios que estiveram na base da constituição da UE", assegura, ao JN, Pedro Bacelar Vasconcelos, constitucionalista com reconhecido percurso na defesa das minorias étnicas contra o racismo e xenofobia. "Se há comportamentos incompatíveis com a vida social, existem normas do direito penal para reconduzir os indivíduos infractores. Mas custa-me a acreditar que sejam todos da mesma etnia. Julgo estarmos perante um problema mais grave, que se traduz numa aberração face à gramática de uma democracia".
Para Rosário Farmhouse, alta- -comissária para a Integração e Diálogo Cultural, "não está em causa a legitimidade da operação, mas a forma como está a ser realizada". E esclarece: "Em períodos de crise económica grave, há a tentação de tomar medidas eleitoralistas e securitárias, fazendo crer que expulsando minorias carenciadas resolve-se o estado das coisas - não só não resolve como coloca em risco a paz social".
Ambos convergem numa posição: o movimento encetado pelo Governo francês, e que está a alastrar-se a outros países, como Alemanha e Itália, representa um enorme retrocesso europeu". Daí que Farmhouse defenda que "chegou a altura de repensar os fundamentos da UE, porque não é possível expulsar pessoas de uma só comunidade e, ao mesmo tempo, defender a sua livre circulação".
O contra-senso é tanto maior, torna Bacelar Vasconcelos, quanto o facto de "demonstrar de forma perversa a incapacidade da sociedade para superar o desafio da integração de grupos diferentes, respeitando o desígnio de pluralidade que reclama para si". Dito de outra forma, a Europa, onde habitam 12 milhões de ciganos, fracassou.
"Os próprios países de origem excluem os seus ciganos", lamenta a alta-comissária. "É preciso maior investimento no acompanhamento destas comunidades ao nível da formação, do aperfeiçoamento de competências e da fiscalização das prestações sociais. Há ainda um longo caminho a percorrer dos dois lados", reconhece.
No entanto, insiste Bacelar Vasconcelos, "se persistirmos na perigosa tentação da generalização - é o caminho mais fácil porque não nos obriga a pensar e conforta-nos no nosso egoísmo -, nunca será possível encontrar soluções harmoniosas. Os resultados de um processo que passa muito pela escolarização só serão visíveis no horizonte de duas ou três gerações. Implica persistência e paciência."