Samuel Silva, in Público on-line
Número é inferior a anos anteriores, porque o processo está atrasado e as aulas arrancam mais tarde do que o habitual.
Perto de 55 mil estudantes apresentaram a sua candidatura a uma bolsa de estudo no ensino superior para o próximo ano lectivo. O número é inferior ao registado, nesta altura, em anos anteriores, uma vez que todo o processo está atrasado devido às mudanças nos calendários académicos motivadas pela pandemia. Os responsáveis dos Serviços de Acção Social (SAS) das instituições de ensino esperam um aumento do número de candidatos em resultado da perda de rendimentos das famílias. As regras em vigor devem resultar num aumento do número de alunos apoiados.
Até ao dia 15 de Setembro, data do último balanço publicado no site da Direcção-Geral do Ensino Superior (DGES), 54.979 estudantes apresentaram a sua candidatura a uma bolsa de acção social para o novo ano lectivo. Face a igual período do ano passado são menos 3556 alunos. A diferença face aos anos anteriores explica-se pelas alterações aos calendários académicos que foram provocadas pela pandemia. Habitualmente, nesta altura do ano já foram divulgadas as colocações da 1.ª fase do concurso nacional de acesso, algo que este ano só acontecerá a 28 de Setembro. É a partir dessa altura que a maioria das candidaturas a bolsas de estudo é apresentada, mostram os números da DGES.
“Muitos alunos ainda não sabem para onde vão e até lá não apresentam a candidatura”, contextualiza Paulo Ferraz, administrador da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), a segunda instituição de ensino superior com mais estudantes bolseiros. No caso da UTAD, há cerca de 30% de candidaturas a menos face ao ano passado, que correspondem precisamente aos estudantes de 1º ano que são esperados no final do mês.
Mesmo para os alunos que já sabem que transitaram de ano e se mantêm na mesma instituição de ensino, os calendários estão atrasados. Na generalidade das universidades e politécnicos, as aulas só arrancam na próxima semana. Os estudantes só agora começam a chegar às cidades onde estudam e a consultar os e-mails institucionais para onde os Serviços de Acção Social (SAS) das universidades e politécnicos enviam um lembrete com os prazos de candidatura.
Há ainda uma outra questão, “com uma expressão mais residual”, mas que com efeitos na contabilidade final. A conclusão do ano lectivo anterior está atrasada, sobretudo para cursos cujas aulas práticas foram afectadas pela pandemia. Nesta altura, ainda há estudantes a fazer exames para a conclusão de algumas disciplinas e decorrem prazos para o lançamento de notas finais. Por isso, “nem todos os alunos terão a informação académica necessária” para apresentar já uma candidatura às bolsas de acção social, acrescenta Paulo Ferraz da UTAD.
Apesar deste atraso, aquele responsável espera um aumento do número de candidatos a bolsas de estudo – “é mais ou menos unânime entre os administradores dos SAS”, afirma. A perda de rendimentos que afectou as famílias em resultado da pandemia vai alargar o número dos estudantes dos que cumprem os requisitos para receber um apoio do Estado para estudar no ensino superior.
As 55 mil candidaturas registadas até ao momento significam que o processo relativo a este ano está sensivelmente a meio. Nos últimos três anos, cerca de 95 mil alunos concorreram às bolsas de acção social no ensino superior. No último ano lectivo, foram apoiados quase 80 mil estudantes, o número mais elevado de sempre. Esse número vai aumentar no novo ano lectivo, em resultado da mexida no limiar de elegibilidade para as bolsas de estudo. O Parlamento decidiu aumentar o patamar a partir do qual os apoios são concedidos, passando o valor de referência de 16 vezes para 18 vezes o Indexante de Apoios Sociais (IAS). Ou seja, as famílias podem ter rendimentos até 658 euros mensais per capita para serem elegíveis. O MCTES estima que haja, por isso, 8000 novos bolseiros este ano.
A bolsa mínima, que é atribuída a cerca de metade dos bolseiros, vai igualmente aumentar para 871 euros. Pela primeira vez será superior ao valor da propina máxima — que este ano volta a descer para 697 euros. Outra alteração para o novo ano lectivo é a simplificação do processo atribuição de bolsas, que passou a ser automático para quem já recebeu apoio durante a licenciatura e segue para mestrado ou, para os alunos que chegam pela primeira vez ao ensino superior, sempre que estejam no escalão 1 do abono de família.
Também o complemento de alojamento, pago aos estudantes que recebem bolsa de estudo e não têm lugar numa residência universitária, sobe para 50% do Indexante de Apoios Sociais – ou seja, 219 euros. Nas regiões onde o preço por metro quadrado dos novos contratos de arrendamento está acima da média nacional, o complemento terá uma majoração. Os alunos que estudem em Lisboa, Cascais e Oeiras recebem mais 66 euros, os do Porto, Amadora, Almada, Odivelas e Matosinhos vêm o apoio acrescido em 44 euros. Há ainda uma majoração de 22 euros para quem estudar em dez concelhos (Funchal, Portimão, Vila Nova de Gaia, Barreiro, Faro, Setúbal, Maia, Coimbra, Aveiro e Braga).
Apoios para estudar no interior
Mais de 1000 alunos apresentaram até ao momento a sua candidatura ao programa Mais Superior, destinado a apoiar quem pretende estudar numa instituição do interior do país. As candidaturas prolongam-se ainda por mais dois meses e há 2230 bolsas de 1700 euros anuais para distribuir por alunos carenciados.
Tal como acontece com as bolsas de acção social, as candidaturas ao Mais Superior também estão atrasadas em relação aos anos anteriores, devido ao novo calendário do ano lectivo. No ano passado, cerca de 6000 estudantes concorreram a este programa O prazo de candidaturas para este ano prolonga-se ainda até 15 de Novembro.
O número de bolsas disponíveis para quem quiser fazer um curso superior numa instituição do interior do país é o maior de sempre. Podem ser apoiados até 2230 estudantes, num montante mínimo de 1700 euros anuais. Os estudantes dos cursos técnicos superiores profissionais e os que ingressam no ensino superior ao abrigo do concurso especial para maiores de 23 anos têm uma majoração de 255 euros por ano.
O Mais Superior abrange todos os estudantes que escolham universidades e politécnicos do interior do país, ou seja, que se deslocam do local onde vivem, seja no litoral ou no interior, para uma das instituições abrangidas pela medida. São apoiados apenas alunos com carências económicas, pelo que acaba por funcionar como um complemento às bolsas de acção social.
20.9.20
Congestionamentos de tráfego: o anormal regresso à normalidade
Luísa Pinto e Rui Barros, in Público on-line
Depois de quase terem desaparecido do mapa em Março, os picos de tráfego regressaram em Setembro, com o fim das férias. As principais cidades portuguesas ainda estão longe dos níveis de pré-pandemia e os especialistas em mobilidade sublinham que medidas como o teletrabalho e o carpooling podem evitar regresso a esses níveis.
Durante o estado de emergência e com o confinamento obrigatório, impressionaram as imagens das ruas das cidades desertas. Assim como nas redes sociais se repetiam os relatos deslumbrados de quem já se permitia a ouvir o silêncio – ou, pelo menos, o chilrear dos pássaros. Quase sete meses depois, esta seria a altura do regresso à normalidade – as férias acabaram, as escolas recomeçaram. Os dados do TomTom Traffic Index, uma plataforma que analisa os níveis de congestão nas ruas de mais de 416 cidades mundiais, mostram que o “regresso à normalidade” já começa a reflectir-se no trânsito das principais cidades nacionais. Mas ainda não atingiu os níveis de antes da pandemia de covid-19.
O PÚBLICO recolheu e analisou os dados de trânsito desta plataforma para Lisboa, Porto, Braga e Coimbra e confirmou que os níveis de congestão rodoviária nos dias de semana (de segunda a sexta-feira) têm vindo a crescer desde a 35.ª semana do ano, que se iniciou a 24 de de Agosto, confirmando o fim das férias e o retomar da actividade para muitos.
O indicador do fabricante de dispositivos de navegação automóvel, que mede a percentagem de tempo extra que uma viagem de 30 minutos demora devido ao trânsito, por comparação com a cidade sem tráfego, mostra um padrão semelhante nas quatro cidades analisadas. Até à 10.ª semana deste ano (ou seja, até ao dia 6 de Março), as quatro cidades apresentaram sempre níveis altos de trânsito – a pandemia ainda não estava declarada. Em Lisboa, até essa data, uma viagem dentro da cidade demorava, em média, mais 31% do tempo devido à existência de trânsito automóvel. No Porto, o valor apurado era 33%, em Braga 25% e em Coimbra 20%.
Este indicador caiu abruptamente em todas as cidades ainda antes do estado de emergência, tendo apenas assistido a um crescimento algo significativo após a semana que se iniciou a 27 de Abril. No período seguinte os números mostram um crescimento lento no trânsito das cidades, com especial destaque para o Porto que, das quatro cidades, foi a que registou níveis de congestionamento de trânsito mais altos desde então (antes da pandemia, os valores semanais de Lisboa e Porto andavam sempre muito próximos). Este crescimento lento foi apenas interrompido em Agosto.
Mas findo esse mês e com muitos portugueses a regressar ao trabalho, os dados mostram que em todas as cidades portuguesas o trânsito tem aumentado. Só de 14 a 18 de Setembro - uma semana marcada pelo regresso às aulas -, a cidade do Porto já registava um valor semanal médio de 31,4% neste medidor de congestionamento de trânsito. Segue-se Lisboa (28,8%), Braga (22,2%) e Coimbra (19%). Se compararmos esta última semana com a de 2 a 6 de Março, período em que o trânsito nas cidades portuguesas ainda podia ser considerado “normal”, as cidades de Braga e Coimbra são aquelas onde se verifica a menor diferença (8,6 pontos percentuais), seguidas do Porto (8,8) e, por último, Lisboa (11,6).
Os níveis de congestionamento vão regressar aos níveis pré-pandémicos? Ou poderão, até, piorar, com o aumento do recurso do transporte individual? Ninguém sabe como é que pandemia vai evoluir, mas defende-se que agora é que devem ser tomadas medidas concretas que possam melhorar a mobilidade nas cidades.
Receio do transporte público
José Manuel Viegas, catedrático do Instituto Superior Técnico, especialista em Mobilidade e Transportes, admite que o aumento do transporte individual é expectável, por causa do aumento de casos de covid-19. “Vai haver um aumento da ansiedade e do medo. Há três semanas estávamos numa situação bipolar, algumas pessoas a dizer que isto está a passar, não é nada. E outras que persistiam com medo. Parece que vamos ter uma transferência forte da equipa dos relaxados para a equipa dos ansiosos”, antecipa.
E a ansiedade joga contra a utilização de transportes públicos, apesar de, reconhece José Manuel Viegas, não estar provado que os transportes colectivos sejam um local de forte propagação. “A recolha internacional de dados ainda não o evidenciou. A ausência de prova não é a mesma coisa que a prova da ausência, mas tem significado. Em muitos países do mundo tem continuado a haver utilização de transportes colectivos. As pessoas já antes viajavam quietas e caladas. Agora, com medo do vírus, de máscara posta, muito mais caladas vão”, argumentou.
O inquérito à mobilidade efectuado pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) em 2018 detectou que entre 68% a 70% das deslocações eram feitas de carro e que apenas 16% usavam o transporte público. O receio de contaminação nos transportes colectivos poderá implicar uma ainda maior transferência para o transporte individual.
Porém, tanto José Manuel Viegas, como Frederico Moura e Sá, urbanista especializado em Mobilidade, professor na Universidade de Aveiro, lembram que têm sido tomadas medidas importantes, do lado da procura, que podem ter um impacto importante e diluir as horas de ponta: os horários desfasados e o recurso ao teletrabalho, cuja utilização foi muito potenciada durante a quarentena. Moura e Sá recorda que o aumento do desemprego também vai reduzir, pelas piores razões, a pressão dos movimentos pendulares.
O impacto do teletrabalho
José Manuel Viegas acredita que o teletrabalho é uma das medidas que trarão maior impacto não só para o objectivo de evitar focos de contaminação mas também para diminuir os expectáveis congestionamentos de trânsito. “Vamos pensar nos 65% que fazem as deslocações casa-trabalho de carro. Se se conseguir que, através do teletrabalho, em cada dia, não venha 1/3 de 1/3 – e acho que pensar que um só 1/3 das empresas é que pode funcionar em teletrabalho é conservador - estou a reduzir 1/9 de 65%, isso quer dizer estar a reduzir 7%. Ora esta percentagem é praticamente metade dos 16% de quota do transporte público”, contabiliza José Viegas. Ou seja, “o teletrabalho é um contributo muito significativo para reduzir as pessoas que vêm de carro, numa escala semelhante à daquelas que usavam transporte colectivo e agora não o fazem com medo do contágio”, conclui.
O perito considera que não se deve esperar que as pessoas regressem ao transporte público, ou que aumentem a sua utilização, não só porque têm medo como também porque há limitações do lado da oferta. “Não há como querer o aumento da utilização do transporte público, e manter a baixa densidade de ocupação. Isso só duplicando a oferta, e não consegue fazer isso, nem que se quisesse. Comprar 500 autocarros demora um ano. Se for comboios, demora cinco. Formar motoristas também leva o seu tempo”, argumenta. Viegas considera que esta rigidez na oferta também afecta as bicicletas – um meio cuja utilização disparou com a pandemia, mas que está limitado pela falta de capacidade de produção. “O principal fabricante europeu de bicicletas está em Portugal, mas tem a produção nacional tomada para os próximos dois anos”, explica. Viegas considera que a notícia de que estão a aumentar as pistas cicláveis é boa, porque se está a criar infra-estrutura, mas acha que elas não terão impacto no curto prazo, como era necessário.
Carpooling é solução?
Para José Manuel Viegas, o fomento do carpooling é a única forma de reduzir o número de veículos na cidade, mesmo que, por causa do receio de contágio, cada condutor possa levar apenas um passageiro. A equipa do investigador fez uma simulação para a Área Metropolitana de Lisboa, considerando apenas casos em que a distância casa-trabalho fosse de quatro quilómetros e o desvio para ir buscar o parceiro de viagem não superior a 1,5 km. “Chegámos à conclusão que esta medida permite reduzir em 30 a 40% o número de carros que entra na cidade”, afirma, insistindo que, com alguma criatividade no modelo de negócio, esta seria “uma boa solução para incrementar durante a pandemia, mas que se poderia manter depois”. A criatividade terá de assentar, explica, na flexibilidade das parcerias. “Só medidas como fomentar o teletrabalho e o carpooling permite ter efeitos escaláveis no imediato”, defende.
Frederico Moura e Sá tem outro tipo de preocupações. Ao discurso anticarro prefere o discurso pró-peão. “A pandemia tornou mais visível a fragilidade do nosso espaço público. É um espaço muito motorizado. E a rede pedonal é descontínua, subdimensionada, não está organizada para a estadia e permanência. O peão é o elo mais fraco”, afirma. O urbanista defende que as cidades têm mesmo de construir “uma política de mobilidade coerente”, que combine medidas de atracção, “como qualificar redes pedonais, redes cicláveis, conforto, frequência e preços mais baixos no transporte público”, mas também medidas de dissuasão, como “uma política de estacionamento coerente”. “Não alinho no discurso que a pandemia pode ser uma grande oportunidade para mudar as coisas. Esta pandemia é acima de tudo uma tragédia, que faz emergir duas grandes necessidades. A urgência de qualificarmos as nossas cidades e de humanizar o espaço público”.
Depois de quase terem desaparecido do mapa em Março, os picos de tráfego regressaram em Setembro, com o fim das férias. As principais cidades portuguesas ainda estão longe dos níveis de pré-pandemia e os especialistas em mobilidade sublinham que medidas como o teletrabalho e o carpooling podem evitar regresso a esses níveis.
Durante o estado de emergência e com o confinamento obrigatório, impressionaram as imagens das ruas das cidades desertas. Assim como nas redes sociais se repetiam os relatos deslumbrados de quem já se permitia a ouvir o silêncio – ou, pelo menos, o chilrear dos pássaros. Quase sete meses depois, esta seria a altura do regresso à normalidade – as férias acabaram, as escolas recomeçaram. Os dados do TomTom Traffic Index, uma plataforma que analisa os níveis de congestão nas ruas de mais de 416 cidades mundiais, mostram que o “regresso à normalidade” já começa a reflectir-se no trânsito das principais cidades nacionais. Mas ainda não atingiu os níveis de antes da pandemia de covid-19.
O PÚBLICO recolheu e analisou os dados de trânsito desta plataforma para Lisboa, Porto, Braga e Coimbra e confirmou que os níveis de congestão rodoviária nos dias de semana (de segunda a sexta-feira) têm vindo a crescer desde a 35.ª semana do ano, que se iniciou a 24 de de Agosto, confirmando o fim das férias e o retomar da actividade para muitos.
O indicador do fabricante de dispositivos de navegação automóvel, que mede a percentagem de tempo extra que uma viagem de 30 minutos demora devido ao trânsito, por comparação com a cidade sem tráfego, mostra um padrão semelhante nas quatro cidades analisadas. Até à 10.ª semana deste ano (ou seja, até ao dia 6 de Março), as quatro cidades apresentaram sempre níveis altos de trânsito – a pandemia ainda não estava declarada. Em Lisboa, até essa data, uma viagem dentro da cidade demorava, em média, mais 31% do tempo devido à existência de trânsito automóvel. No Porto, o valor apurado era 33%, em Braga 25% e em Coimbra 20%.
Este indicador caiu abruptamente em todas as cidades ainda antes do estado de emergência, tendo apenas assistido a um crescimento algo significativo após a semana que se iniciou a 27 de Abril. No período seguinte os números mostram um crescimento lento no trânsito das cidades, com especial destaque para o Porto que, das quatro cidades, foi a que registou níveis de congestionamento de trânsito mais altos desde então (antes da pandemia, os valores semanais de Lisboa e Porto andavam sempre muito próximos). Este crescimento lento foi apenas interrompido em Agosto.
Mas findo esse mês e com muitos portugueses a regressar ao trabalho, os dados mostram que em todas as cidades portuguesas o trânsito tem aumentado. Só de 14 a 18 de Setembro - uma semana marcada pelo regresso às aulas -, a cidade do Porto já registava um valor semanal médio de 31,4% neste medidor de congestionamento de trânsito. Segue-se Lisboa (28,8%), Braga (22,2%) e Coimbra (19%). Se compararmos esta última semana com a de 2 a 6 de Março, período em que o trânsito nas cidades portuguesas ainda podia ser considerado “normal”, as cidades de Braga e Coimbra são aquelas onde se verifica a menor diferença (8,6 pontos percentuais), seguidas do Porto (8,8) e, por último, Lisboa (11,6).
