Miguel Costa Nunes, in Económico
Em entrevista ao Económico,presidente do Banco Alimentar Contra a Fome garante que nunca foi alvo de pressões políticas ou económicas.
"Somos como a água: incolores, insípidos e inodoros", garante Isabel Jonet sobre o Banco Alimentar que estreia hoje as doações ‘online'. E tem uma nova campanha de recolha de bens nos hipermercados neste fim-de-semana.
A dois dias da campanha de recolha de bens alimentares marcada para este fim-de-semana, 28 e 29, Isabel Jonet coloca a ênfase na coerência e na transparência. Defende que o Estado quando se mete demais "só prejudica".
Em entrevista ao Diário Económico, a presidente do Banco Alimentar Contra a Fome diz ainda que Portugal "é muito solidário". E que a "política de imagem muito restritiva" da entidade que dirige não admite "envolvimentos com instituições de cariz político ou religioso". Explica por que razões não há corrupção no Banco Alimentar e garante que nunca foi alvo de pressões políticas ou económicas.
Algum dos candidatos às eleições de 5 de Junho passará por aqui em campanha? Porquê?
De maneira nenhuma. Nenhum político em campanha virá ao Banco Alimentar, porque temos uma política de imagem muito restritiva e não admitimos envolvimentos com instituições de cariz político ou religioso. Somos como a água: incolores, insípidos e inodoros. Mas muito transparentes.
Porque não entra a política no Banco Alimentar?
Por uma questão de independência e porque temos como único elemento congregador o bem fazer, sem qualquer outra coisa ou intenção.
Portugal é solidário?
Portugal é muito solidário.
E o Estado?
Quanto ao Estado, não sei se tem que ser solidário. Acho que tem que ser rigoroso, eficiente e não se meter demasiado, deixando o mercado funcionar mesmo no terceiro sector, porque quando se mete a mais só prejudica. Deveria apoiar com a certificação das IPSS e obrigar as instituições de solidariedade social a organizarem-se: mesmo as que não o querem fazer, porque talvez prefiram viver numa certa desorganização. No Banco Alimentar temos auditorias feitas pela KPMG e um escritório de advogados que nos ajuda a título voluntário.
Isso impede ou limita a corrupção?
Aqui não há corrupção porque há regras muito restritivas e porque não há dinheiro envolvido. O Banco Alimentar alimenta 300 mil pessoas, correspondentes a 3% da população.
Já foi alvo de pressões políticas ou económicas?
Nunca fui.
O BA pode vir a tornar-se um movimento social ou político?
Isso é completamente impossível, porque está estatutariamente blindado. E basta ver, por exemplo, como nenhum dos 19 bancos alimentares do país exprime qualquer opinião política: as pessoas sabem que essa é a coerência exigida e a nossa carta de princípios. O Banco Alimentar Contra a Fome é, sim, o maior movimento em Portugal no pós-guerra e cobre quase todo o território nacional. Mas fazemos contratos de utilização de marcas e sinais distintivos.
Há crise no voluntariado?
Não.
O Ano Europeu do Voluntariado potencia a dimensão das recolhas?
Fala-se disso, o que é bom. E há muitas acções pelo país, designadamente com as camadas mais jovens, para as quais criámos o ‘Volunteer Book', e porque há uma intervenção cívica de base que deve fazer parte da educação das pessoas desde muito jovens. Temos acções para crianças dos 6 aos 12 anos, porque é uma questão de co-responsabilização e também porque se as empresas viverem num mundo com menos pobres, vendem mais.
Essa é a verdadeira responsabilidade social?
A verdadeira responsabilidade social das empresas é garantir o emprego, porque o desemprego é a maior causa de problemas sociais. Um desemprego elevado é muito negativo, sobretudo para pessoas acima dos 48 anos, que tendem a tornar-se desempregados sem esperança. As pessoas habituaram-se a níveis de consumo elevados, porque lhes disseram que iriam ser europeias e viver como nos países mais ricos. Mas não podem ter mais essa ambição de ganhar aos milhões como até agora. Tínhamos induzida a sensação de um bem-estar que era para a vida. Mas agora sabemos que não é assim, ao ponto de percebermos que os nossos filhos poderão ter uma vida menos rica do que a nossa. E que, nós próprios, poderemos descer alguns patamares no actual modo de vida. E se assim é, que os desçamos de uma vez, porque me parece inevitável.
É uma heroína? E ajudar fica bem?
