Ana Cristina Pereira, in Público on-line
Serviços Prisionais declaram “tolerância zero” à entrada de droga e telemóveis nas cadeias. Em dois anos, 21 guardas foram alvo de processos.
As perguntas são recorrentes e o director-geral dos serviços prisionais, Celso Manata, também as fez muitas vezes. Como é que as drogas entram nas prisões? E os telemóveis? E as agulhas? E as armas brancas? Não são todas as pessoas e todos os objectos sujeitos a revista?
A maior parte das pistas sobre introdução de drogas, telemóveis e outros objectos proibidos nas cadeias chega-lhe às mãos por iniciativa de reclusos, não de guardas. “Quando temos informação, a lógica não é espantar a caça. Temos uma estratégia montada”, diz. A informação é trabalhada e remetida para a Polícia Judiciária. “Temos uma articulação muito afinada com a PJ, que é quem pode fazer escutas, verificar contas bancárias...”
Foi nomeado há um ano e meio. “Ouvi uma coisa, depois outra, depois outra. Mandei fazer uma investigação geral.” O resultado aponta para falhas de segurança no acesso às prisões. “Verificámos que havia várias situações de guardas que não cumpriam as suas obrigações.”
O relatório do Serviço de Auditoria e Inspecção da Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP), avançado no sábado pelo Expresso, fala em “intolerável flexibilização” nos procedimentos de segurança nas portarias. Por todo o país há guardas, sobretudo à noite e ao fim-de-semana, que deixam entrar colegas sem antes fazer “uma verificação minuciosa" do que transportam.
O director-geral declarou “tolerância zero” a tal comportamento. “Já disse que ia andar em cima das pessoas que traficam drogas, telemóveis e outras coisas. Agora, digo que vou andar em cima das pessoas que estão nas portarias.” Quem descuidar os mecanismos de controlo será alvo de processo disciplinar.
Por causa da introdução de drogas, telemóveis e outros objectos proibidos, entre 2014 e 2016 foram instaurados 21 processos disciplinares a elementos da Guarda. Nesse âmbito, nove foram expulsos, três suspensos, três multados e três repreendidos — os outros processos ainda estão pendentes. No ano passado, 12 guardas foram privados de liberdade por esses e outros crimes. Neste momento, há sete encarcerados.
“Os directores das prisões são os primeiros a violar as normas”
“Os directores das prisões são os primeiros a violar as normas”
Quem entra num dos 49 estabelecimentos prisionais tem de transpor o pórtico e de entregar o que tem para revista. Os guardas conhecem a regra. “Existe um manual de procedimentos, que foi aprovado pelo anterior director-geral”, sublinha Manata. “Não houve instruções para não o cumprir, pelo contrário. Eu próprio dou o exemplo. Quando vou a uma cadeia, passo sempre pelo raio-x.”
Não quer que ninguém se refugie na ignorância. Proferiu um despacho com o resultado da auditoria e a ordem para respeitar os mecanismos de controlo. “Mandei ler em três formaturas seguidas, na presença de directores e chefias”, enfatiza. Com o despacho seguiu também um exemplar do manual.
Relação tensa
Jorge Alves, presidente do Sindicato Nacional do Corpo da Guarda Prisional, apontou o dedo aos directores das prisões. “Os directores são os primeiros a violar as normas”, acusou. Alguns nem passam pelo pórtico. Outros dão instruções no sentido de deixar passar pessoas sem revista. “Se um director diz para não revistar, os guardas não revistam”, salientou.
Celso Manata não aceita aquela justificação. “Não estou a dizer que não acontece, estou a dizer que se acontece os guardas devem participar”, declara. “Cada um é pago para exercer as suas funções. Quem está na portaria tem de controlar a entrada. Se é impedido de o fazer, deve participar.”
A falta de meios, em seu entender, também não serve de desculpa. “Há pórticos em todas as cadeias. Há equipamento de segurança em todas as cadeias. Pode não haver raio-x, mas há outros meios”, assegura. Podem fazer revista manual e usar raquetes, isto é, detectores de metais portáteis.
Não raras vezes, há gente detida à entrada das prisões. Reclusos a regressar de saídas curtas ou visitas com drogas ou telemóveis dissimulados no corpo ou em objectos. “Ainda na semana passada, uma senhora foi presa com droga na vagina”, recorda Manata. “Não me venham dizer que não há meios. Conseguem verificar as visitas e não conseguem verificar os funcionários?”
O exemplo mais conhecido de associação entre quebra de segurança e tráfico será o do Estabelecimento Prisional de Coimbra. No ano passado, um guarda foi apanhado com cerca de 100 doses de haxixe e dez de cannabis. Na altura, outro guarda, nesse caso um membro da chefia, foi constituído arguido. Ambos foram afastados e alvo de processo disciplinar.
A relação com o sindicato está tensa. Manata não quer que se pense que tem algo contra o corpo da guarda. “A maior parte dos funcionários são pessoas bem formadas, honestas, cumpridoras", diz várias vezes ao longo de uma conversa telefónica com o PÚBLICO. "A minha surpresa decorre dessa convicção.” Acontecia um guarda ser apanhado a prevaricar numa prisão e ser transferido para outra. “Eu disse ao sindicato que isso ia mudar. Eu disse: comigo, é tolerância zero. E está a ser.”