Os níveis de congestionamento vão regressar aos níveis pré-pandémicos? Ou poderão, até, piorar, com o aumento do recurso do transporte individual? Ninguém sabe como é que pandemia vai evoluir, mas defende-se que agora é que devem ser tomadas medidas concretas que possam melhorar a mobilidade nas cidades.
Receio do transporte público
José Manuel Viegas, catedrático do Instituto Superior Técnico, especialista em Mobilidade e Transportes, admite que o aumento do transporte individual é expectável, por causa do aumento de casos de covid-19. “Vai haver um aumento da ansiedade e do medo. Há três semanas estávamos numa situação bipolar, algumas pessoas a dizer que isto está a passar, não é nada. E outras que persistiam com medo. Parece que vamos ter uma transferência forte da equipa dos relaxados para a equipa dos ansiosos”, antecipa.
E a ansiedade joga contra a utilização de transportes públicos, apesar de, reconhece José Manuel Viegas, não estar provado que os transportes colectivos sejam um local de forte propagação. “A recolha internacional de dados ainda não o evidenciou. A ausência de prova não é a mesma coisa que a prova da ausência, mas tem significado. Em muitos países do mundo tem continuado a haver utilização de transportes colectivos. As pessoas já antes viajavam quietas e caladas. Agora, com medo do vírus, de máscara posta, muito mais caladas vão”, argumentou.
O inquérito à mobilidade efectuado pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) em 2018 detectou que entre 68% a 70% das deslocações eram feitas de carro e que apenas 16% usavam o transporte público. O receio de contaminação nos transportes colectivos poderá implicar uma ainda maior transferência para o transporte individual.
Porém, tanto José Manuel Viegas, como Frederico Moura e Sá, urbanista especializado em Mobilidade, professor na Universidade de Aveiro, lembram que têm sido tomadas medidas importantes, do lado da procura, que podem ter um impacto importante e diluir as horas de ponta: os horários desfasados e o recurso ao teletrabalho, cuja utilização foi muito potenciada durante a quarentena. Moura e Sá recorda que o aumento do desemprego também vai reduzir, pelas piores razões, a pressão dos movimentos pendulares.
O impacto do teletrabalho
José Manuel Viegas acredita que o teletrabalho é uma das medidas que trarão maior impacto não só para o objectivo de evitar focos de contaminação mas também para diminuir os expectáveis congestionamentos de trânsito. “Vamos pensar nos 65% que fazem as deslocações casa-trabalho de carro. Se se conseguir que, através do teletrabalho, em cada dia, não venha 1/3 de 1/3 – e acho que pensar que um só 1/3 das empresas é que pode funcionar em teletrabalho é conservador - estou a reduzir 1/9 de 65%, isso quer dizer estar a reduzir 7%. Ora esta percentagem é praticamente metade dos 16% de quota do transporte público”, contabiliza José Viegas. Ou seja, “o teletrabalho é um contributo muito significativo para reduzir as pessoas que vêm de carro, numa escala semelhante à daquelas que usavam transporte colectivo e agora não o fazem com medo do contágio”, conclui.
O perito considera que não se deve esperar que as pessoas regressem ao transporte público, ou que aumentem a sua utilização, não só porque têm medo como também porque há limitações do lado da oferta. “Não há como querer o aumento da utilização do transporte público, e manter a baixa densidade de ocupação. Isso só duplicando a oferta, e não consegue fazer isso, nem que se quisesse. Comprar 500 autocarros demora um ano. Se for comboios, demora cinco. Formar motoristas também leva o seu tempo”, argumenta. Viegas considera que esta rigidez na oferta também afecta as bicicletas – um meio cuja utilização disparou com a pandemia, mas que está limitado pela falta de capacidade de produção. “O principal fabricante europeu de bicicletas está em Portugal, mas tem a produção nacional tomada para os próximos dois anos”, explica. Viegas considera que a notícia de que estão a aumentar as pistas cicláveis é boa, porque se está a criar infra-estrutura, mas acha que elas não terão impacto no curto prazo, como era necessário.
Carpooling é solução?
Para José Manuel Viegas, o fomento do carpooling é a única forma de reduzir o número de veículos na cidade, mesmo que, por causa do receio de contágio, cada condutor possa levar apenas um passageiro. A equipa do investigador fez uma simulação para a Área Metropolitana de Lisboa, considerando apenas casos em que a distância casa-trabalho fosse de quatro quilómetros e o desvio para ir buscar o parceiro de viagem não superior a 1,5 km. “Chegámos à conclusão que esta medida permite reduzir em 30 a 40% o número de carros que entra na cidade”, afirma, insistindo que, com alguma criatividade no modelo de negócio, esta seria “uma boa solução para incrementar durante a pandemia, mas que se poderia manter depois”. A criatividade terá de assentar, explica, na flexibilidade das parcerias. “Só medidas como fomentar o teletrabalho e o carpooling permite ter efeitos escaláveis no imediato”, defende.
Frederico Moura e Sá tem outro tipo de preocupações. Ao discurso anticarro prefere o discurso pró-peão. “A pandemia tornou mais visível a fragilidade do nosso espaço público. É um espaço muito motorizado. E a rede pedonal é descontínua, subdimensionada, não está organizada para a estadia e permanência. O peão é o elo mais fraco”, afirma. O urbanista defende que as cidades têm mesmo de construir “uma política de mobilidade coerente”, que combine medidas de atracção, “como qualificar redes pedonais, redes cicláveis, conforto, frequência e preços mais baixos no transporte público”, mas também medidas de dissuasão, como “uma política de estacionamento coerente”. “Não alinho no discurso que a pandemia pode ser uma grande oportunidade para mudar as coisas. Esta pandemia é acima de tudo uma tragédia, que faz emergir duas grandes necessidades. A urgência de qualificarmos as nossas cidades e de humanizar o espaço público”.
Queixas de discriminação por deficiência sobem 30%, a maioria por causa de acessibilidade
Joana Gorjão Henriques, in Público on-line
Instituto Nacional para a Reabilitação só registou uma contra-ordenação. O acesso a direitos fica em segundo lugar entre as queixas mais frequentes. Quem está no terreno fala de ineficácia da lei e de falta de fiscalização.
Em 2019, o Instituto Nacional para a Reabilitação (INR), que supervisiona a lei que proíbe a discriminação de pessoas com deficiência, contabilizou mais 30% de queixas do que no ano anterior, passando, assim, de 911 para 1274. Esta foi uma inversão da tendência de 2018, ano em que desceram as queixas face a 2017. Porém, o INR registou apenas um processo de contra-ordenação, que deu origem a uma coima, lê-se no relatório anual sobre 2019.
As queixas desta natureza têm várias portas de entrada: o próprio INR ou outras entidades reguladoras. O INR contacta estas entidades para recolher os dados – de 42 entidades contactadas, 13 não responderam, lê-se no relatório. Das 1274 queixas registadas pelo INR, a esmagadora maioria, 1076, chegaram via outras entidades. Dessas, mais de 44% deveram-se a questões de acessibilidade. Porém, nota-se ainda uma elevada percentagem de queixas por causa da limitação de direitos, praticada por empresas ou agentes do Estado, que ficaram em cerca de 30% do total.
A fiscalização da lei também se refere a queixas motivadas pelo risco agravado de saúde mas estas representam apenas 3%. Das 1274 reclamações registadas, cerca de um terço (486) foram encaminhadas, há 367 processos a decorrer e 420 tiveram arquivamento. Destas últimas, a maioria (46%) foi arquivada porque a situação se resolveu ou havia falta de prova (22%). Apenas 4% das queixas foram arquivadas por não se ter verificado prática discriminatória.
Para Ana Sezudo, presidente da Direcção Nacional da Associação Portuguesa de Deficientes (APD), apesar do aumento das queixas elas são “sempre pequenas comparando com o que realmente acontece”, nota ao PÚBLICO. Paula Campos Pinto, coordenadora do Observatório da Deficiência e Direitos Humanos (ODDH), refere que, embora exista um aumento do número de queixas, “na prática ainda são muito poucos os casos que acabam condenados”. Analisa: “Há um grande leque de situações em que a discriminação é subtil” e é “realmente difícil que se consiga apurar e comprovar aquilo que aconteceu, tendo por base que a pessoa com deficiência é a mais vulnerável nessa relação de poder.” “O problema é que a lei coloca o ónus da prova na pessoa que é vítima, em vez de o colocar naquela que praticou o acto discriminatório.”
Queixas mais bem instruídas?
A presidente da APD considera que em termos de legislação Portugal “está bem contemplado”, mas há “falta de entidades fiscalizadoras”. Isso nota-se em relação à acessibilidade, área em que a legislação não é nova, e por isso “não há motivo para continuarmos a assistir a um edificado tão pouco acessível”, refere. “Só acontece porque não existe uma entidade fiscalizadora, que aplique uma coima” e “faça cumprir”, da “mesma forma que o Estado faz com que os cidadãos cumpram as suas obrigações”. O cidadão “está interessado que se resolva”. O elevado número de queixas relativas a acessibilidade significa que esta é uma questão por resolver e “limitadora por ser transversal: estamos a falar do acesso a saúde, educação, emprego, transportes”, analisa.
Já a coordenadora do ODDH considera que, “do ponto de vista da discriminação”, a lei “acaba por ter muito pouca eficácia: “há muitas queixas” arquivadas por “falta de prova”, ou seja, “há muitas queixas que não são bem instruídas, faltam elementos”. “Se isto se verifica há tantos anos, não seria responsabilidade do INR fazer qualquer coisa para que estas queixas fossem mais bem instruídas, apoiar os cidadãos a fazer queixa?”
Mas sublinha que o aumento de queixas é algo positivo porque significa que há um “papel mais activo” das pessoas com deficiência, familiares ou amigos para exigir o cumprimento da lei, algo que “tem sido fruto do trabalho de muitas organizações não-governamentais”.
Da leitura do relatório, a dirigente da APD notou ainda que não há queixas relativas a quotas no emprego. De acordo com a lei, nos concursos externos da função pública com número de vagas igual ou superior a dez é fixada uma quota de 5% a preencher por pessoas com deficiência; no sector privado, as empresas com mais de 72 trabalhadores devem admitir uma quota “não inferior” a 1% de pessoas com deficiência.
“Não há queixas sobre as quotas de emprego mas, como os concursos ultimamente são para uma vaga, a quota não se cumpre. E lá está, mais uma vez, o Estado a incumprir”, refere Ana Sezudo, que critica ainda o número de entidades que não responderam à solicitação do INR. “Nem todas as entidades se dão ao trabalho de responder, isso diz alguma coisa sobre a pouca importância que dão a esta área”, conclui.
Instituto Nacional para a Reabilitação só registou uma contra-ordenação. O acesso a direitos fica em segundo lugar entre as queixas mais frequentes. Quem está no terreno fala de ineficácia da lei e de falta de fiscalização.
Em 2019, o Instituto Nacional para a Reabilitação (INR), que supervisiona a lei que proíbe a discriminação de pessoas com deficiência, contabilizou mais 30% de queixas do que no ano anterior, passando, assim, de 911 para 1274. Esta foi uma inversão da tendência de 2018, ano em que desceram as queixas face a 2017. Porém, o INR registou apenas um processo de contra-ordenação, que deu origem a uma coima, lê-se no relatório anual sobre 2019.
As queixas desta natureza têm várias portas de entrada: o próprio INR ou outras entidades reguladoras. O INR contacta estas entidades para recolher os dados – de 42 entidades contactadas, 13 não responderam, lê-se no relatório. Das 1274 queixas registadas pelo INR, a esmagadora maioria, 1076, chegaram via outras entidades. Dessas, mais de 44% deveram-se a questões de acessibilidade. Porém, nota-se ainda uma elevada percentagem de queixas por causa da limitação de direitos, praticada por empresas ou agentes do Estado, que ficaram em cerca de 30% do total.
A fiscalização da lei também se refere a queixas motivadas pelo risco agravado de saúde mas estas representam apenas 3%. Das 1274 reclamações registadas, cerca de um terço (486) foram encaminhadas, há 367 processos a decorrer e 420 tiveram arquivamento. Destas últimas, a maioria (46%) foi arquivada porque a situação se resolveu ou havia falta de prova (22%). Apenas 4% das queixas foram arquivadas por não se ter verificado prática discriminatória.
Para Ana Sezudo, presidente da Direcção Nacional da Associação Portuguesa de Deficientes (APD), apesar do aumento das queixas elas são “sempre pequenas comparando com o que realmente acontece”, nota ao PÚBLICO. Paula Campos Pinto, coordenadora do Observatório da Deficiência e Direitos Humanos (ODDH), refere que, embora exista um aumento do número de queixas, “na prática ainda são muito poucos os casos que acabam condenados”. Analisa: “Há um grande leque de situações em que a discriminação é subtil” e é “realmente difícil que se consiga apurar e comprovar aquilo que aconteceu, tendo por base que a pessoa com deficiência é a mais vulnerável nessa relação de poder.” “O problema é que a lei coloca o ónus da prova na pessoa que é vítima, em vez de o colocar naquela que praticou o acto discriminatório.”
Queixas mais bem instruídas?
A presidente da APD considera que em termos de legislação Portugal “está bem contemplado”, mas há “falta de entidades fiscalizadoras”. Isso nota-se em relação à acessibilidade, área em que a legislação não é nova, e por isso “não há motivo para continuarmos a assistir a um edificado tão pouco acessível”, refere. “Só acontece porque não existe uma entidade fiscalizadora, que aplique uma coima” e “faça cumprir”, da “mesma forma que o Estado faz com que os cidadãos cumpram as suas obrigações”. O cidadão “está interessado que se resolva”. O elevado número de queixas relativas a acessibilidade significa que esta é uma questão por resolver e “limitadora por ser transversal: estamos a falar do acesso a saúde, educação, emprego, transportes”, analisa.
Já a coordenadora do ODDH considera que, “do ponto de vista da discriminação”, a lei “acaba por ter muito pouca eficácia: “há muitas queixas” arquivadas por “falta de prova”, ou seja, “há muitas queixas que não são bem instruídas, faltam elementos”. “Se isto se verifica há tantos anos, não seria responsabilidade do INR fazer qualquer coisa para que estas queixas fossem mais bem instruídas, apoiar os cidadãos a fazer queixa?”
Mas sublinha que o aumento de queixas é algo positivo porque significa que há um “papel mais activo” das pessoas com deficiência, familiares ou amigos para exigir o cumprimento da lei, algo que “tem sido fruto do trabalho de muitas organizações não-governamentais”.
Da leitura do relatório, a dirigente da APD notou ainda que não há queixas relativas a quotas no emprego. De acordo com a lei, nos concursos externos da função pública com número de vagas igual ou superior a dez é fixada uma quota de 5% a preencher por pessoas com deficiência; no sector privado, as empresas com mais de 72 trabalhadores devem admitir uma quota “não inferior” a 1% de pessoas com deficiência.
“Não há queixas sobre as quotas de emprego mas, como os concursos ultimamente são para uma vaga, a quota não se cumpre. E lá está, mais uma vez, o Estado a incumprir”, refere Ana Sezudo, que critica ainda o número de entidades que não responderam à solicitação do INR. “Nem todas as entidades se dão ao trabalho de responder, isso diz alguma coisa sobre a pouca importância que dão a esta área”, conclui.
A saúde mental como chave no cuidado aos idosos
Filipa Alves, in SapoLifeStyle
O isolamento social está relacionado com vários problemas de saúde mental tais como depressão e ansiedade. Um artigo da enfermeira Filipa Alves, Coordenadora Técnica das Unidades de Cuidados Continuados e ERPI da Ordem da Trindade. Desde que a pandemia se tornou uma realidade, os idosos têm sido encorajados a distanciarem-se fisicamente de modo a se protegerem de uma possível contaminação. À data, parece que estas indicações estarão em vigor por uma quantidade indefinida de tempo, o que aumenta o risco de isolamento social, um potencial problema de saúde pública para todos e em particular nos idosos.
O isolamento social está relacionado com vários problemas de saúde mental tais como depressão e ansiedade. Para que os efeitos deste fenómeno não sejam destrutivos, e para que acima de tudo seja preservada a saúde mental, é necessário um grande esforço da parte de profissionais de saúde e familiares.
Apesar de poderem estar bem de saúde, os adultos em idade mais avançada estão em elevado risco de desenvolver problemas de saúde mental - mesmo em circunstâncias normais. Este risco não é específico aos indivíduos em anos de reforma, mas nesta fase da vida existem fatores de stress adicionais que podem ser experienciados por cidadãos sénior, tais como a perda de capacidades motoras, mobilidade reduzida e outros problemas de saúde de natureza crónica que requerem cuidados a longo termo.
Em especial durante esta crise de saúde pública, é vital manter a conexão social deste segmento da população. A verdade é que a maioria dos idosos não se sente confortável a manusear smartphones ou a interpretar a linguagem mediática e por isso é necessário manter o contacto e explicar as notícias de maneira percetível para todos.
O isolamento social está relacionado com vários problemas de saúde mental tais como depressão e ansiedade. Um artigo da enfermeira Filipa Alves, Coordenadora Técnica das Unidades de Cuidados Continuados e ERPI da Ordem da Trindade. Desde que a pandemia se tornou uma realidade, os idosos têm sido encorajados a distanciarem-se fisicamente de modo a se protegerem de uma possível contaminação. À data, parece que estas indicações estarão em vigor por uma quantidade indefinida de tempo, o que aumenta o risco de isolamento social, um potencial problema de saúde pública para todos e em particular nos idosos.
O isolamento social está relacionado com vários problemas de saúde mental tais como depressão e ansiedade. Para que os efeitos deste fenómeno não sejam destrutivos, e para que acima de tudo seja preservada a saúde mental, é necessário um grande esforço da parte de profissionais de saúde e familiares.
Apesar de poderem estar bem de saúde, os adultos em idade mais avançada estão em elevado risco de desenvolver problemas de saúde mental - mesmo em circunstâncias normais. Este risco não é específico aos indivíduos em anos de reforma, mas nesta fase da vida existem fatores de stress adicionais que podem ser experienciados por cidadãos sénior, tais como a perda de capacidades motoras, mobilidade reduzida e outros problemas de saúde de natureza crónica que requerem cuidados a longo termo.
