in Jornal de Notícias
A maré de aumento dos preços das matérias-primas alimentares incide nos produtos que Portugal importa e não beneficia aqueles que exporta, devendo assim aumentar o défice alimentar português, disseram à Lusa especialistas do sector.
"Temos uma estrutura importadora dominada pelos cereais e oleaginosas, que são quase 40 por cento e são exactamente os produtos de base que têm sofrido mais aumentos no mercado mundial. E temos uma estrutura produtiva e exportadora que não tem beneficiado da alta de preços internacionais", disse à agência Lusa o antigo ministro da Agricultura e empresário do sector, Armando Sevinate Pinto.
Já a presidente do Observatório dos Mercados Agrícolas e das Importações Agro-Alimentares, Maria Antónia Figueiredo, admitiu também à Lusa que Portugal "está muito vulnerável", porque o país é um importador de alimentos em quase todos os sectores.
"No caso dos cereais, produzimos 25 por cento das nossas necessidades. No trigo, produzimos 11 por cento. Qualquer aumento global de preços terá implicações a nível nacional - no pão, por exemplo", acrescentou.
Lembrando que, segundo os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), Portugal exportou em 2010 cerca de 3,28 mil milhões de euros de produtos alimentares de origem agrícola e importou cerca de 6,28 mil milhões, Sevinate Pinto previu um aumento do défice alimentar português.
"O consumo de alimentos é de cerca de 10 mil milhões de euros por ano em Portugal. Caso se registe um aumento dos preços alimentares de base - cereais e oleaginosas - que são logo 40 por cento das importações, arriscamo-nos a perder entre 30 e 50 por cento, valores entre 750 milhões e 1.250 milhões de euros", caso o aumento se mantiver ao longo do ano, disse o antigo ministro.
"Dá um aumento no custo dos produtos alimentares entre cerca de sete e 12 por cento," acrescentou, lembrando que Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação aponta para os 15 por cento.
Citando também dados do INE, Maria Antónia Figueiredo referiu que, nos dez últimos anos, o diferencial entre importações e exportações de bens alimentares rondou os 3,3 mil milhões de euros.
Além dos cereais, "são a soja, o açúcar e as carnes, essencialmente, que estão a aumentar. Produtos em que somos altamente deficitários", referiu.
Sevinate Pinto e Maria Antónia Figueiredo referiram ainda que são de esperar mais aumentos nos preços dos alimentos em Portugal, seguindo a alta dos custos do petróleo, essencial para combustível, para os transportes e para a produção de fertilizantes e pesticidas, um problema que se torna cada vez maior quanto mais incertas são as variações nos preços.
"Ninguém é capaz de dizer daqui a uma semana, daqui a um mês, ou daqui a um ano, qual será o preço do trigo, ou do centeio. É uma diferença radical até antes de 2008", sublinhou Maria Antónia Figueiredo.
Segundo o Banco Mundial, o preço dos bens alimentares aumentou 15 por cento em média, entre Outubro de 2010 e Janeiro de 2011, empurrando para a pobreza cerca de 44 milhões de pessoas.