in Expresso
Comissão dos Direitos Humanos da Ordem dos Advogados diz ainda que é uma violação à reserva da intimidade perguntar se o dador teve ou não relações com outros homens. "Esta é uma posição homofóbica por parte do Instituto Português do Sangue e da Transplantação."
É uma violação flagrante dos direitos humanos e do direito à reserva da intimidade. A denúncia é feita pelo presidente da Comissão dos Direitos Humanos da Ordem dos Advogados, Eldad Mário Neto. Em causa estão as declarações do presidente do Instituto Português do Sangue e da Transplantação (IPST) sobre a proibição de homens serem dadores de sangue caso tenham relações sexuais com pessoas do mesmo sexo.
"A prática que está a ser exigida é completamente ilegal e mostra uma posição homofóbica pela parte do IPST", disse o presidente da Comissão dos Direitos Humanos.
Na passada quarta-feira, à saída da comissão parlamentar de Saúde, Hélder Trindade, presidente da IPST, disse que ser homem e ter tido sexo com outros homens é fator de exclusão para a dádiva de sangue. "O contacto sexual de homens com outros homens é definido como fator de risco", afirmou. O dador não é excluído por se assumir homossexual, mas sim por praticar sexo com outros homens.
Hélder Trindade justifica dizendo que a prevalência do VIH/sida é "bastante mais elevada" nos homens que têm sexo com homens.
A Comissão dos Direitos Humanos da Ordem dos Advogados admite que possam existir algumas reservas em relação ao perigo da transmissão de infeções, mas nesse o caso o que deveria ser considerado eram as relações desprotegidas em geral e não as relações sexuais entre dois homens. "A existir alguma pergunta [no questionário inicial] deveria ser sobre relações desprotegidas, independentemente da orientação sexual. Parece louco fazer essa pergunta, porque é impossível verificar a veracidade da informação", justifica Eldad Mário Neto.
"Declarações irresponsáveis"
Até 2010, no questionário realizado antes da doação, o candidato a dador tinha que informar qual a sua orientação sexual. Atualmente isso já não acontece, pelo menos formalmente, pois continua a existir indicação para que a questão seja sempre formulada.
Para a Associação Intervenção Lésbica, Gay, Bissexual e Transgénero (ILGA), as declarações sobre as restrições da dádiva de sangue pelos homossexuais são preconceituosas e discriminatórias. "São declarações discriminatórias e irresponsáveis, feitas com base no preconceito. Associar o sexo entre dois homens como um comportamento de risco é pressupor que não há proteção e que há mais do que um parceiro. E há que considerar que os heterossexuais, se quiserem, também praticam sexo anal", diz Marta Ramos, da ILGA.
A ILGA Portugal já pediu por isso uma audiência ao Ministro da Saúde para abordar esta situação, em conjunto com vários temas que considera problemáticos no acesso à saúde para pessoas LGBT, aguardando "com expectativa" uma resposta.
O que sabemos
A Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados aponta que a resolução da situação pode estar nas mãos da ciência, já a ILGA diz que o IPST " invoca a ciência para continuar a estigmatizar".
Mas afinal o que dizem os entendidos na matéria? O sexólogo Nuno Nodin diz que esta exclusão é discriminatória e lamenta que ainda exista um grande caminho a percorrer até à igualdade. "Apesar da Constituição portuguesa e dos progressos que têm sido feitos, continua a haver discriminação com base no comportamento e orientação sexual."
Para o médico, o problemático nesta situação é a categorização de pessoas com base na sua orientação sexual. "O que sabemos é que o risco de infeção aumenta com comportamentos de risco, não com o comportamento sexual."
Antes de ser utilizado, o sangue doado é sempre testado, mas o questionário inicial é considerado um passo crucial para a segurança da transfusão. Em casos como o VIH, este pode não ser detetado na análise do sangue, daí que sejam importante conhecer o passado do futuro dador.
Por todo o mundo esta é uma questão polémica. Nos Estados Unidos, por exemplo, os homens homossexuais só podem dar sangue se estiverem em abstinência sexual. Já em países como o Canadá, Reino Unido, Japão e a Austrália existe uma janela temporal definida. Ou seja, durante um determinado período o homem não pode dar sangue. Esse tempo pode variar entre um a cinco anos, consoante o país, mas no final desse intervalo pode voltar a ser dador de sangue.