Em especial durante esta crise de saúde pública, é vital manter a conexão social deste segmento da população. A verdade é que a maioria dos idosos não se sente confortável a manusear smartphones ou a interpretar a linguagem mediática e por isso é necessário manter o contacto e explicar as notícias de maneira percetível para todos.
Rede Europeia Anti-Pobreza Portugal e ANAM assinam protocolo
Marta Amaral Caldeira, in Correio do Minho
A Rede Europeia Anti Pobreza e a Associação Nacional de Assembleias Municipais (ANAM) assinaram, ontem, durante o 2.º Congresso da ANAM, um protocolo de colaboração com vista a concertar uma ‘estratégia’ de luta contra a pobreza e a exclusão social, tendo em atenção também o período “crítico” que se vive com a pandemia provocada pela Covid-19.
Presente no congresso realizado ontem em Braga, o presidente da Rede Anti-Pobreza Portugal, pe. Bomjardim Moreira, disse que “estamos num período nacional político e social em que é importante que todos os agentes no terreno se articulem para maximizar a intervenção a favor das pessoas, sobretudo às vítimas de maior exclusão social”.
A Rede Europeia Anti Pobreza e a Associação Nacional de Assembleias Municipais (ANAM) assinaram, ontem, durante o 2.º Congresso da ANAM, um protocolo de colaboração com vista a concertar uma ‘estratégia’ de luta contra a pobreza e a exclusão social, tendo em atenção também o período “crítico” que se vive com a pandemia provocada pela Covid-19.
Presente no congresso realizado ontem em Braga, o presidente da Rede Anti-Pobreza Portugal, pe. Bomjardim Moreira, disse que “estamos num período nacional político e social em que é importante que todos os agentes no terreno se articulem para maximizar a intervenção a favor das pessoas, sobretudo às vítimas de maior exclusão social”.
Encaixe com IRS aumenta em plena pandemia. Desemprego nos salários baixos não afeta receita
Tiago Varzim, in EcoOnline
A destruição do emprego nos salários mais baixos, que pagam pouco de IRS, explica o porquê da receita não descer. Já o fim do lay-off e o aumento dos salários face a 2019 justificam a subida.
A revelação foi feita pelo ministro das Finanças como um sinal positivo para a economia portuguesa: a receita de IRS, o imposto sobre o rendimento, está a crescer face ao ano passado, em vez de cair como poderia ser expectável por causa da crise pandémica. Há explicação? Sim: por um lado, o facto de a destruição de emprego ter afetado principalmente os trabalhadores com salários baixos, que não pagam IRS (ou pagam pouco); por outro, o facto de os salários terem aumentado face a 2019 e o fim do lay-off.
“O IRS de agosto, depois de quedas muito acentuadas desde abril, teve pela primeira vez um aumento face ao ano anterior“, disse João Leão na sua primeira entrevista desde que é ministro, na RTP3, referindo que o aumento é de 7%, mas “corrigindo de efeitos extraordinários que não são comparáveis” passa a ser de 1%. Nessa altura, o ministro das Finanças explicou que tal se devia, em parte, ao fim do lay-off simplificado, dada a retoma da atividade das empresas.
Os dados até agosto ainda não estão disponíveis, uma vez que só serão publicados no final do mês pela Direção-Geral de Orçamental (DGO), mas é possível ver os dados até julho. Estes mostravam uma queda de apenas 0,4% no período de janeiro a julho, em comparação com o mesmo período do ano passado, o que já demonstrava um forte desempenho deste imposto face ao que seria de esperar por causa do impacto da pandemia no mercado de trabalho.
“Nota ainda para o IRS, cuja execução se encontra relativamente em linha com o período homólogo, registando-se uma variação negativa de 22,9 milhões de euros ou -0,4%, que deverá ser compensada pelas adesões aos planos prestacionais registadas no segundo trimestre, que permitiu o diferimento de mais de 106 milhões de euros de receita de IRS a serem pagos entre agosto e novembro de 2020“, explicava a DGO no boletim de execução orçamental relativo a julho.
Apesar de ser surpreendente à primeira vista, o Orçamento Suplementar já previa esta evolução: “No que diz respeito ao IRS, é esperada uma evolução marginal do valor da receita, decorrente da combinação da execução orçamental dos primeiros meses de 2020 e da evolução prevista para o mercado de trabalho e remunerações“. Em números: o Estado arrecadou 13.172,4 milhões de euros em 2019 com o IRS, tendo previsto um aumento para os 13.585,6 milhões de euros no OE 2020. Com o Suplementar, a previsão baixou, mas continuou acima do executado em 2019 (13.199,4 milhões de euros).
O que explica esta evolução tendo em conta que as taxas de IRS não mudaram? Ao ECO, Luís Leon, fiscalista da Deloitte, chama à atenção para o tipo de emprego que foi destruído: “Olhando para a história portuguesa, tipicamente o desemprego afeta as atividades menos qualificadas e com salário mais baixos”, os quais não pagam IRS — o mínimo de existência foi fixado nos nos 9.215 euros anuais (14 meses), ou seja, nos 658,2 euros por mês, acima do salário mínimo de 635 euros (que é auferido por cerca de 20% dos trabalhadores).
Os números do Instituto Nacional de Estatística (INE) confirmam esta leitura para a crise pandémica. De acordo com os dados do mercado de trabalho no segundo trimestre, foi na faixa salarial dos 600 aos 900 euros (brutos) que mais emprego foi destruído face ao primeiro trimestre deste ano (86,2 mil dos 116 mil empregos destruído entre março e junho). Não é possível desagregar ainda mais para saber se a maior fatia terá sido nos 600 a 700 euros, mas também se sabe que o setor com maior perda de postos de trabalho foi o do turismo (alojamento e restauração), no qual o salário médio anda próximo do salário mínimo.
“Como estes trabalhadores com baixos salários não pagam imposto, normalmente não tem impacto na receita do IRS“, esclarece Leon, referindo que o impacto é mais sentido na receita da Segurança Social, a qual é paga também pelos trabalhadores com o salário mínimo, e recordando que o mesmo aconteceu no início da crise anterior quando a receita de IRS subiu apesar do aumento do desemprego.
Que outros fatores estão a afetar o IRS?
O facto da destruição de postos de trabalho ter sido essencialmente nos salários mais baixos deverá explicar em grande parte o porquê de a receitar não estar a cair. Mas o que há mais fatores a mexer com a receita do IRS e, neste caso, a aumentá-la, começando pelo lay-off simplificado, tal como referiu o ministro.
Durante os primeiros meses da pandemia, os trabalhadores que estiveram em lay-off viram o seu salário baixar, o que significa que o valor de retenção na fonte de IRS também baixou. No entanto, com o fim deste mecanismo, uma vez que estes trabalhadores não podem ser despedidos durante a vigência das medidas, nem nos 60 dias seguintes, estes voltaram a pagar o IRS relativo ao seu salário “normal”, o qual poderá ter aumentado em 2020 face a 2019.
Isso leva-nos a outro fator que influencia a evolução do IRS: a trajetória dos salários. O ano de 2020 era visto por muitos, inclusive pelo Governo, como um ano em que os ordenados iriam subir de forma significativa e os dados do primeiro trimestre confirmam essa expectativa: de acordo com o Instituto Nacional de Estatística (INE), os salários aumentaram 3,2%, em termos homólogos, no início deste ano, o que terá contribuído para encaixar mais IRS. No segundo trimestre, o aumento travou para 1,6%.
Como o IRS é progressivo, calculado em função do rendimento, quanto maior for o salário, maior será o IRS entregue ao Estado. Um sinal de que este efeito poderá estar a verificar-se é que até março, antes do impacto da crise pandémica, a receita de IRS estava a crescer 3,2% face a 2019, segundo os dados da DGO.
Por fim, também por causa da pandemia, o Estado permitiu adiar o pagamento de vários impostos, incluindo o IRS. Neste caso, conhece-se um número: foram 106 milhões de euros de receita de IRS que não foram pagos, mas que começaram a ser reembolsados em agosto.
A destruição do emprego nos salários mais baixos, que pagam pouco de IRS, explica o porquê da receita não descer. Já o fim do lay-off e o aumento dos salários face a 2019 justificam a subida.
A revelação foi feita pelo ministro das Finanças como um sinal positivo para a economia portuguesa: a receita de IRS, o imposto sobre o rendimento, está a crescer face ao ano passado, em vez de cair como poderia ser expectável por causa da crise pandémica. Há explicação? Sim: por um lado, o facto de a destruição de emprego ter afetado principalmente os trabalhadores com salários baixos, que não pagam IRS (ou pagam pouco); por outro, o facto de os salários terem aumentado face a 2019 e o fim do lay-off.
“O IRS de agosto, depois de quedas muito acentuadas desde abril, teve pela primeira vez um aumento face ao ano anterior“, disse João Leão na sua primeira entrevista desde que é ministro, na RTP3, referindo que o aumento é de 7%, mas “corrigindo de efeitos extraordinários que não são comparáveis” passa a ser de 1%. Nessa altura, o ministro das Finanças explicou que tal se devia, em parte, ao fim do lay-off simplificado, dada a retoma da atividade das empresas.
Os dados até agosto ainda não estão disponíveis, uma vez que só serão publicados no final do mês pela Direção-Geral de Orçamental (DGO), mas é possível ver os dados até julho. Estes mostravam uma queda de apenas 0,4% no período de janeiro a julho, em comparação com o mesmo período do ano passado, o que já demonstrava um forte desempenho deste imposto face ao que seria de esperar por causa do impacto da pandemia no mercado de trabalho.
“Nota ainda para o IRS, cuja execução se encontra relativamente em linha com o período homólogo, registando-se uma variação negativa de 22,9 milhões de euros ou -0,4%, que deverá ser compensada pelas adesões aos planos prestacionais registadas no segundo trimestre, que permitiu o diferimento de mais de 106 milhões de euros de receita de IRS a serem pagos entre agosto e novembro de 2020“, explicava a DGO no boletim de execução orçamental relativo a julho.
Apesar de ser surpreendente à primeira vista, o Orçamento Suplementar já previa esta evolução: “No que diz respeito ao IRS, é esperada uma evolução marginal do valor da receita, decorrente da combinação da execução orçamental dos primeiros meses de 2020 e da evolução prevista para o mercado de trabalho e remunerações“. Em números: o Estado arrecadou 13.172,4 milhões de euros em 2019 com o IRS, tendo previsto um aumento para os 13.585,6 milhões de euros no OE 2020. Com o Suplementar, a previsão baixou, mas continuou acima do executado em 2019 (13.199,4 milhões de euros).
O que explica esta evolução tendo em conta que as taxas de IRS não mudaram? Ao ECO, Luís Leon, fiscalista da Deloitte, chama à atenção para o tipo de emprego que foi destruído: “Olhando para a história portuguesa, tipicamente o desemprego afeta as atividades menos qualificadas e com salário mais baixos”, os quais não pagam IRS — o mínimo de existência foi fixado nos nos 9.215 euros anuais (14 meses), ou seja, nos 658,2 euros por mês, acima do salário mínimo de 635 euros (que é auferido por cerca de 20% dos trabalhadores).
Os números do Instituto Nacional de Estatística (INE) confirmam esta leitura para a crise pandémica. De acordo com os dados do mercado de trabalho no segundo trimestre, foi na faixa salarial dos 600 aos 900 euros (brutos) que mais emprego foi destruído face ao primeiro trimestre deste ano (86,2 mil dos 116 mil empregos destruído entre março e junho). Não é possível desagregar ainda mais para saber se a maior fatia terá sido nos 600 a 700 euros, mas também se sabe que o setor com maior perda de postos de trabalho foi o do turismo (alojamento e restauração), no qual o salário médio anda próximo do salário mínimo.
“Como estes trabalhadores com baixos salários não pagam imposto, normalmente não tem impacto na receita do IRS“, esclarece Leon, referindo que o impacto é mais sentido na receita da Segurança Social, a qual é paga também pelos trabalhadores com o salário mínimo, e recordando que o mesmo aconteceu no início da crise anterior quando a receita de IRS subiu apesar do aumento do desemprego.
Que outros fatores estão a afetar o IRS?
O facto da destruição de postos de trabalho ter sido essencialmente nos salários mais baixos deverá explicar em grande parte o porquê de a receitar não estar a cair. Mas o que há mais fatores a mexer com a receita do IRS e, neste caso, a aumentá-la, começando pelo lay-off simplificado, tal como referiu o ministro.
Durante os primeiros meses da pandemia, os trabalhadores que estiveram em lay-off viram o seu salário baixar, o que significa que o valor de retenção na fonte de IRS também baixou. No entanto, com o fim deste mecanismo, uma vez que estes trabalhadores não podem ser despedidos durante a vigência das medidas, nem nos 60 dias seguintes, estes voltaram a pagar o IRS relativo ao seu salário “normal”, o qual poderá ter aumentado em 2020 face a 2019.
Isso leva-nos a outro fator que influencia a evolução do IRS: a trajetória dos salários. O ano de 2020 era visto por muitos, inclusive pelo Governo, como um ano em que os ordenados iriam subir de forma significativa e os dados do primeiro trimestre confirmam essa expectativa: de acordo com o Instituto Nacional de Estatística (INE), os salários aumentaram 3,2%, em termos homólogos, no início deste ano, o que terá contribuído para encaixar mais IRS. No segundo trimestre, o aumento travou para 1,6%.
Como o IRS é progressivo, calculado em função do rendimento, quanto maior for o salário, maior será o IRS entregue ao Estado. Um sinal de que este efeito poderá estar a verificar-se é que até março, antes do impacto da crise pandémica, a receita de IRS estava a crescer 3,2% face a 2019, segundo os dados da DGO.
Por fim, também por causa da pandemia, o Estado permitiu adiar o pagamento de vários impostos, incluindo o IRS. Neste caso, conhece-se um número: foram 106 milhões de euros de receita de IRS que não foram pagos, mas que começaram a ser reembolsados em agosto.
18.9.20
Patrões pedem reembolso de IRC para compensar prejuízos da pandemia
Victor Ferreira, in Público on-line
Propostas da CIP para o Orçamento do Estado de 2021 incluem medida inexistente em Portugal mas adoptada noutros países da União Europeia.Já é habitual pedir um alívio fiscal, mas na lista de propostas para o Orçamento do Estado de 2021, que o Governo está a preparar neste momento, a Confederação Empresarial de Portugal (CIP) incluiu, desta vez, um reembolso fiscal praticado noutros países mas que não tem sido prática em Portugal. A ideia é permitir às empresas recuperar IRC pago em 2019 ou 2020, para dessa forma reforçar a liquidez, compensando com esse reembolso os prejuízos fiscais incorridos em 2020 e 2021 por causa dos efeitos da pandemia na economia.
Para os empresários, “a resposta orçamental dada à situação económica dramática que vivemos não é, ainda, satisfatória” e o presidente da CIP, António Saraiva, lamenta que seja “patente a resistência” do Governo “em accionar a política fiscal no estímulo à economia”. Daí que o próximo Orçamento do Estado, cuja primeira proposta será divulgada a 12 de Outubro, se revista de particular relevância para a CIP, que já remeteu ao executivo e aos partidos no Parlamento uma lista de medidas temporárias e permanentes para “uma resposta mais robusta” que, segundo Saraiva, “é imprescindível”. “Para evitar uma escalada descontrolada do desemprego”, é preciso capitalizar as empresas, convertendo empréstimos em apoio a fundo perdido mediante o cumprimento de objectivos de emprego, e também garantir liquidez, porque “a margem de manobra de que as empresas dispõem em termos de tesouraria, por maior que seja, dificilmente resiste a um período tão alargado de contracção profunda das receitas”.
No leque das medidas temporárias, avulta o tal reembolso do IRC já pago por compensação dos prejuízos fiscais futuros. Países como França, Países Baixos, Reino Unido e Alemanha têm esta possibilidade inscrita no respectivo ordenamento fiscal, aponta Óscar Gaspar, presidente da Associação Portuguesa de Hospitalização Privada e membro da direcção da CIP. O chamado tax loss carryback foi igualmente adoptado, como medida de combate à crise, em países como Bélgica, Irlanda, Noruega e República Checa, sublinha o mesmo responsável.
"A grande maioria das empresas terá prejuízos em 2020 e o que propomos é que possam ser reflectidos nos anos anteriores. Quer isto dizer que é possível às empresas serem reembolsadas do imposto que pagaram a mais no ano anterior. Esta ideia tem um grande impacto potencial em Portugal, está a ser usada noutros países e em termos plurianuais é neutra, porque o que se reembolsar agora deixa de se reembolsar no futuro”, argumenta Óscar Gaspar.
Na Alemanha, por exemplo, fixou-se uma taxa de 15%, aplicável a qualquer contribuinte (seja individual ou colectivo) cujo rendimento seja afectado pela covid-19. Significa isto que quem estime ter prejuízos em 2020 pode recuperar imposto pago em 2019 ou que tenha sido pago adiantado em 2020. Para apurar o reembolso, Berlim considera 15% do rendimento tido em conta no apuramento do imposto em 2019, mas com tectos máximos. Tal como em França, há um limite de um milhão de euros (ou dois milhões, no caso alemão, nas situações de tributação conjunta – num casal, por exemplo).
Assumindo a neutralidade fiscal deste carryback, Óscar Gaspar salienta que “para o Estado é indiferente, trata-se de um alisamento da receita fiscal”, ao passo que para as empresas “faz toda a diferença”.
Outra medida temporária que é proposta visa a conversão dos empréstimos com garantias em incentivo a fundo perdido ao longo de quatro anos. A proposta, explicou Óscar Gaspar, é transformar o que é endividamento bancário – que tenha sido contraído através das linhas de crédito de emergência covid-19 lançadas pelo Governo com garantia pública – em capital próprio, desde que as empresas cumpram determinados objectivos, designadamente a protecção do emprego.
É uma possibilidade que já funcionou noutros mecanismos, frisa o dirigente. “Não estamos a falar de apenas dar dinheiro às empresas, mas uma parceria entre estas e o Estado no sentido de atingir determinados objectivos. E se forem atingidos haverá um prémio, como acontece nos fundos comunitários, e esse prémio é passar [o empréstimo] para incentivo a fundo perdido”.
