in Diário de Notícias
Uma mulher que, numa situação de "extrema pobreza", opte por ser "barriga de aluguer" poderá sofrer problemas associados à culpa e à vergonha "imensuráveis" e entrar em "processo de depressão profunda", segundo uma psicóloga que abordou a temática.
A análise é de Joana Leonardo, psicóloga no Instituto Superior de Psicologia Aplicada (ISPA), em Lisboa, autora de um estudo inédito sobre as representações dos técnicos de saúde de uma maternidade face à substituição gestacional e às hospedeiras gestacionais ("barrigas de aluguer").
Em declarações à agência Lusa, a propósito da notícia de que existem mulheres em Portugal que, por motivos financeiros, são "barrigas de aluguer", a investigadora disse que "a maioria das hospedeiras gestacionais apenas dá à luz crianças que não identifica como filhos seus, identificando-se apenas como veículo para outrem".
Por outro lado, disse, "sendo encarado como um filho, a maioria desiste do processo de substituição gestacional, mesmo que as dificuldades económicas sejam evidentes, arranjando formas alternativas de rendimento para sobreviver: prostituição, ajuda de familiares e amigos, furtos, procura de outra inserção profissional, etc.".
Mas, embora "num cenário de prevalência pouco frequente, e numa situação extrema de pobreza em que uma mulher se veja obrigada a vender um filho para conseguir subsistir, os problemas associados à culpa e à vergonha serão certamente imensuráveis, podendo a mulher entrar em processo de depressão profunda, o que poderá ter consequências nefastas", alertou a psicóloga.
Joana Leonardo salientou que "uma mulher, ao tornar-se hospedeira gestacional ("barriga de aluguer"), toma esta decisão de forma consciente e consentida, assim como acontece em mulheres que decidem dar uma criança para adopção". "Maioritariamente, existe já uma relação afectiva com o casal anterior à própria gestação, existindo por parte da hospedeira um sentimento de gratificação e enaltecimento pessoal".
Também "a proveniência dos gâmetas que originam aquele embrião parece interferir no tipo de relação e vinculação que se estabelece com a criança", disse.
No seu estudo, realizado há dez anos, antes mesmo de ser aprovada a lei de Procriação Medicamente Assistida (PMA), que proíbe esta prática desde 2006, Joana Leonardo identificou "uma maior facilidade de compreensão e aceitação social do casal intencional (compreensão de uma necessidade) do que para a disponibilidade (física e emocional) das hospedeiras gestacionais". Para este facto terá contribuído a "falta de informação sobre o assunto" na altura.
"As atitudes e os estereótipos são influenciados pelo grau de conhecimento, pela natureza da situação vivida pelo indivíduo e pelas características pessoais de cada um, assumindo um carácter multidimensional", afirma a especialista.