Acha? Não sou. Tive a sorte de encontrar as pessoas certas e de conseguir com isso uma grande realização pessoal e profissional. De ser capaz de gerir equipas e de ter pessoas muito comprometidas com o seu trabalho e muito preocupadas com os outros.
Portugueses podem doar ‘online' a partir de hoje
Um ‘site' criado pela Microsoft Portugal em parceria com a link Consulting permitirá fazer doações de bens alimentares a partir desta quinta-feira, dia 26.
O Banco Alimentar lança hoje, dia 26, um novo canal de recolha de alimentos ‘online' a inaugurar em Lisboa por Maria Cavaco Silva e a presidente da Federação de Bancos Alimentares de Portugal, Isabel Jonet. O arranque desta nova plataforma de doação e a formação no referido site de uma comunidade ‘online' de doadores solidários acontece no âmbito do 5º Encontro Anual de Parceiros Sociais promovido pela Microsoft Portugal e em parceria também com a empresa Link Consulting.
"Conscientes do crescente impacto das redes sociais na sociedade portuguesa, podemos agora reunir o apoio de todos os portugueses, incluindo os mais jovens, que poderão contribuir de forma simples e ‘online' para uma causa que é de todos", refere Isabel Jonet sobre a nova plataforma de doações ‘online'. "Esta campanha é fundamental para recolher mais alimentos numa fase socialmente muito difícil para o país e conseguirmos aumentar a nossa capacidade de levar mais apoio a quem dele precisa", acrescenta.
O pagamento dessas doações ‘online' será feito por Multibanco, utilizando a plataforma "Compra Fácil". Tal como em qualquer outro pagamento de serviços ou compra ‘online', o doador confirma a aceitação do montante a pagar após seleccionar os produtos e as quantidades que pretende doar. Poderá utilizar a plataforma normal de ‘homebanking' para concluir a doação ‘online' ou dirigir-se a uma caixa ATM e fazer aí o pagamento, usando em qualquer caso a referência e o código atribuídos, e entretanto recebidos por e-mail.
Por seu lado a directora-geral da Microsoft Portugal, Cláudia Goya, sustenta que "este é um dos mais inovadores projectos onde a Microsoft participou". "Concretiza na perfeição a nossa missão: fazer e colocar a tecnologia ao serviço das pessoas e, neste caso particular, de quem mais precisa. O facto de estarmos a disponibilizar a nossa mais moderna tecnologia para um projecto de raiz inteiramente social prova bem a força do Terceiro Sector, num contexto tão difícil como o actual", afirma.
Segundo Isabel Jonet as empresas são muito importantes para o Banco Alimentar Contra a Fome, "mas não lhes é permitida a associação das marcas porque temos, também nesse aspecto, regras muito rígidas". Há actualmente mais de 500 empresas em parcerias com os 19 Bancos Alimentares a nível nacional. "Mas todas são iguais e aparecem listadas nos nossos relatórios por ordem alfabética: depois têm as respectivas contrapartidas fiscais, como é evidente". O Banco Alimentar propõe parcerias na luta contra a fome e aceita excedentes de produtos, serviços ou dinheiro que encaminha para as instituições por forma a garantir a distribuição de modo muito eficiente e verificando verdadeiras situações de carência. "O que não queremos são comportamentos acomodatícios e a ajuda deve ser tão reduzida quanto possível. Mas sabemos que sempre haverá pobreza estrutural e pobreza conjuntural, por isso dever ser tentada a inclusão social sempre que possível", diz Isabel Jonet.
O obstáculo mais importante assenta no facto de não conseguir ter o número suficiente de voluntários comprometidos sempre no dia-a-dia. "Lisboa, Santarém e Setúbal são excepções, mas outros nem sempre conseguem esse voluntariado comprometido no dia-a-dia". Estudos que dizem que haverá cerca de 2 milhões de pobres em Portugal. "Não partilho essa opinião, porque uma coisa é a pobreza e outra são as carências alimentares: fizemos um estudo com a Entreajuda e a Universidade Católica que concluía que há muitas pessoas de baixo rendimento mas que não se consideram pobres. Alguns dizem que teriamos 42% de pobres se não fossem as prestações sociais. Mas há uma economia paralela muito forte e muitas pessoas que recebem, por exemplo, o Rendimento Social de Inserção e que também fazem biscates que não declaram", concluiu a presidente do Banco Alimentar.