Este objectivo, acrescenta, seria “manter os postos de trabalho”. “Se a empresa recebe um determinado financiamento a cinco anos, e se se comprometer a manter os postos de trabalho nesses cinco anos, em cada um dos anos, o Estado converte um quinto do empréstimo em capital próprio. Isto permite alisar o esforço do Estado em relação à economia, atenuando o impacto nas contas públicas”, disse, concluindo que “para ter impacto” positivo nas empresas, teria de ser possível converter entre 20% e 25% do bolo de 6000 milhões de euros concedido nas primeiras linhas dos créditos de emergência covid-19.
A adequação dos limites das linhas de crédito com garantia mútua à procura e a reformulação do apoio estatal nos seguros de crédito, para incluir o resseguro e as transacções no mercado nacional (que continuam sem garantia pública) prolongam a lista das medidas temporárias, bem como a suspensão das tributações autónomas em 2021 (sobretudo para viagens e estadias de hotel), a majoração em 140% das despesas das empresas com a compra de equipamentos de protecção e demais material anti-covid, a majoração das despesas com pessoal em 120% em sede de IRC e a capitalização directa pelo Estado “em casos excepcionais” de empresas em situação grave. Nas medidas de carácter permanente, incluem-se medidas já habituais, como a redução do IRC para os 19%, IRC reduzido (12,5%) para empresas no Interior do país ou a eliminação das derramas.
A CIP também defende que parte da TSU seja transferida para uma conta específica de cada empresa, que usaria esse dinheiro para “financiamento da formação profissional certificada”, reduzindo assim as contribuições para a Segurança Social.
Bebé encontrado no Cacém já está numa família de acolhimento. CPCJ não acredita em motivação financeira
Maria João Lopes, in Público on-line
Presidente da Comissão de Protecção de Crianças e Jovens de Sintra Oriental fala num “aumento de casos de bebés abandonados ou sem a devida estrutura familiar”.
O bebé que foi encontrado junto ao Centro Social Baptista, na terça-feira, no Cacém, já está numa família de acolhimento, confirmou o PÚBLICO junto da Comissão de Protecção de Crianças e Jovens (CPCJ) de Sintra Oriental. Embora não haja ainda dados recentes, a presidente desta CPCJ nota que tem lidado com “muitos casos de crianças até aos dois anos em situação de fragilidade”. Ainda assim, neste caso em concreto, tende a afastar a hipótese de motivações financeiras.
A informação de que o bebé seria entregue a uma família de acolhimento já tinha sido avançada por órgãos de comunicação social como Expresso e o Correio da Manhã. Ao PÚBLICO, também a presidente desta CPCJ, Sandra Feliciano, confirmou que, no âmbito do “procedimento de urgência foi solicitada uma resposta em família de acolhimento prioritariamente” e, “havendo essa resposta, foi a adoptada”, por ser “a que melhor acautela crianças tão pequeninas”.
Esta resposta da CPCJ é feita em articulação com a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, no âmbito do procedimento de urgência. Foi a primeira vez, salienta aquela responsável, que se conseguiu “uma resposta de família de acolhimento para o concelho de Sintra numa situação de emergência”, embora não se saiba onde é e não seja em Sintra.
Para já, o bebé está nessa família de acolhimento, mas a investigação pode ditar outro rumo. O Ministério Público (MP) já confirmou “a instauração de um inquérito, que corre termos no DIAP [Departamento de Investigação e Acção Penal] de Sintra”, tendo os factos sido já, “igualmente, comunicados ao Ministério Público junto do Tribunal de Família e Menores de Sintra.
“Urgia a protecção da criança. O MP irá determinar se vai prevalecer mais tempo na família de acolhimento, conforme a situação que for chegando ao processo, se aparecer família, ou se não aparecer família... Decorre um processo-crime e, certamente, que estão a ser feitas todas as diligencias para a identificação deste bebé e a sua filiação”, nota Sandra Feliciano, acrescentando que os dados que forem recolhidos durante a investigação serão “devidamente avaliados” e que, “certamente, consoante os dados que chegarem ao processo, a decisão poderá ser outra”. É preciso verificar “as motivações”, deduz-se, pela carta encontrada no cesto do bebé, que seja a mãe, mas não há certezas.
Há, aliás, ainda muitas incógnitas: “Não sabemos em que circunstâncias nasceu o bebé, se foi em casa, numa unidade hospitalar, se a mulher terá tido alguma perturbação pós-parto... Para já, não se sabe quem é a mãe, a prioridade foi a protecção imediata da criança. O MP irá definir o melhor projecto de vida para a criança em função dos dados que forem chegando ao processo”. Ou seja, decorrem ainda as investigações para saber quem é a mãe e a família, e quem deixou ali a criança, e esses dados poderão alterar a decisão, para já, tomada.
"Muitos casos de crianças ate aos dois anos em situação de fragilidade"
O bebé, naquele dia com 21 dias, foi deixado na terça-feira junto Centro Social Baptista, no Cacém, no concelho de Sintra. O Centro Social Baptista é, segundo se lê no site da instituição, uma Fundação criada pela Igreja Evangélica Baptista do Cacém para serviço à comunidade. Com ele trazia uma carta a pedir um “lar”, referindo ainda que alegadamente a mãe estaria a passar por “muitas dificuldades”.
Ao contrário, porém, do que tem sido noticiado, Sandra Feliciano tende a afastar a hipótese de motivações financeiras: “Não creio que seja uma motivação económico-financeira, porque há muitas estruturas de apoio. Pese embora a decisão de entregar um filho para alguém cuidar seja muito pesada e muitas mães não conseguem falar com um técnico e recorrem a estes mecanismos”, diz. De qualquer forma, “para esta situação bastou o facto de haver uma criança em desprotecção sem ninguém que a cuidasse” para se accionarem os mecanismos considerados necessários.
A investigação prossegue e, entre outros procedimentos que estão a ser adoptados para se chegar à identificação da pessoa que deixou o bebé, quem é e que trajecto terá feito, as câmaras de videovigilância da zona já estão a ser analisadas. Além dos bombeiros voluntários de Agualva-Cacém, também a PSP esteve no local. O comandante dos Bombeiros Voluntários de Agualva-Cacém já tinha dito ao PÚBLICO que se acredita que mãe saberia que havia uma reunião no Centro Social Baptista, garantindo, assim, que alguém veria a criança.
Sandra Feliciano nota que o contexto de pandemia poderá criar algumas dificuldades à investigação uma vez que, ao ficarem em casa e afastarem-se de consultas e de hospitais, haverá grávidas que poderão não ter tido o habitual acompanhamento. “Sendo que estas são estruturas fundamentais no apoio a estas situações”, nota. Se algumas grávidas tiverem permanecido no domicílio em fases da actual pandemia, médicos, familiares e até vizinhos poderão não se aperceber de algumas situações.
A presidente da CPCJ de Sintra Oriental nota ainda que tem havido um aumento de casos de bebés abandonados: “Temos tido um aumento de casos de bebés abandonados ou sem a devida estrutura familiar. Não sabemos se é por causa da pandemia, ainda é cedo para dizer, mas sabemos que temos muitos casos de crianças até aos dois anos em situação de fragilidade”.
A criança foi encontrada aparentemente bem tratada, vestida, com um biberão de leite. A temperatura estava “normal”, o que indicará, segundo o comandante dos bombeiros, que teria sido deixado no local pouco antes. Apesar de tudo indicar que estivesse bem, o bebé foi transportado para o Hospital Fernando da Fonseca, na Amadora.
A carta encontrada terá sido escrita, alegadamente pela mãe, mas como se fosse o bebé a proferir aquelas palavras: “a minha mãe me ama muito a ponto de me entregar para outra família com melhores condições [para] me adoptarem”, lê-se. Mas não só: “Por favor não julguem a minha mãe, ela só está a evitar que eu sofra junto com ela, estamos a passar muitas dificuldades, por isso ela tomou essa difícil decisão, por favor cuidem de mim como um filho de vocês! Só quero amor, carinho”, está ainda escrito. Quem escreveu a nota pede, “por favor”, para não “maltratarem” o bebé que só quer um “lar”.
Presidente da Comissão de Protecção de Crianças e Jovens de Sintra Oriental fala num “aumento de casos de bebés abandonados ou sem a devida estrutura familiar”.
O bebé que foi encontrado junto ao Centro Social Baptista, na terça-feira, no Cacém, já está numa família de acolhimento, confirmou o PÚBLICO junto da Comissão de Protecção de Crianças e Jovens (CPCJ) de Sintra Oriental. Embora não haja ainda dados recentes, a presidente desta CPCJ nota que tem lidado com “muitos casos de crianças até aos dois anos em situação de fragilidade”. Ainda assim, neste caso em concreto, tende a afastar a hipótese de motivações financeiras.
A informação de que o bebé seria entregue a uma família de acolhimento já tinha sido avançada por órgãos de comunicação social como Expresso e o Correio da Manhã. Ao PÚBLICO, também a presidente desta CPCJ, Sandra Feliciano, confirmou que, no âmbito do “procedimento de urgência foi solicitada uma resposta em família de acolhimento prioritariamente” e, “havendo essa resposta, foi a adoptada”, por ser “a que melhor acautela crianças tão pequeninas”.
Esta resposta da CPCJ é feita em articulação com a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, no âmbito do procedimento de urgência. Foi a primeira vez, salienta aquela responsável, que se conseguiu “uma resposta de família de acolhimento para o concelho de Sintra numa situação de emergência”, embora não se saiba onde é e não seja em Sintra.
Para já, o bebé está nessa família de acolhimento, mas a investigação pode ditar outro rumo. O Ministério Público (MP) já confirmou “a instauração de um inquérito, que corre termos no DIAP [Departamento de Investigação e Acção Penal] de Sintra”, tendo os factos sido já, “igualmente, comunicados ao Ministério Público junto do Tribunal de Família e Menores de Sintra.
“Urgia a protecção da criança. O MP irá determinar se vai prevalecer mais tempo na família de acolhimento, conforme a situação que for chegando ao processo, se aparecer família, ou se não aparecer família... Decorre um processo-crime e, certamente, que estão a ser feitas todas as diligencias para a identificação deste bebé e a sua filiação”, nota Sandra Feliciano, acrescentando que os dados que forem recolhidos durante a investigação serão “devidamente avaliados” e que, “certamente, consoante os dados que chegarem ao processo, a decisão poderá ser outra”. É preciso verificar “as motivações”, deduz-se, pela carta encontrada no cesto do bebé, que seja a mãe, mas não há certezas.
Há, aliás, ainda muitas incógnitas: “Não sabemos em que circunstâncias nasceu o bebé, se foi em casa, numa unidade hospitalar, se a mulher terá tido alguma perturbação pós-parto... Para já, não se sabe quem é a mãe, a prioridade foi a protecção imediata da criança. O MP irá definir o melhor projecto de vida para a criança em função dos dados que forem chegando ao processo”. Ou seja, decorrem ainda as investigações para saber quem é a mãe e a família, e quem deixou ali a criança, e esses dados poderão alterar a decisão, para já, tomada.
"Muitos casos de crianças ate aos dois anos em situação de fragilidade"
O bebé, naquele dia com 21 dias, foi deixado na terça-feira junto Centro Social Baptista, no Cacém, no concelho de Sintra. O Centro Social Baptista é, segundo se lê no site da instituição, uma Fundação criada pela Igreja Evangélica Baptista do Cacém para serviço à comunidade. Com ele trazia uma carta a pedir um “lar”, referindo ainda que alegadamente a mãe estaria a passar por “muitas dificuldades”.
Ao contrário, porém, do que tem sido noticiado, Sandra Feliciano tende a afastar a hipótese de motivações financeiras: “Não creio que seja uma motivação económico-financeira, porque há muitas estruturas de apoio. Pese embora a decisão de entregar um filho para alguém cuidar seja muito pesada e muitas mães não conseguem falar com um técnico e recorrem a estes mecanismos”, diz. De qualquer forma, “para esta situação bastou o facto de haver uma criança em desprotecção sem ninguém que a cuidasse” para se accionarem os mecanismos considerados necessários.
A investigação prossegue e, entre outros procedimentos que estão a ser adoptados para se chegar à identificação da pessoa que deixou o bebé, quem é e que trajecto terá feito, as câmaras de videovigilância da zona já estão a ser analisadas. Além dos bombeiros voluntários de Agualva-Cacém, também a PSP esteve no local. O comandante dos Bombeiros Voluntários de Agualva-Cacém já tinha dito ao PÚBLICO que se acredita que mãe saberia que havia uma reunião no Centro Social Baptista, garantindo, assim, que alguém veria a criança.
Sandra Feliciano nota que o contexto de pandemia poderá criar algumas dificuldades à investigação uma vez que, ao ficarem em casa e afastarem-se de consultas e de hospitais, haverá grávidas que poderão não ter tido o habitual acompanhamento. “Sendo que estas são estruturas fundamentais no apoio a estas situações”, nota. Se algumas grávidas tiverem permanecido no domicílio em fases da actual pandemia, médicos, familiares e até vizinhos poderão não se aperceber de algumas situações.
A presidente da CPCJ de Sintra Oriental nota ainda que tem havido um aumento de casos de bebés abandonados: “Temos tido um aumento de casos de bebés abandonados ou sem a devida estrutura familiar. Não sabemos se é por causa da pandemia, ainda é cedo para dizer, mas sabemos que temos muitos casos de crianças até aos dois anos em situação de fragilidade”.
A criança foi encontrada aparentemente bem tratada, vestida, com um biberão de leite. A temperatura estava “normal”, o que indicará, segundo o comandante dos bombeiros, que teria sido deixado no local pouco antes. Apesar de tudo indicar que estivesse bem, o bebé foi transportado para o Hospital Fernando da Fonseca, na Amadora.
A carta encontrada terá sido escrita, alegadamente pela mãe, mas como se fosse o bebé a proferir aquelas palavras: “a minha mãe me ama muito a ponto de me entregar para outra família com melhores condições [para] me adoptarem”, lê-se. Mas não só: “Por favor não julguem a minha mãe, ela só está a evitar que eu sofra junto com ela, estamos a passar muitas dificuldades, por isso ela tomou essa difícil decisão, por favor cuidem de mim como um filho de vocês! Só quero amor, carinho”, está ainda escrito. Quem escreveu a nota pede, “por favor”, para não “maltratarem” o bebé que só quer um “lar”.
“Salário mínimo bem negociado protege emprego”, diz Ursula von der Leyen
Tiago Varzim, in EcoOnline
A presidente da Comissão Europeia anunciou esta quarta-feira que irá propor legislação para que os Estados-membros tenham um enquadramento legal para garantirem o salário mínimo aos trabalhadores.Para promover o salário mínimo nos Estados-membros, a Comissão Europeia irá apresentar uma proposta de legislação para definir o enquadramento legal desta ferramenta nos vários países, “respeitando as competências nacionais e as tradições“, ressalvou von der Leyen. Em causa está a forma diferente como os países lidam com o salário mínimo: em Portugal, por exemplo, todos os trabalhadores estão abrangidos mas, na Suécia, o salário mínimo é definido ao nível do setor, através de negociação coletiva.
“Todos os trabalhadores devem ter acesso ao salário mínimo”, defendeu von der Leyen, elogiando a economia social de mercado que rege a União Europeia. Para a responsável é claro que “os salários mínimos funcionam“, até pelas recentes experiências dos Estados-membros que avançaram nesta área, como é o caso da própria Alemanha que introduziu o salário mínimo em 2015.
A presidente da Comissão Europeia alerta que, para muitos, nesta altura, o trabalho não é remunerado como devia ser: “O dumping nos salários destrói a dignidade do trabalho”, afirmou. E, na União Europeia, “a dignidade do trabalho tem de ser sagrada”, defendeu.
Em Portugal, o Governo deverá discutir com a concertação social (patrões e sindicatos) qual será o salário mínimo em 2021, sendo que o objetivo é aumentá-lo, ainda que menos do que nos anos anteriores. O valor é definido a nível nacional e para todos os trabalhadores. Atualmente, o salário mínimo é de 635 euros brutos.
Daniel Bessa. "Aumentar o salário mínimo não vai ajudar nada", a não ser que fossem "mil euros por mês"
José Bastos (Renascença) e Margarida Gomes (Público), in RR
O antigo ministro da Economia não se revê na solução governativa liderada por António Costa. Em entrevista à Renascença e jornal "Público", o professor e gestor defende que o PSD tem de "apimentar" mais o seu papel de oposição. "Não estou contente, acho que é necessário criar uma alternativa e ela passa pelo dr. Rui Rio." Noutro plano, Bessa critica o apoio de António Costa a Luís Filipe Vieira: "Aquele apoio ofende-me como contribuinte, como cidadão e como pessoa."
Daniel Bessa é um dos rostos do recém-criado conselho consultivo do Conselho Estratégico Nacional do PSD. O convite partiu do próprio líder social-democrata, Rui Rio, de quem é amigo há muitos anos.
Professor, gestor, antigo ministro da Economia de António Guterres, Daniel Bessa não se revê na solução governativa de António Costa, mas deixa elogios para o consultor a quem o primeiro-ministro pediu a Visão Estratégica para o Plano de Recuperação Económica de Portugal, António Costa Silva. Quanto ao PSD, Bessa diz que tem de apimentar mais o seu papel de oposição.
Entrou recentemente no conselho consultivo do Conselho Estratégico Nacional do PSD. Porquê?
Tenho uma consideração muito antiga de muitas décadas pelo dr. Rui Rio e não resisti a um desafio que acho interessante. Não me revejo na solução política que hoje governa o país, acho que é necessário uma alternativa. Se vai ter muito êxito ou não, logo veremos.
Foi ministro de António Guterres, apoiou Rui Moreira e aconselha Rui Rio: houve aqui uma viragem?
Depois do 25 de Abril andei mais perto do MDP, do PC. Em 92, o engenheiro Guterres desafiou-me para ver se conseguíamos derrotar o professor Cavaco Silva que ia a caminho de dez anos de Governo e parecia a altura de criar uma alternativa, e hoje continua a parecer-me a altura de criar uma alternativa. Não estou contente, acho que é necessário criar uma alternativa e ela passa pelo dr. Rui Rio.
Defendeu uma alternativa ao PS. Para quando essa alternativa?
Não sei. A senhora Thatcher preconizou um dia que este tipo de soluções acaba quando acabar o dinheiro dos outros. O PS tem sido o partido de Governo muitos anos em Portugal e, na última aventura, acabou quando acabou o dinheiro dos outros e, desta vez, talvez não seja muito diferente. Não estou muito convencido de que seja para breve.
Como é que tem visto oposição de Rui Rio? Há quem diga que é demasiado descafeínada, devia ser mais assertiva?
Cada um é como é, não vale a pena estarmos aqui a seguir uns guiões, estarmos aqui a fazer uns números. O dr. Rui Rio é assim e eu respeito. E sinto-me bem acompanhado.
Mas assumir uma alternativa não é também seguir um guião?
O dr. Rui Rio diz que as eleições não se ganham, perdem-se, mas é preciso que quando alguém perde umas eleições haja uma alternativa suficientemente credível para que possamos seguir em frente. Talvez o dr. Rui Rio pudesse ajudar um pouco mais a que as eleições se perdessem.
Defende mais cafeína na oposição?
O que estou a dizer é que talvez pudesse ajudar mais a que se perdesse mais depressa. Mas quem sou eu? De política o dr. Rui Rio sabe.
Identifica-se com o PSD de Rui Rio ou gostaria de o moldar mais à sua imagem?
A quem? Ao PSD ao dr. Rui Rio?
Aos dois.
Mudar um partido não me passa sequer pela cabeça e mudar uma pessoa também … Porquê e para quê? A única coisa que estou a dizer é que talvez o dr. Rui Rio pudesse pôr um bocadinho mais de pimenta [na oposição]. A forma como ele reagiu a esta coisa da pandemia é típica da forma como o dr. Rui Rio actua e acho que o mundo inteiro considerou exemplar. Não vamos usar um problema de saúde pública para criar um problema ao Governo - ponto final.
Isso foi numa primeira fase. Entretanto, decorreram alguns meses, deu para perceber a situação nos lares, deu para fazer outro tipo de análise. Não deveria ter sido criada uma outra visão?
Eu já fui muito além daquilo que deveria ter ido aqui, de política não percebo nada. A única coisa de que me lembrei foi de meter aqui uma notinha sobre estimulantes, ora pimenta, ora cafeína.
Como viu a primeira reunião do órgão consultivo do PSD em Coimbra? Saiu um apelo à igualdade de oportunidade na sociedade portuguesa…
A última coisa que faltava era que viesse agora comentar, para além de dizer que me senti muito bem acompanhado e que a reunião correu muito bem. Se há défice em Portugal em matérias como a igualdade, cidadania, acho normal que venham daí observações desse tipo e, ainda por cima, num partido que se recentrou e que se considera social-democrata.
Tem ouvido as apresentações de António Costa Silva?
Li o relatório.
De 0 a 20, que nota lhe merece o documento que o presidente da Partex apresentou ao Governo?
Estamos quase como na disciplina de Cidadania, era preciso saber o programa e os objectivos.
Mas o programa é conhecido …
Se eu quiser olhar para questões como modernidade, mundividência, atenção às preocupações e aos sentidos de evolução do mundo, estaria muito perto do 20. Sou um admirador do engenheiro António Costa Silva. Tem um conhecimento imenso, por exemplo, sobre o tema da energia. Depois, se formos a questões como exequibilidade, capacidade de priorização, acho que o engenheiro António Costa Silva fugiu a isso - não sei se lhe foi pedido. Em certo sentido, funciona como um menu de linhas possíveis de intervenção e daria um 14.
Voltando ao plano Costa Silva, como académico e gestor tem informação suficiente sobre a análise custo-benefício de muitas propostas? É relevante nesta altura?
Isso é relevantíssimo, mas na hora de definir prioridades, de avançar com projectos para a execução. Na altura de vermos o que vamos fazer, espero que o tema do custo-benefício não deixe de surgir.
Uma das questões é a aposta na alta velocidade ferroviária, com o TGV, a sigla proibida. Costa Silva veio dizer que não quer saber se é alta velocidade ou velocidade alta. Insistiu que o que é preciso é andar depressa em carris, porque os voos vão ser proibidos até 600 ou 1000 kms. Como olha para a questão ferroviária e, sobretudo, para a questão da bitola europeia e do porto de Lisboa?
O eng. António Costa Silva vai buscar duas linhas estratégicas que atravessam Portugal há vários séculos: a ligação à Europa, por um lado, que durante muitos anos foi a Espanha; e a ligação ao outro lado do mundo, pelo mar. Há dois grandes défices nessas ligações: a ferrovia; e a parte portuária. O eng. Costa Silva acha que, no essencial da rodovia, não há nada a fazer, mas na ferrovia e de portos sim - e estou completamente de acordo. Há uma dimensão interna que é basicamente o porto de Lisboa. Não sei se haverá alguma coisa pelas áreas metropolitanas lá por Lisboa e aqui para o Porto... Depois há o problema da ligação ferroviária à Europa.
A questão da bitola europeia...
Sim. A ligação à Europa é para aproximar o país dos mercados europeus e o que espero é uma ligação ferroviária que facilite o mais possível essa aproximação.
Pode apontar um exemplo retirado de uma ideia que seja para aproveitar do documento?
Esta aposta na ferrovia. Todos nós sabemos que o ponto em que estamos em matéria de ligação de Porto-Lisboa é fraco. Gastou-se muito dinheiro e não se melhorou nada.
Mas é uma questão de sigla? No período pré-pandemia, há cerca de ano e meio, o primeiro-ministro, numa entrevista ao El País, dizia que o TGV era uma sigla muito complicada em Portugal.
Não sei. Gostava de chegar mais depressa a Lisboa. O engenheiro Costa Silva vai por aí e estou de acordo com ele. Na questão dos portos e aeroportos também estou completamente de acordo com ele. A área sobre a qual exprimi mais dúvidas, talvez porque não sei, embora ele saiba, é a história do hidrogénio.
Costa Silva diz não ser nenhum delírio tecnológico. Como olha para esta aposta no hidrogénio?
Há um plano nacional para o hidrogénio em que se prevê gastar 7000 a 9000 milhões de euros. É muito dinheiro. Admito que não seja nenhum delírio tecnológico. Mas delírio ou não, acho que em Portugal não se deve saber muito disso e a experiência empresarial dessa área é nenhuma.
E as rendas garantidas?
É uma das razões pelas quais Portugal tem uma das energias mais caras do mundo. Estou próximo do professor Clemente Pedro Nunes, que na altura própria, contestou o solar e agora fez um paralelo e disse que era preciso os mesmos cuidados a propósito do hidrogénio. E isso mereceu-lhe o reparo de João Galamba de que era um aldrabão encartado. E provavelmente é o que me chamarão a mim.
Falta, neste caso do hidrogénio, uma avaliação rigorosa de custo-benefício, independentemente de estarmos perante uma nova tecnologia e com potencial de crescimento e inovação?
Mesmo que no limite até não seja muito sofisticada, sou mais de pequenos passos. Gosto de experimentar para ver.
Espera encontrar no próximo orçamento, com circunstâncias muito complexas e de elaboração muito difícil, uma resposta para essa dúvida?
Não. Voltamos ao plano Costa Silva. Ele diz: “Estou aqui com uma coisa para fazer a médio prazo, mas não há médio prazo, se não formos capazes de sobreviver a curto prazo”. E o próximo orçamento tem que ver com isso. O próximo orçamento tem a ver com o como é que vamos mitigar a desgraça.
Subindo o salário mínimo?
O salário mínimo tem como ponto de partida uma intervenção política voluntarista. É política, não é economia. O pior dos momentos para aumentar o salário mínimo é aquele em que o desemprego tende a explodir, porque se o desemprego tende a explodir, e isso é um problema, aumentar o salário mínimo não vai ajudar nada. É evidente que o Governo, esta maioria, nos dirá: “Durante os últimos anos aumentámos o salário mínimo, as vozes da desgraça diziam que ia haver desemprego e não houve desemprego nenhum”. E têm razão. Porque a economia estava a bombar e, portanto, a economia estava a funcionar razoavelmente, nada de exaltante, o salário mínimo foi aumentando, as empresas acompanharam e não morreu ninguém.
E o argumento do efeito positivo do aumento do salário mínimo no crescimento económico?
Aí sugiro que passem o salário mínimo para mil euros por mês, porque deve ser maior [o impacto].(...). O problema maior que temos é o do consumo. As pessoas não estão a morrer numa guerra. As pessoas mudaram porque estão assustadas e retraíram-se imenso em determinados aspectos de consumo. Onde estão os fulcros da crise? Aviação, primeiro nas viagens e depois na produção dos aviões, agências de viagens...
Em que se joga a sobrevivência de empresas e empregos num longo Inverno até à descoberta da vacina? O sucesso depende de cada um de nós mais do que das orientações das autoridades de saúde?
Estou do lado dos que apelam às pessoas para quem vão para a rua e que retomem os seus padrões de consumo, na medida do possível. E apelo quase como um dever cívico e de cidadania, porque, se não for assim, pior. Em relação ao Governo, o Governo está dependente da ajuda que possa receber.
Nunca a palavra “bazuca” teve um significado tão suave?
Ah, sim! Eu acho que é uma “bazuca!” e é muito bem-vinda. É muito dinheiro. E depois temos também o BCE [Banco Central Europeu]. Não entra nessas contas, mas tem ajudado. Se o BCE tivesse ajudado o engenheiro Sócrates como está a ajudar agora... Provavelmente, não tínhamos tido a troika.
E teríamos ainda o engenheiro Sócrates?
Talvez.
O Presidente da República e o primeiro-ministro estarão em silêncio até esta quinta-feira sobre o apoio do primeiro-ministro à recandidatura do presidente do Benfica, nas circunstâncias que todos conhecemos. É um erro o líder do Governo de Portugal associar o seu nome ao futebol profissional e àquele dirigente em particular?
Do meu ponto de vista, a questão tem sido excessivamente posta na questão do acto em si e do apoio. Se calhar não lhe fica muito bem, mas não passa mal nenhum. A mim o que me custou é que fosse apoiado aquele candidato. Aquele apoio ofende-me como contribuinte, como cidadão e como pessoa. Como contribuinte, porque sei o quanto os contribuintes portugueses foram lesados por aquela pessoa. Como cidadão, porque sei do envolvimento daquela pessoa em processos judiciais, nomeadamente em processos que pretendem denegar a justiça. E como pessoa, porque os meus valores não têm nada a ver com ele.
O antigo ministro da Economia não se revê na solução governativa liderada por António Costa. Em entrevista à Renascença e jornal "Público", o professor e gestor defende que o PSD tem de "apimentar" mais o seu papel de oposição. "Não estou contente, acho que é necessário criar uma alternativa e ela passa pelo dr. Rui Rio." Noutro plano, Bessa critica o apoio de António Costa a Luís Filipe Vieira: "Aquele apoio ofende-me como contribuinte, como cidadão e como pessoa."
Daniel Bessa é um dos rostos do recém-criado conselho consultivo do Conselho Estratégico Nacional do PSD. O convite partiu do próprio líder social-democrata, Rui Rio, de quem é amigo há muitos anos.
Professor, gestor, antigo ministro da Economia de António Guterres, Daniel Bessa não se revê na solução governativa de António Costa, mas deixa elogios para o consultor a quem o primeiro-ministro pediu a Visão Estratégica para o Plano de Recuperação Económica de Portugal, António Costa Silva. Quanto ao PSD, Bessa diz que tem de apimentar mais o seu papel de oposição.
Entrou recentemente no conselho consultivo do Conselho Estratégico Nacional do PSD. Porquê?
Tenho uma consideração muito antiga de muitas décadas pelo dr. Rui Rio e não resisti a um desafio que acho interessante. Não me revejo na solução política que hoje governa o país, acho que é necessário uma alternativa. Se vai ter muito êxito ou não, logo veremos.
Foi ministro de António Guterres, apoiou Rui Moreira e aconselha Rui Rio: houve aqui uma viragem?
Depois do 25 de Abril andei mais perto do MDP, do PC. Em 92, o engenheiro Guterres desafiou-me para ver se conseguíamos derrotar o professor Cavaco Silva que ia a caminho de dez anos de Governo e parecia a altura de criar uma alternativa, e hoje continua a parecer-me a altura de criar uma alternativa. Não estou contente, acho que é necessário criar uma alternativa e ela passa pelo dr. Rui Rio.
Defendeu uma alternativa ao PS. Para quando essa alternativa?
Não sei. A senhora Thatcher preconizou um dia que este tipo de soluções acaba quando acabar o dinheiro dos outros. O PS tem sido o partido de Governo muitos anos em Portugal e, na última aventura, acabou quando acabou o dinheiro dos outros e, desta vez, talvez não seja muito diferente. Não estou muito convencido de que seja para breve.
Como é que tem visto oposição de Rui Rio? Há quem diga que é demasiado descafeínada, devia ser mais assertiva?
Cada um é como é, não vale a pena estarmos aqui a seguir uns guiões, estarmos aqui a fazer uns números. O dr. Rui Rio é assim e eu respeito. E sinto-me bem acompanhado.
Mas assumir uma alternativa não é também seguir um guião?
O dr. Rui Rio diz que as eleições não se ganham, perdem-se, mas é preciso que quando alguém perde umas eleições haja uma alternativa suficientemente credível para que possamos seguir em frente. Talvez o dr. Rui Rio pudesse ajudar um pouco mais a que as eleições se perdessem.
Defende mais cafeína na oposição?
O que estou a dizer é que talvez pudesse ajudar mais a que se perdesse mais depressa. Mas quem sou eu? De política o dr. Rui Rio sabe.
Identifica-se com o PSD de Rui Rio ou gostaria de o moldar mais à sua imagem?
A quem? Ao PSD ao dr. Rui Rio?
Aos dois.
Mudar um partido não me passa sequer pela cabeça e mudar uma pessoa também … Porquê e para quê? A única coisa que estou a dizer é que talvez o dr. Rui Rio pudesse pôr um bocadinho mais de pimenta [na oposição]. A forma como ele reagiu a esta coisa da pandemia é típica da forma como o dr. Rui Rio actua e acho que o mundo inteiro considerou exemplar. Não vamos usar um problema de saúde pública para criar um problema ao Governo - ponto final.
Isso foi numa primeira fase. Entretanto, decorreram alguns meses, deu para perceber a situação nos lares, deu para fazer outro tipo de análise. Não deveria ter sido criada uma outra visão?
Eu já fui muito além daquilo que deveria ter ido aqui, de política não percebo nada. A única coisa de que me lembrei foi de meter aqui uma notinha sobre estimulantes, ora pimenta, ora cafeína.
Como viu a primeira reunião do órgão consultivo do PSD em Coimbra? Saiu um apelo à igualdade de oportunidade na sociedade portuguesa…
A última coisa que faltava era que viesse agora comentar, para além de dizer que me senti muito bem acompanhado e que a reunião correu muito bem. Se há défice em Portugal em matérias como a igualdade, cidadania, acho normal que venham daí observações desse tipo e, ainda por cima, num partido que se recentrou e que se considera social-democrata.
Tem ouvido as apresentações de António Costa Silva?
Li o relatório.
De 0 a 20, que nota lhe merece o documento que o presidente da Partex apresentou ao Governo?
Estamos quase como na disciplina de Cidadania, era preciso saber o programa e os objectivos.
Mas o programa é conhecido …
Se eu quiser olhar para questões como modernidade, mundividência, atenção às preocupações e aos sentidos de evolução do mundo, estaria muito perto do 20. Sou um admirador do engenheiro António Costa Silva. Tem um conhecimento imenso, por exemplo, sobre o tema da energia. Depois, se formos a questões como exequibilidade, capacidade de priorização, acho que o engenheiro António Costa Silva fugiu a isso - não sei se lhe foi pedido. Em certo sentido, funciona como um menu de linhas possíveis de intervenção e daria um 14.
Voltando ao plano Costa Silva, como académico e gestor tem informação suficiente sobre a análise custo-benefício de muitas propostas? É relevante nesta altura?
Isso é relevantíssimo, mas na hora de definir prioridades, de avançar com projectos para a execução. Na altura de vermos o que vamos fazer, espero que o tema do custo-benefício não deixe de surgir.
Uma das questões é a aposta na alta velocidade ferroviária, com o TGV, a sigla proibida. Costa Silva veio dizer que não quer saber se é alta velocidade ou velocidade alta. Insistiu que o que é preciso é andar depressa em carris, porque os voos vão ser proibidos até 600 ou 1000 kms. Como olha para a questão ferroviária e, sobretudo, para a questão da bitola europeia e do porto de Lisboa?
O eng. António Costa Silva vai buscar duas linhas estratégicas que atravessam Portugal há vários séculos: a ligação à Europa, por um lado, que durante muitos anos foi a Espanha; e a ligação ao outro lado do mundo, pelo mar. Há dois grandes défices nessas ligações: a ferrovia; e a parte portuária. O eng. Costa Silva acha que, no essencial da rodovia, não há nada a fazer, mas na ferrovia e de portos sim - e estou completamente de acordo. Há uma dimensão interna que é basicamente o porto de Lisboa. Não sei se haverá alguma coisa pelas áreas metropolitanas lá por Lisboa e aqui para o Porto... Depois há o problema da ligação ferroviária à Europa.
A questão da bitola europeia...
Sim. A ligação à Europa é para aproximar o país dos mercados europeus e o que espero é uma ligação ferroviária que facilite o mais possível essa aproximação.
Pode apontar um exemplo retirado de uma ideia que seja para aproveitar do documento?
Esta aposta na ferrovia. Todos nós sabemos que o ponto em que estamos em matéria de ligação de Porto-Lisboa é fraco. Gastou-se muito dinheiro e não se melhorou nada.
Mas é uma questão de sigla? No período pré-pandemia, há cerca de ano e meio, o primeiro-ministro, numa entrevista ao El País, dizia que o TGV era uma sigla muito complicada em Portugal.
Não sei. Gostava de chegar mais depressa a Lisboa. O engenheiro Costa Silva vai por aí e estou de acordo com ele. Na questão dos portos e aeroportos também estou completamente de acordo com ele. A área sobre a qual exprimi mais dúvidas, talvez porque não sei, embora ele saiba, é a história do hidrogénio.
Costa Silva diz não ser nenhum delírio tecnológico. Como olha para esta aposta no hidrogénio?
Há um plano nacional para o hidrogénio em que se prevê gastar 7000 a 9000 milhões de euros. É muito dinheiro. Admito que não seja nenhum delírio tecnológico. Mas delírio ou não, acho que em Portugal não se deve saber muito disso e a experiência empresarial dessa área é nenhuma.
E as rendas garantidas?
É uma das razões pelas quais Portugal tem uma das energias mais caras do mundo. Estou próximo do professor Clemente Pedro Nunes, que na altura própria, contestou o solar e agora fez um paralelo e disse que era preciso os mesmos cuidados a propósito do hidrogénio. E isso mereceu-lhe o reparo de João Galamba de que era um aldrabão encartado. E provavelmente é o que me chamarão a mim.
Falta, neste caso do hidrogénio, uma avaliação rigorosa de custo-benefício, independentemente de estarmos perante uma nova tecnologia e com potencial de crescimento e inovação?
Mesmo que no limite até não seja muito sofisticada, sou mais de pequenos passos. Gosto de experimentar para ver.
Espera encontrar no próximo orçamento, com circunstâncias muito complexas e de elaboração muito difícil, uma resposta para essa dúvida?
Não. Voltamos ao plano Costa Silva. Ele diz: “Estou aqui com uma coisa para fazer a médio prazo, mas não há médio prazo, se não formos capazes de sobreviver a curto prazo”. E o próximo orçamento tem que ver com isso. O próximo orçamento tem a ver com o como é que vamos mitigar a desgraça.
Subindo o salário mínimo?
O salário mínimo tem como ponto de partida uma intervenção política voluntarista. É política, não é economia. O pior dos momentos para aumentar o salário mínimo é aquele em que o desemprego tende a explodir, porque se o desemprego tende a explodir, e isso é um problema, aumentar o salário mínimo não vai ajudar nada. É evidente que o Governo, esta maioria, nos dirá: “Durante os últimos anos aumentámos o salário mínimo, as vozes da desgraça diziam que ia haver desemprego e não houve desemprego nenhum”. E têm razão. Porque a economia estava a bombar e, portanto, a economia estava a funcionar razoavelmente, nada de exaltante, o salário mínimo foi aumentando, as empresas acompanharam e não morreu ninguém.
E o argumento do efeito positivo do aumento do salário mínimo no crescimento económico?
Aí sugiro que passem o salário mínimo para mil euros por mês, porque deve ser maior [o impacto].(...). O problema maior que temos é o do consumo. As pessoas não estão a morrer numa guerra. As pessoas mudaram porque estão assustadas e retraíram-se imenso em determinados aspectos de consumo. Onde estão os fulcros da crise? Aviação, primeiro nas viagens e depois na produção dos aviões, agências de viagens...
Em que se joga a sobrevivência de empresas e empregos num longo Inverno até à descoberta da vacina? O sucesso depende de cada um de nós mais do que das orientações das autoridades de saúde?
Estou do lado dos que apelam às pessoas para quem vão para a rua e que retomem os seus padrões de consumo, na medida do possível. E apelo quase como um dever cívico e de cidadania, porque, se não for assim, pior. Em relação ao Governo, o Governo está dependente da ajuda que possa receber.
Nunca a palavra “bazuca” teve um significado tão suave?
Ah, sim! Eu acho que é uma “bazuca!” e é muito bem-vinda. É muito dinheiro. E depois temos também o BCE [Banco Central Europeu]. Não entra nessas contas, mas tem ajudado. Se o BCE tivesse ajudado o engenheiro Sócrates como está a ajudar agora... Provavelmente, não tínhamos tido a troika.
E teríamos ainda o engenheiro Sócrates?
Talvez.
O Presidente da República e o primeiro-ministro estarão em silêncio até esta quinta-feira sobre o apoio do primeiro-ministro à recandidatura do presidente do Benfica, nas circunstâncias que todos conhecemos. É um erro o líder do Governo de Portugal associar o seu nome ao futebol profissional e àquele dirigente em particular?
Do meu ponto de vista, a questão tem sido excessivamente posta na questão do acto em si e do apoio. Se calhar não lhe fica muito bem, mas não passa mal nenhum. A mim o que me custou é que fosse apoiado aquele candidato. Aquele apoio ofende-me como contribuinte, como cidadão e como pessoa. Como contribuinte, porque sei o quanto os contribuintes portugueses foram lesados por aquela pessoa. Como cidadão, porque sei do envolvimento daquela pessoa em processos judiciais, nomeadamente em processos que pretendem denegar a justiça. E como pessoa, porque os meus valores não têm nada a ver com ele.
"A escola não é só tecnologia, é também encontro, espaço social e de crescimento"
Ângela Roque (Renascença) e Octávio Carmo (Ecclesia), in RR
Na semana em que abriu o novo ano letivo, a Renascença e a agência Ecclesia conversam com o padre Tarcísio Morais.
Antigo diretor dos Salesianos do Estoril, coordena atualmente o Departamento de Escolas e Formação Profissional do Dicastério para a Pastoral Juvenil Salesiana, o que lhe permite ter uma visão alargada da realidade educativa no mundo, já que a congregação está presente em 134 países.
Em declarações a partir de Roma, lembra que a escola “já estava em crise” antes da pandemia, mas acha que este é o momento ideal para se encontrar “novas respostas” no campo da educação, e que o encontro ‘Reconstruir o Pacto Educativo Global’, convocado pelo Papa - e que, tudo indica, terá lugar em outubro – será uma oportunidade para isso.
Para o padre Tarcízio, o aumento da pobreza e das desigualdades “implica uma resposta por parte da Igreja” e das escolas católicas. Comenta, ainda, o o retomar das atividades pastorais, considerando que a Igreja descobriu novas formas de comunicar que não pode menosprezar, mas que é fundamental manter a vivência da fé em comunidade.
A expressão "novo normal" já faz parte do dia a dia de todos nós. Qual é o maior desafio que coloca aos educadores nesta altura, para além das questões óbvias da segurança e do enfrentar o medo?
Penso que este novo normal desafia não só educadores, mas toda a comunidade humana, é uma realidade que implica a todos e que precisa daquilo que o Santo Padre dizia "uma esperança contagiosa", e talvez um horizonte de sentido. A cada hora, a cada minuto, os meios de comunicação social propiciam-nos todo um conjunto de informações que, de alguma maneira, desorientam neste sentido a dar à realidade educativa, cada vez mais necessitada para responder aos desafios deste 'novo normal'. Por isso penso que é preciso estar presente, deixarmo-nos entusiasmar de novo e possibilitar que a vida aconteça na normalidade possível, que este 'novo normal' nos oferece.
Lembrou num recente artigo - em que fala da necessidade de se ter "um olhar de esperança e de responsabilidade - que “Dom Bosco não desanimaria”. O que é que é fundamental ter presente neste momento para todos os que têm a seu cargo a educação das crianças e dos jovens?
São João Bosco era um otimista que respondeu diante de tantas situações com a sua própria vida e com a sua forma de estar alegre e bem disposta. Recordo que em 1854 houve uma grande epidemia, a da cólera, do género desta que estamos a viver, e ele pôs-se diante das autoridades na oferta de si e dos seus jovens, para ir ao encontro daqueles que mais necessitavam. Por isso, é preciso este estar presente.
Uma das coisas que esta doença nos mostrou é a nossa fragilidade, as nossas debilidades e quão necessária é a relação, o estarmos juntos, o sermos acompanhados uns pelos outros, o podermos sorrir e não estarmos escondidos atrás de uma máscara, o podermos descobrir agora, olhos nos olhos, como é preciso ir ao coração e descobrir aquilo que nos torna diferentes e únicos nesta nossa relação de ser e de existência, que também nos propicia a fé, porque quando Deus inunda a nossa vida tudo é transformado.
É coordenador do Departamento de Escolas e Formação Profissional do Dicastério para a Pastoral Juvenil Salesiana. Este “novo normal” obrigou a muitas alterações nos colégios e centros educativos salesianos por todo o mundo?
Sem dúvida. Nós somos por natureza defensores da proximidade, do encontro, do juntarmos muita gente, juntarmos muitos jovens, do vivermos a experiência do pátio (nas escolas e colégios) como experiência de alegria, de contacto, de palavra partilhada, de presença atenta, e agora temos de descobrir uma outra forma de estar.
Estando aqui (em Roma) e tendo uma visão global sobre o mundo é interessante ver a criatividade com que em tantas circunstâncias se respondeu perante esta distância, este não estar presente – porque, como sabemos, houve uma altura em que 96% das escolas do mundo estavam fechadas, e foi preciso continuar a manter o contacto, a relação, continuar a partilhar conteúdos, continuar a fazer escola, a ensinar e a aprender nesta realidade, portanto isso foi altamente desafiante. E foi uma resposta de solidariedade também.
E sendo certo que nada será como antes, em termos de ambiente de aprendizagem e das aulas, é possível mudar sem desvirtuar o método educativo salesiano?
É sempre possível mudar, e é sempre possível mudar para melhor, em todas as circunstâncias, também nesta. Temos de aprender algumas coisas com esta pandemia, e sermos capazes de nos renovarmos, criarmos respostas, porque é preciso recriar a escola. E atenção, a escola já estava em crise, e precisa de se renovar no seu todo, aos novos tempos, à nova realidade, independentemente da pandemia. Agora, penso que temos de criar toda esta dinâmica para que não caiamos naquilo que é um desafio grande, de criar uma 'geração Covid', o que seria extremamente negativo, mas criarmos uma nova possibilidade de estarmos juntos.
"Atenção, a escola já estava em crise, e precisa de se renovar no seu todo, [adaptar-se] aos novos tempos, à nova realidade, independentemente da pandemia"
Sem dúvida que os Salesianos, nos vários continentes onde nos encontramos, criaram novas formas de empatia e de relação para chegar à aprendizagem e para não cair nas desigualdades, nas diferenças e nas distâncias, mas chegar ao coração de cada um, onde cada jovem está. Porque eles continuam presentes, continuam a estar necessitados desta palavra, deste entusiasmo, destas aprendizagens e desta forma de estar. Temos de superar todos estes gaps (lacunas) de aprendizagens e distâncias que fomos criando.
O desporto é uma área muito valorizada nos colégios salesianos. O novo contexto vai obrigar a grandes mudanças?
Sem dúvida. É preciso chegar a uma prática desportiva se calhar mais individual e menos para o contacto, menos equipa e outro tipo de abordagens. Mas, é preciso fazer desporto e movimentarmo-nos, porque este tempo de paragem criou uma necessidade ainda maior deste movimento e desta interação. Se calhar temos de ter muito mais cuidados e atenção àquilo que fazemos, mas é preciso fazê-lo, porque o desporto faz parte da vida, para o nosso bem estar físico, emocional e psicossocial.
Em muitos locais a escola à distância foi uma realidade para muitos alunos e famílias. Esta experiência poderá fazer com que no futuro a escola em geral tenha mais atenção e dê mais espaço à colaboração das famílias?
Neste confinamento um dos atores de descoberta que as escolas tiveram como parceiros fundamentais foram as famílias, e as famílias também perceberam quão difícil é a escola e fazer escola. Portanto, esta interação com as famílias penso que ganhou, com protagonismo de ambas as partes, para um melhor entendimento e compreensão das dificuldades de ambas as partes.
"Neste confinamento, as famílias perceberam quão difícil é a escola e fazer escola"
É bom que as famílias participem cada vez mais na comunidade educativa das escolas, que estejam presentes e saibam compreender aquilo que acontece na escola. E que também as escolas entendam quão importantes são as famílias, em todo o seu sentido. É uma parceria comum desde o início: a família confia à escola os seus filhos, para que possam desenvolver-se em determinadas áreas, mas a principal responsável pela educação de cada um é sempre a família. Esta parceria cresceu no mútuo conhecimento, na mútua corresponsabilização de processos, e vai ter de continuar assim.
A Santa Sé escreveu uma carta às escolas de todo o mundo a recordar o impacto da necessidade do ensino à distância. No público e no privado houve boas e más experiências, mas as coisas foram mais difíceis para quem não tinha computador em casa. Corre-se o risco dos alunos com menos possibilidades económicas serem deixados ainda mais para trás?
Esse é um dos problemas maiores que trouxe esta situação, um certo aumento das desigualdades daqueles que mais precisam. Porque as famílias bem estruturadas, com um ambiente capaz, com recursos económicos, puderam suprir com mais facilidade esta carência da escola como instituição de aprendizagem, mas as famílias mais carenciadas, com menos recursos, sem acesso à internet, sem acesso a meios, sem dúvida perderam ainda mais com esta realidade. E este aumento de desigualdades tem de ser uma preocupação de todos os que se ocupam da educação, para chegarmos aos mais pobres...
E é uma preocupação dos Salesianos em particular? Porque para além das escolas e dos grandes colégios, que conhecemos aqui em Portugal, também têm centros juvenis e lares de acolhimento…
Sem dúvida. A realidade das nossas escolas, em Portugal e no mundo, é em direção àqueles que mais precisam, e que mais precisam de nós. É uma atenção permanente que é preciso ter.
É preciso descobrirmos que hoje esta desigualdade cresceu, e crescendo precisa de uma resposta ainda mais solidária e mais capaz de chegar àqueles que perderam tempo, espaço e oportunidade, para não aumentar as desigualdades e para não estarmos a criar ainda mais estes problemas de distância, que nalguns sítios provocam a deserção escolar, sobretudo entre as pessoas mais desfavorecidas, o aumento do trabalho infantil, a redução da capacidade de estar e de crescer. E não falo nisto apenas em relação a Portugal, mas em relação ao mundo. O aumento da pobreza em geral, o aumento das desigualdades e do mal estar social implica uma resposta por parte da Igreja, e no nosso caso da congregação dos Salesianos, para que tudo isso seja minorado em favor daqueles que mais de nós precisam, que são os mais pobres, sempre.
Em 2015 – era na altura diretor dos Salesianos do Estoril – foi um dos organizadores do congresso 'E-ducar para além da cloud: o futuro do coração educativo', que reuniu diversas personalidades e peritos para refletirem sobre os desafios da Educação. Este novo contexto, que traz novos desafios, pode significar também uma nova oportunidade educativa, de se repensar a forma como se ensina e aprende? Podemos falar numa nova era que se abre aqui?
Eu penso que é mesmo uma nova era, é mesmo uma nova oportunidade, porque a tecnologia é uma ajuda interessante e temos de nos perguntar hoje, de novo, por que é que estamos aqui, por que é que estamos nas escolas? E perceber como é que fomos capazes de nos reinventar nesta situação, através das novas tecnologias, o que nos deu uma oportunidade, uma janela aberta para entender que há outras metodologias, outras didáticas, à distância e em presença, que podem ganhar com este novo mundo do digital, da tecnologia.
"O digital ajuda, a tecnologia ajuda, e temos de aprender a intervir com estes meios, no espaço da escola, para a melhorar e para a tornar mais atual, sem nunca esquecer este lado humano. É um desafio para todos"
Mas a escola não é só tecnologia, não é só digital, é também encontro e espaço social, espaço de crescimento. As saudades que tantas crianças, adolescentes e jovens manifestavam da escola faz-nos perceber como a escola é importante, neste misto de relação de aprendizagem e, sobretudo, de conhecimento, de crescimento comum, para ser homem e mulher de amanhã com uma estrutura saudável, equilibrada, de bem-estar, que ajuda a ser relação, que ajuda a estar juntos, a partilhar, a rir, a correr, a saltar, a viajar pela beleza das palavras, da ciência, pela grandeza da relação, do face a face, estarmos juntos.
O digital ajuda, a tecnologia ajuda, e temos de aprender a intervir com estes meios, no espaço da escola, para a melhorar e para a tornar mais atual, sem nunca esquecer este lado humano, de verdade, de plenitude. Como dizia São João Bosco, a educação é um assunto de coração, por isso, implica com as pessoas, com o mundo de presença e de vida nova. É um desafio para todos.
Esta tem sido uma das grades preocupações do Papa – que estudou nos Salesianos -, que acredita que a educação pode “mudar o mundo”, e tinha convocado para maio deste ano, o encontro mundial “Reconstruir o Pacto Educativo Global”. O encontro não se realizou por causa da pandemia… será importante que possa concretizar-se num futuro próximo? O compromisso do Papa neste campo é uma inspiração?
Sem dúvida. O evento vai realizar-se em outubro, aqui em Roma, com outra configuração, como exigem estes tempos novos, através do digital, em videoconferência.
O Santo Padre acredita plenamente nesta capacidade da ação educativa como transformadora da realidade do jovem e das sociedades. Portanto, pensa que é necessário este “pacto educativo global”, para que o mundo se renove e as novas gerações possam receber este dom que transforma, que eleva, que é capaz de humanizar ainda mais, com tantos companheiros de viagem, com esta escuta paciente, diálogo construtivo, compreensão mútua, que leva a uma espécie de aliança educativa permanente entre educandos e educadores, fazendo de cada jovem um protagonista para a transformação do mundo.
Os jovens pedem-nos para estarmos presentes com eles, pedem-nos que os acompanhemos, que habitemos a complexidade da sua vida, tornando-a cada vez mais humana, mais cheia das coisas que interessam, para um novo pensamento, a capacidade de viver num novo mundo, sem desigualdades, na nossa casa comum, neste mundo tão belo que Deus nos ofereceu. É um grito que sai do coração de tantos jovem e que nos compromete a todos, para estarmos presentes, como diz o Papa, ‘com a cabeça, o coração e as mãos’, tudo junto neste processo educativo para fazer crescer. O Santo Padre, sem dúvida, acredita, quer, entusiasma-nos a todos para criar, com ele, este processo que ajuda a que esta aldeia educativa – as comunidades educativo-pastorais de todas as realidades escolares – possam crescer e possam oferecer esta cidadania global, que é também vida na casa comum, nesta casa da ecologia, da ‘Laudato Si’ – ecologia integral, humanismo integral, para todos.
O Papa tem alertado para as desigualdades crescentes no acesso à educação, a nível mundial, lamentando que em muitos locais se tenha tornado “elitista e seletiva”, cavando cada vez mais o fosso entre ricos e pobres. As Escolas católicas não têm aqui uma responsabilidade acrescida na atenção especial que devem dar a quem tem menos recursos?
Sim, sem dúvida. E em tantos lugares do mundo é a presença da Igreja, das escolas católicas, que oferece esta oportunidade de vencer as desigualdades, de vencer a carência educativa.
Nós, como presença educativa, estamos em 134 países do mundo. Somos, talvez, a agência educativa mais espalhada pelo mundo, temos uma grande responsabilidade neste processo, para chegar aos mais pobres.
"O aumento da pobreza em geral, o aumento das desigualdades e do mal estar social implica uma resposta por parte da Igreja"
O problema da escola gera sempre muitas dificuldades no confronto com os governos, com a possibilidade de ajuda, a escolha livre, temas que em Portugal também se têm debatido, à volta desta realidade. Mas é um direito para todas as crianças, adolescentes e jovens, é um dever para nós, Igreja, oferecermos esta possibilidade, e é um bem, talvez o melhor bem que possamos oferecer a este espaço de educação, que se transforma depois em espaço de evangelização, onde a escola oferece a cada jovem este horizonte de sentido, esta possibilidade de esperança, de amanhã, com tantas coisas boas para serem vividas.
Estamos também no começo de um novo ano pastoral, e há questões práticas que se colocam à Igreja, em geral. As celebrações foram retomadas com várias restrições, como é que vai ser com as atividades como a catequese? Estamos a descobrir que já não se pode dispensar o recurso aos meios digitais?
Todos nós percebemos isso como necessidade. É uma das emergências educativas – o Papa Bento XVI falava de ‘emergência educativa’, talvez com outro cariz -, responder com os meios que temos. E temos de os compreender, entrar dentro desse pátio digital, dessa realidade digital, para a compreender e, compreendendo, ter a capacidade de – a partir da inovação, das possibilidades que esses meios nos oferecem – chegar a cada um dos jovens, na catequese e nas celebrações.
Foi uma descoberta, também, nestes tempos, a possibilidade de celebrarmos à distância, com os limites que isso tem, mas com a capacidade de nos encontrarmos com Jesus Cristo, de encontrarmos a fé, renovando-nos, apesar de não podermos entrar numa igreja, não podermos celebrar como comunidade, que é essencial, de não podermos celebrar o mistério da morte e ressurreição do Senhor de uma forma presencial.
Houve um recente alerta do Vaticano para o risco que se corre de muitos católicos deixarem de ir à missa presencialmente, porque se habituaram a participar na missa através da televisão, do Facebook ou de outros meios. Há, de facto, esse risco? Ou, pelo contrário, a Igreja descobriu novas formas de comunicação e participação que não deve agora menosprezar?
Ambas as coisas. A Igreja descobriu como é importante este diálogo com os media e toda a sua dinâmica, mas é preciso estar também atentos àquilo que é o essencial da nossa fé e como a celebramos em comunidade, juntos, partilhando a mesma fé, na celebração desse mistério – no caso da Eucaristia, através da Palavra, do pão e do vinho que se fazem alimento espiritual para a comunidade e alimento interior para a vida.
Uma das coisas, por exemplo, que a minha mãe mais lamentava, neste tempo, era não poder “receber o Senhor”, como ela dizia. “Não posso receber o Senhor, é muito bonito, vejo aqui na televisão, oiço na rádio, mas não posso receber o Senhor”. Essa intimidade de encontro que se faz pão partilhado é, de facto, algo que nos alimenta e que nos dá força, que nos entusiasma no nosso viver, e que não podemos perder como experiência de comunidade e como experiência de fé.
Responsável mundial pelas escolas dos Salesianos, o padre Tarcízio Morais fala dos desafios que o “novo normal” trouxe ao setor educativo. Reconhece que “o digital ajuda”, mas não se pode esquecer o “lado humano”. E considera positivo que escolas e famílias se tenham redescoberto como “parceiros fundamentais”, numa colaboração que será “para ficar”.
Na semana em que abriu o novo ano letivo, a Renascença e a agência Ecclesia conversam com o padre Tarcísio Morais.
Antigo diretor dos Salesianos do Estoril, coordena atualmente o Departamento de Escolas e Formação Profissional do Dicastério para a Pastoral Juvenil Salesiana, o que lhe permite ter uma visão alargada da realidade educativa no mundo, já que a congregação está presente em 134 países.
Em declarações a partir de Roma, lembra que a escola “já estava em crise” antes da pandemia, mas acha que este é o momento ideal para se encontrar “novas respostas” no campo da educação, e que o encontro ‘Reconstruir o Pacto Educativo Global’, convocado pelo Papa - e que, tudo indica, terá lugar em outubro – será uma oportunidade para isso.
Para o padre Tarcízio, o aumento da pobreza e das desigualdades “implica uma resposta por parte da Igreja” e das escolas católicas. Comenta, ainda, o o retomar das atividades pastorais, considerando que a Igreja descobriu novas formas de comunicar que não pode menosprezar, mas que é fundamental manter a vivência da fé em comunidade.
A expressão "novo normal" já faz parte do dia a dia de todos nós. Qual é o maior desafio que coloca aos educadores nesta altura, para além das questões óbvias da segurança e do enfrentar o medo?
Penso que este novo normal desafia não só educadores, mas toda a comunidade humana, é uma realidade que implica a todos e que precisa daquilo que o Santo Padre dizia "uma esperança contagiosa", e talvez um horizonte de sentido. A cada hora, a cada minuto, os meios de comunicação social propiciam-nos todo um conjunto de informações que, de alguma maneira, desorientam neste sentido a dar à realidade educativa, cada vez mais necessitada para responder aos desafios deste 'novo normal'. Por isso penso que é preciso estar presente, deixarmo-nos entusiasmar de novo e possibilitar que a vida aconteça na normalidade possível, que este 'novo normal' nos oferece.
Lembrou num recente artigo - em que fala da necessidade de se ter "um olhar de esperança e de responsabilidade - que “Dom Bosco não desanimaria”. O que é que é fundamental ter presente neste momento para todos os que têm a seu cargo a educação das crianças e dos jovens?
São João Bosco era um otimista que respondeu diante de tantas situações com a sua própria vida e com a sua forma de estar alegre e bem disposta. Recordo que em 1854 houve uma grande epidemia, a da cólera, do género desta que estamos a viver, e ele pôs-se diante das autoridades na oferta de si e dos seus jovens, para ir ao encontro daqueles que mais necessitavam. Por isso, é preciso este estar presente.
Uma das coisas que esta doença nos mostrou é a nossa fragilidade, as nossas debilidades e quão necessária é a relação, o estarmos juntos, o sermos acompanhados uns pelos outros, o podermos sorrir e não estarmos escondidos atrás de uma máscara, o podermos descobrir agora, olhos nos olhos, como é preciso ir ao coração e descobrir aquilo que nos torna diferentes e únicos nesta nossa relação de ser e de existência, que também nos propicia a fé, porque quando Deus inunda a nossa vida tudo é transformado.
É coordenador do Departamento de Escolas e Formação Profissional do Dicastério para a Pastoral Juvenil Salesiana. Este “novo normal” obrigou a muitas alterações nos colégios e centros educativos salesianos por todo o mundo?
Sem dúvida. Nós somos por natureza defensores da proximidade, do encontro, do juntarmos muita gente, juntarmos muitos jovens, do vivermos a experiência do pátio (nas escolas e colégios) como experiência de alegria, de contacto, de palavra partilhada, de presença atenta, e agora temos de descobrir uma outra forma de estar.
Estando aqui (em Roma) e tendo uma visão global sobre o mundo é interessante ver a criatividade com que em tantas circunstâncias se respondeu perante esta distância, este não estar presente – porque, como sabemos, houve uma altura em que 96% das escolas do mundo estavam fechadas, e foi preciso continuar a manter o contacto, a relação, continuar a partilhar conteúdos, continuar a fazer escola, a ensinar e a aprender nesta realidade, portanto isso foi altamente desafiante. E foi uma resposta de solidariedade também.
E sendo certo que nada será como antes, em termos de ambiente de aprendizagem e das aulas, é possível mudar sem desvirtuar o método educativo salesiano?
É sempre possível mudar, e é sempre possível mudar para melhor, em todas as circunstâncias, também nesta. Temos de aprender algumas coisas com esta pandemia, e sermos capazes de nos renovarmos, criarmos respostas, porque é preciso recriar a escola. E atenção, a escola já estava em crise, e precisa de se renovar no seu todo, aos novos tempos, à nova realidade, independentemente da pandemia. Agora, penso que temos de criar toda esta dinâmica para que não caiamos naquilo que é um desafio grande, de criar uma 'geração Covid', o que seria extremamente negativo, mas criarmos uma nova possibilidade de estarmos juntos.
"Atenção, a escola já estava em crise, e precisa de se renovar no seu todo, [adaptar-se] aos novos tempos, à nova realidade, independentemente da pandemia"
Sem dúvida que os Salesianos, nos vários continentes onde nos encontramos, criaram novas formas de empatia e de relação para chegar à aprendizagem e para não cair nas desigualdades, nas diferenças e nas distâncias, mas chegar ao coração de cada um, onde cada jovem está. Porque eles continuam presentes, continuam a estar necessitados desta palavra, deste entusiasmo, destas aprendizagens e desta forma de estar. Temos de superar todos estes gaps (lacunas) de aprendizagens e distâncias que fomos criando.
O desporto é uma área muito valorizada nos colégios salesianos. O novo contexto vai obrigar a grandes mudanças?
Sem dúvida. É preciso chegar a uma prática desportiva se calhar mais individual e menos para o contacto, menos equipa e outro tipo de abordagens. Mas, é preciso fazer desporto e movimentarmo-nos, porque este tempo de paragem criou uma necessidade ainda maior deste movimento e desta interação. Se calhar temos de ter muito mais cuidados e atenção àquilo que fazemos, mas é preciso fazê-lo, porque o desporto faz parte da vida, para o nosso bem estar físico, emocional e psicossocial.
Em muitos locais a escola à distância foi uma realidade para muitos alunos e famílias. Esta experiência poderá fazer com que no futuro a escola em geral tenha mais atenção e dê mais espaço à colaboração das famílias?
Neste confinamento um dos atores de descoberta que as escolas tiveram como parceiros fundamentais foram as famílias, e as famílias também perceberam quão difícil é a escola e fazer escola. Portanto, esta interação com as famílias penso que ganhou, com protagonismo de ambas as partes, para um melhor entendimento e compreensão das dificuldades de ambas as partes.
"Neste confinamento, as famílias perceberam quão difícil é a escola e fazer escola"
É bom que as famílias participem cada vez mais na comunidade educativa das escolas, que estejam presentes e saibam compreender aquilo que acontece na escola. E que também as escolas entendam quão importantes são as famílias, em todo o seu sentido. É uma parceria comum desde o início: a família confia à escola os seus filhos, para que possam desenvolver-se em determinadas áreas, mas a principal responsável pela educação de cada um é sempre a família. Esta parceria cresceu no mútuo conhecimento, na mútua corresponsabilização de processos, e vai ter de continuar assim.
A Santa Sé escreveu uma carta às escolas de todo o mundo a recordar o impacto da necessidade do ensino à distância. No público e no privado houve boas e más experiências, mas as coisas foram mais difíceis para quem não tinha computador em casa. Corre-se o risco dos alunos com menos possibilidades económicas serem deixados ainda mais para trás?
Esse é um dos problemas maiores que trouxe esta situação, um certo aumento das desigualdades daqueles que mais precisam. Porque as famílias bem estruturadas, com um ambiente capaz, com recursos económicos, puderam suprir com mais facilidade esta carência da escola como instituição de aprendizagem, mas as famílias mais carenciadas, com menos recursos, sem acesso à internet, sem acesso a meios, sem dúvida perderam ainda mais com esta realidade. E este aumento de desigualdades tem de ser uma preocupação de todos os que se ocupam da educação, para chegarmos aos mais pobres...
E é uma preocupação dos Salesianos em particular? Porque para além das escolas e dos grandes colégios, que conhecemos aqui em Portugal, também têm centros juvenis e lares de acolhimento…
Sem dúvida. A realidade das nossas escolas, em Portugal e no mundo, é em direção àqueles que mais precisam, e que mais precisam de nós. É uma atenção permanente que é preciso ter.
É preciso descobrirmos que hoje esta desigualdade cresceu, e crescendo precisa de uma resposta ainda mais solidária e mais capaz de chegar àqueles que perderam tempo, espaço e oportunidade, para não aumentar as desigualdades e para não estarmos a criar ainda mais estes problemas de distância, que nalguns sítios provocam a deserção escolar, sobretudo entre as pessoas mais desfavorecidas, o aumento do trabalho infantil, a redução da capacidade de estar e de crescer. E não falo nisto apenas em relação a Portugal, mas em relação ao mundo. O aumento da pobreza em geral, o aumento das desigualdades e do mal estar social implica uma resposta por parte da Igreja, e no nosso caso da congregação dos Salesianos, para que tudo isso seja minorado em favor daqueles que mais de nós precisam, que são os mais pobres, sempre.
Em 2015 – era na altura diretor dos Salesianos do Estoril – foi um dos organizadores do congresso 'E-ducar para além da cloud: o futuro do coração educativo', que reuniu diversas personalidades e peritos para refletirem sobre os desafios da Educação. Este novo contexto, que traz novos desafios, pode significar também uma nova oportunidade educativa, de se repensar a forma como se ensina e aprende? Podemos falar numa nova era que se abre aqui?
Eu penso que é mesmo uma nova era, é mesmo uma nova oportunidade, porque a tecnologia é uma ajuda interessante e temos de nos perguntar hoje, de novo, por que é que estamos aqui, por que é que estamos nas escolas? E perceber como é que fomos capazes de nos reinventar nesta situação, através das novas tecnologias, o que nos deu uma oportunidade, uma janela aberta para entender que há outras metodologias, outras didáticas, à distância e em presença, que podem ganhar com este novo mundo do digital, da tecnologia.
"O digital ajuda, a tecnologia ajuda, e temos de aprender a intervir com estes meios, no espaço da escola, para a melhorar e para a tornar mais atual, sem nunca esquecer este lado humano. É um desafio para todos"
Mas a escola não é só tecnologia, não é só digital, é também encontro e espaço social, espaço de crescimento. As saudades que tantas crianças, adolescentes e jovens manifestavam da escola faz-nos perceber como a escola é importante, neste misto de relação de aprendizagem e, sobretudo, de conhecimento, de crescimento comum, para ser homem e mulher de amanhã com uma estrutura saudável, equilibrada, de bem-estar, que ajuda a ser relação, que ajuda a estar juntos, a partilhar, a rir, a correr, a saltar, a viajar pela beleza das palavras, da ciência, pela grandeza da relação, do face a face, estarmos juntos.
O digital ajuda, a tecnologia ajuda, e temos de aprender a intervir com estes meios, no espaço da escola, para a melhorar e para a tornar mais atual, sem nunca esquecer este lado humano, de verdade, de plenitude. Como dizia São João Bosco, a educação é um assunto de coração, por isso, implica com as pessoas, com o mundo de presença e de vida nova. É um desafio para todos.
Esta tem sido uma das grades preocupações do Papa – que estudou nos Salesianos -, que acredita que a educação pode “mudar o mundo”, e tinha convocado para maio deste ano, o encontro mundial “Reconstruir o Pacto Educativo Global”. O encontro não se realizou por causa da pandemia… será importante que possa concretizar-se num futuro próximo? O compromisso do Papa neste campo é uma inspiração?
Sem dúvida. O evento vai realizar-se em outubro, aqui em Roma, com outra configuração, como exigem estes tempos novos, através do digital, em videoconferência.
O Santo Padre acredita plenamente nesta capacidade da ação educativa como transformadora da realidade do jovem e das sociedades. Portanto, pensa que é necessário este “pacto educativo global”, para que o mundo se renove e as novas gerações possam receber este dom que transforma, que eleva, que é capaz de humanizar ainda mais, com tantos companheiros de viagem, com esta escuta paciente, diálogo construtivo, compreensão mútua, que leva a uma espécie de aliança educativa permanente entre educandos e educadores, fazendo de cada jovem um protagonista para a transformação do mundo.
Os jovens pedem-nos para estarmos presentes com eles, pedem-nos que os acompanhemos, que habitemos a complexidade da sua vida, tornando-a cada vez mais humana, mais cheia das coisas que interessam, para um novo pensamento, a capacidade de viver num novo mundo, sem desigualdades, na nossa casa comum, neste mundo tão belo que Deus nos ofereceu. É um grito que sai do coração de tantos jovem e que nos compromete a todos, para estarmos presentes, como diz o Papa, ‘com a cabeça, o coração e as mãos’, tudo junto neste processo educativo para fazer crescer. O Santo Padre, sem dúvida, acredita, quer, entusiasma-nos a todos para criar, com ele, este processo que ajuda a que esta aldeia educativa – as comunidades educativo-pastorais de todas as realidades escolares – possam crescer e possam oferecer esta cidadania global, que é também vida na casa comum, nesta casa da ecologia, da ‘Laudato Si’ – ecologia integral, humanismo integral, para todos.
O Papa tem alertado para as desigualdades crescentes no acesso à educação, a nível mundial, lamentando que em muitos locais se tenha tornado “elitista e seletiva”, cavando cada vez mais o fosso entre ricos e pobres. As Escolas católicas não têm aqui uma responsabilidade acrescida na atenção especial que devem dar a quem tem menos recursos?
Sim, sem dúvida. E em tantos lugares do mundo é a presença da Igreja, das escolas católicas, que oferece esta oportunidade de vencer as desigualdades, de vencer a carência educativa.
Nós, como presença educativa, estamos em 134 países do mundo. Somos, talvez, a agência educativa mais espalhada pelo mundo, temos uma grande responsabilidade neste processo, para chegar aos mais pobres.
"O aumento da pobreza em geral, o aumento das desigualdades e do mal estar social implica uma resposta por parte da Igreja"
O problema da escola gera sempre muitas dificuldades no confronto com os governos, com a possibilidade de ajuda, a escolha livre, temas que em Portugal também se têm debatido, à volta desta realidade. Mas é um direito para todas as crianças, adolescentes e jovens, é um dever para nós, Igreja, oferecermos esta possibilidade, e é um bem, talvez o melhor bem que possamos oferecer a este espaço de educação, que se transforma depois em espaço de evangelização, onde a escola oferece a cada jovem este horizonte de sentido, esta possibilidade de esperança, de amanhã, com tantas coisas boas para serem vividas.
Estamos também no começo de um novo ano pastoral, e há questões práticas que se colocam à Igreja, em geral. As celebrações foram retomadas com várias restrições, como é que vai ser com as atividades como a catequese? Estamos a descobrir que já não se pode dispensar o recurso aos meios digitais?
Todos nós percebemos isso como necessidade. É uma das emergências educativas – o Papa Bento XVI falava de ‘emergência educativa’, talvez com outro cariz -, responder com os meios que temos. E temos de os compreender, entrar dentro desse pátio digital, dessa realidade digital, para a compreender e, compreendendo, ter a capacidade de – a partir da inovação, das possibilidades que esses meios nos oferecem – chegar a cada um dos jovens, na catequese e nas celebrações.
Foi uma descoberta, também, nestes tempos, a possibilidade de celebrarmos à distância, com os limites que isso tem, mas com a capacidade de nos encontrarmos com Jesus Cristo, de encontrarmos a fé, renovando-nos, apesar de não podermos entrar numa igreja, não podermos celebrar como comunidade, que é essencial, de não podermos celebrar o mistério da morte e ressurreição do Senhor de uma forma presencial.
Houve um recente alerta do Vaticano para o risco que se corre de muitos católicos deixarem de ir à missa presencialmente, porque se habituaram a participar na missa através da televisão, do Facebook ou de outros meios. Há, de facto, esse risco? Ou, pelo contrário, a Igreja descobriu novas formas de comunicação e participação que não deve agora menosprezar?
Ambas as coisas. A Igreja descobriu como é importante este diálogo com os media e toda a sua dinâmica, mas é preciso estar também atentos àquilo que é o essencial da nossa fé e como a celebramos em comunidade, juntos, partilhando a mesma fé, na celebração desse mistério – no caso da Eucaristia, através da Palavra, do pão e do vinho que se fazem alimento espiritual para a comunidade e alimento interior para a vida.
Uma das coisas, por exemplo, que a minha mãe mais lamentava, neste tempo, era não poder “receber o Senhor”, como ela dizia. “Não posso receber o Senhor, é muito bonito, vejo aqui na televisão, oiço na rádio, mas não posso receber o Senhor”. Essa intimidade de encontro que se faz pão partilhado é, de facto, algo que nos alimenta e que nos dá força, que nos entusiasma no nosso viver, e que não podemos perder como experiência de comunidade e como experiência de fé.
Quase metade dos refugiados de Moria já estão no novo campo
in RR
Entre os 5.000 refugiados que já entraram nas novas instalações foram detetados 135 casos positivos de coronavírus.Entre os 5.000 refugiados que já entraram nas novas instalações foram detetados 135 casos positivos de coronavírus.
Quase metade dos refugiados desabrigados após o incêndio no campo de Moria, na Grécia, já estão no novo campo, ainda em construção, na sequência da operação policial desencadeada esta quinta-feira de manhã, anunciou o Governo.
O ministro grego das Migrações, Notis Mitarakis, assegurou esta qinta-feira na ilha grega de Lesbos, fora do Kará Tepé – onde está a ser erguido aquilo a que muitos chamam como o segundo campo de Moria –, que pelo menos 5.000 pessoas já entraram nas novas instalações, enquanto a operação policial continua, até agora, sem incidentes.
Entre esses 5.000 foram registados 135 casos positivos de Covid-19, tendo essas pessoas sido transferidas para uma área especial do campo, onde foram colocados em quarentena.
“Faltam alguns dias para que todos entrem no campo e a estrada seja reaberta”, assegurou Mitarakis, que também afirmou que os negócios que fecharam por causa do bloqueio serão indemnizados.
O ministro da Proteção Civil, Mijalis Jrisojoidis, definiu a operação policial desta quinta-feira como “um dever humanitário”, apesar de muitos refugiados se recusarem ainda a entrar no novo campo, numa altura em que se está a passar “de insegurança à segurança sanitária e da desordem à ordem”.
Por volta das 07h00 (05h00 em Lisboa), centenas de polícias acordaram os migrantes, distribuíram panfletos e transferiram-nos para o novo campo onde, antes de entrarem, foram submetidos a um teste rápido para a Covid-19.
Os refugiados têm a garantia de que apenas aqueles que decidirem registarem-se no novo centro têm acesso a algum tipo de serviço ou procedimentos de asilo.
A polícia transferiu, na quarta-feira à noite, dezenas de polícias femininas com o intuito de facilitar a tarefa de convencer as mulheres e crianças da necessidade de se deslocaram para o novo campo.
No entanto, há muitas dúvidas de que o novo acampamento possa acolher todas as pessoas que o Governo pretende transferir neste momento, visto que não dispõe de tendas, casas de banho e saneamento.
Até quarta-feira, apenas 1.800 pessoas concordaram em instalar-se no novo campo, no qual a agência das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) montou 600 tendas, tendo, neste momento, capacidade para cerca de 3.600 pessoas.
Um responsável pela organização não-governamental (ONG) Médicos do Mundo afirmou à agência espanhola Efe que foram instaladas 80 casas de banho, até quarta-feira.
O novo acampamento está localizado à beira-mar, num antigo campo de tiro militar, quase sem sombra, onde as tendas, erguidas umas ao lado das outras, nem sequer têm camas. Daí que os primeiros refugiados a entrarem – os mais vulneráveis, doentes ou famílias com crianças – continuarem a dormir no chão.
A ONG Médicos Sem Fronteiras (MSF) denunciou esta quinta-feira que, durante as primeiras horas que durou a operação policial, foram impedidos de aceder à nova clínica erguida numa área perto de onde dormem milhares de pessoas a céu aberto, sem acesso aos serviços básicos. Algumas horas depois, as equipas médicas conseguiram abrir a clínica.
“O que as pessoas pedem, o que elas necessitam, é de não serem fechadas noutro campo. Esta gente precisa de ser retirada e levada para um lugar seguro na Grécia ou noutros países europeus”, afirmou Francisca Bohle Carbonell, responsável de enfermaria dos MSF na ilha.
Além disso, outras oito ONG criticaram hoje a decisão do Serviço de Asilo de lançar, a partir de segunda-feira, o exame dos pedidos de asilo à distância para refugiados em Lesbos.
“Eles vão ser convocados para entrevistas por teleconferência sem que um assistente jurídico tenha o direito de acompanhá-los”, destacaram.
Enquanto a maioria dos grupos do Parlamento Europeu concordou em pedir que não se construam mais campos de refugiados como Moria, que durante cinco anos foi considerado por muitas organizações como o símbolo do fracasso europeu, na ilha de Lesbos é dado como certo que, se nada o impedir, este novo campo será uma continuação do anterior.
A proposta do governador do Egeu do Norte, Kostas Muntsuris, de realizar uma greve geral na ilha contra o campo e pedir a transferência de todos os migrantes e refugiados foi hoje aprovada, mas ainda não tem data.
O enorme campo de Moria, erguido há cinco anos no auge da crise migratória, foi totalmente destruído por um incêndio na madrugada de 9 de setembro.
Seis jovens afegãos são suspeitos de estarem envolvidos no desastre, quatro dos quais foram indiciados em Lesbos por incêndio criminoso, incitação à violência a uso ilegal de força.
Outros dois suspeitos, de 17 anos, já tinham sido transferidos para o continente num grupo de 400 menores desacompanhados de Moria, mas serão encaminhados para o Ministério Público em data posterior, indicou fonte judicial.
Sem novas medidas, economia só regressaria ao nível pré-covid em 2024
Sérgio Aníbal, in Público on-line
Conselho das Finanças Públicas revê em baixa projecções para o crescimento e antecipa uma défice orçamental mais alto, acima de 7% durante este ano.
Se o plano de recuperação da Europa acabasse por não ser aplicado e o Governo não tomasse novas medidas, a economia portuguesa e as suas finanças públicas não voltariam antes de 2024 aos níveis em que se encontravam antes da pandemia, começando logo este ano com uma queda recorde do PIB de 9,3%, algo que dificilmente poderá ser já evitado.
O cenário é traçado esta quinta-feira pelo Conselho das Finanças Públicas (CFP), que reviu em baixa as projecções para a evolução da economia e dos indicadores orçamentais durante este ano, apontando depois para um ritmo de retoma lenta no ano seguinte.
Com habitualmente, as novas projecções da entidade liderada por Nazaré Costa Cabral foram feitas assumindo um cenário de políticas invariáveis, isto é, apenas são levadas em conta as medidas já em vigor. Nestas circunstâncias, aquilo que o CFP agora antecipa é que, desde logo, a economia portuguesa se contraia 9,3% no total deste ano.
Em Junho, a queda esperada era um pouco mais moderada, de 7,5% e o CFP explica este maior pessimismo com “a incorporação de informação para o segundo trimestre, que confirmou uma quebra na actividade económica causada pela pandemia mais acentuada” do que o antecipado em Junho. É destacada em particular a evolução mais negativa das exportações de serviços, onde se inclui as receitas com turismo. Nas contas do CFP, as exportações registarão uma quebra de 22,5% em 2020.
Este resultado económico tão negativo – bem pior do que a diminuição de 6,9% do PIB prevista pelo Governo no OE suplementar – influencia obviamente aquilo que acontece no mercado de trabalho e o CFP aponta agora para que a taxa de desemprego, que foi de 6,5% em 2019, irá chegar aos 10% este ano. Em Junho esperava uma subida para 9%.
E nas finanças públicas, devido sobretudo à consideração de um impacto mais negativo das medidas tomadas para combater a pandemia, o CFP estima agora que o défice orçamental dispare para 7,2% (um pouco mais que os 7% projectados pelo Governo), quando em Junho antecipava um valor de 6,4%.
Retoma moderada
Depois virá a recuperação. Ela inicia-se, diz o CFP, logo a partir do segundo semestre deste ano, mas nos indicadores económicos anuais apenas se nota em 2021.
A expectativa do conselho que avalia as finanças públicas portuguesas é que, sem que sejam tomadas novas medidas, a retoma será feita de forma relativamente lenta, não permitindo que nos diversos indicadores, sejam eles de actividade económica, emprego ou orçamentais, se regresse rapidamente aos níveis anteriores à crise.
No caso do crescimento do PIB, o CFP prevê que seja de 4,8% em 2021, 2,8% em 2022, estabilizando nos dois anos seguintes em torno de 1,7%. É um ritmo que, a verificar-se, apenas permitiria que o valor do PIB voltasse ao nível registado antes da crise em 2024.
No caso do desemprego, a descida iniciar-se-ia também em 2021, para 8,8%, mas em 2024 o indicador ainda estaria em 6,8%, acima dos 6,5% registados em 2019.
No que diz respeito ao défice, a barreira dos 3% seria ainda ligeiramente ultrapassada em 2021 e igualada em 2022, chegando-se a 2024 com um saldo ainda claramente negativo, de 2,4%. E seria na dívida pública que se poderia observar uma herança mais clara da presente crise, com o seu peso no PIB, que em 2019 chegou aos 117,7% a permanecer teimosamente acima da barreira dos 130%.
Todos estes números, é claro, apenas se concretizarão, assume o CFP, se nada for feito de novo em termos de políticas. Não inclui portanto, medidas que venham a ser adoptadas pelo Governo, por exemplo, no OE 2021. E não inclui a esperada passagem à prática do plano de recuperação da Europa e do quadro financeiro plurianual para 2021-2027.
Em relação ao plano de recuperação, o CFP assume que é daqui que pode surgir o efeito positivo “mais importante para o cenário macroeconómico no médio prazo, tanto pelo impacto directo dos recursos financeiros como estímulo à economia portuguesa, como pelo efeito indirecto do plano ao impulsionar as economias dos principais parceiros comerciais portugueses com um reflexo positivo na procura externa”.
No entanto, os responsáveis do CFP fazem questão de alertar que, no balanço entre riscos positivos (como o do plano de recuperação) e os riscos negativos, não é possível ainda ter uma ideia sobre quais é que podem vir a pesar mais.
Em primeiro lugar porque a dimensão dos riscos existentes é ainda desconhecida. Na apresentação do relatório publicado esta quinta-feira, a presidente do CFP assinalou que, em relação à evolução da economia, “o ambiente é ainda de grande incerteza”, não sendo possível ainda saber, entre um potencial benefício do plano de recuperação e uma possível evolução mais negativa da pandemia, “qual será o que tem o peso maior”.
E em segundo lugar, porque mesmo em relação ao plano de recuperação e ao novo quadro de fundos europeus ainda há muitas incertezas. “A forma como os fundos poderão vir a ser utilizados será decisiva. É verdade que é uma oportunidade histórica para o nosso crescimento sustentável, mas há desafios por resolver, nomeadamente saber em que áreas, sectores e indústrias vamos investir, como é que vamos usar os fundos para que a capacidade produtiva do país não se perca. E há ainda a questão de saber se estes fundos serão bem empregues, evitando gastos desnecessários. Temos um histórico nesta matéria que não é muito positivo”, alertou Nazaré Costa Cabral.
No caso do orçamento, para além do efeito que um crescimento mais rápido ou mais lento possa vir a ter, o CFP assinala ainda a existência de vários riscos negativos, que podem colocar as contas numa situação de ainda maior desequilíbrio. A possibilidade do diferimento do prazo de pagamento de impostos acabar por se transformar num incumprimento, caso as empresas declarem insolvência, a possibilidade de utilização integral dos 3890 milhões de euros previstos no âmbito do Acordo de Capitalização Contingente do Novo Banco, a possibilidade de o impacto do empréstimo à TAP poder vir a ser superior ao previsto e a concretização de pressões orçamentais sobre as componentes mais rígidas da despesa pública, como prestações sociais e despesas com pessoal.
Conselho das Finanças Públicas revê em baixa projecções para o crescimento e antecipa uma défice orçamental mais alto, acima de 7% durante este ano.
Se o plano de recuperação da Europa acabasse por não ser aplicado e o Governo não tomasse novas medidas, a economia portuguesa e as suas finanças públicas não voltariam antes de 2024 aos níveis em que se encontravam antes da pandemia, começando logo este ano com uma queda recorde do PIB de 9,3%, algo que dificilmente poderá ser já evitado.
O cenário é traçado esta quinta-feira pelo Conselho das Finanças Públicas (CFP), que reviu em baixa as projecções para a evolução da economia e dos indicadores orçamentais durante este ano, apontando depois para um ritmo de retoma lenta no ano seguinte.
Com habitualmente, as novas projecções da entidade liderada por Nazaré Costa Cabral foram feitas assumindo um cenário de políticas invariáveis, isto é, apenas são levadas em conta as medidas já em vigor. Nestas circunstâncias, aquilo que o CFP agora antecipa é que, desde logo, a economia portuguesa se contraia 9,3% no total deste ano.
Em Junho, a queda esperada era um pouco mais moderada, de 7,5% e o CFP explica este maior pessimismo com “a incorporação de informação para o segundo trimestre, que confirmou uma quebra na actividade económica causada pela pandemia mais acentuada” do que o antecipado em Junho. É destacada em particular a evolução mais negativa das exportações de serviços, onde se inclui as receitas com turismo. Nas contas do CFP, as exportações registarão uma quebra de 22,5% em 2020.
Este resultado económico tão negativo – bem pior do que a diminuição de 6,9% do PIB prevista pelo Governo no OE suplementar – influencia obviamente aquilo que acontece no mercado de trabalho e o CFP aponta agora para que a taxa de desemprego, que foi de 6,5% em 2019, irá chegar aos 10% este ano. Em Junho esperava uma subida para 9%.
E nas finanças públicas, devido sobretudo à consideração de um impacto mais negativo das medidas tomadas para combater a pandemia, o CFP estima agora que o défice orçamental dispare para 7,2% (um pouco mais que os 7% projectados pelo Governo), quando em Junho antecipava um valor de 6,4%.
Retoma moderada
Depois virá a recuperação. Ela inicia-se, diz o CFP, logo a partir do segundo semestre deste ano, mas nos indicadores económicos anuais apenas se nota em 2021.
A expectativa do conselho que avalia as finanças públicas portuguesas é que, sem que sejam tomadas novas medidas, a retoma será feita de forma relativamente lenta, não permitindo que nos diversos indicadores, sejam eles de actividade económica, emprego ou orçamentais, se regresse rapidamente aos níveis anteriores à crise.
No caso do crescimento do PIB, o CFP prevê que seja de 4,8% em 2021, 2,8% em 2022, estabilizando nos dois anos seguintes em torno de 1,7%. É um ritmo que, a verificar-se, apenas permitiria que o valor do PIB voltasse ao nível registado antes da crise em 2024.
No caso do desemprego, a descida iniciar-se-ia também em 2021, para 8,8%, mas em 2024 o indicador ainda estaria em 6,8%, acima dos 6,5% registados em 2019.
No que diz respeito ao défice, a barreira dos 3% seria ainda ligeiramente ultrapassada em 2021 e igualada em 2022, chegando-se a 2024 com um saldo ainda claramente negativo, de 2,4%. E seria na dívida pública que se poderia observar uma herança mais clara da presente crise, com o seu peso no PIB, que em 2019 chegou aos 117,7% a permanecer teimosamente acima da barreira dos 130%.
Todos estes números, é claro, apenas se concretizarão, assume o CFP, se nada for feito de novo em termos de políticas. Não inclui portanto, medidas que venham a ser adoptadas pelo Governo, por exemplo, no OE 2021. E não inclui a esperada passagem à prática do plano de recuperação da Europa e do quadro financeiro plurianual para 2021-2027.
Em relação ao plano de recuperação, o CFP assume que é daqui que pode surgir o efeito positivo “mais importante para o cenário macroeconómico no médio prazo, tanto pelo impacto directo dos recursos financeiros como estímulo à economia portuguesa, como pelo efeito indirecto do plano ao impulsionar as economias dos principais parceiros comerciais portugueses com um reflexo positivo na procura externa”.
No entanto, os responsáveis do CFP fazem questão de alertar que, no balanço entre riscos positivos (como o do plano de recuperação) e os riscos negativos, não é possível ainda ter uma ideia sobre quais é que podem vir a pesar mais.
Em primeiro lugar porque a dimensão dos riscos existentes é ainda desconhecida. Na apresentação do relatório publicado esta quinta-feira, a presidente do CFP assinalou que, em relação à evolução da economia, “o ambiente é ainda de grande incerteza”, não sendo possível ainda saber, entre um potencial benefício do plano de recuperação e uma possível evolução mais negativa da pandemia, “qual será o que tem o peso maior”.
E em segundo lugar, porque mesmo em relação ao plano de recuperação e ao novo quadro de fundos europeus ainda há muitas incertezas. “A forma como os fundos poderão vir a ser utilizados será decisiva. É verdade que é uma oportunidade histórica para o nosso crescimento sustentável, mas há desafios por resolver, nomeadamente saber em que áreas, sectores e indústrias vamos investir, como é que vamos usar os fundos para que a capacidade produtiva do país não se perca. E há ainda a questão de saber se estes fundos serão bem empregues, evitando gastos desnecessários. Temos um histórico nesta matéria que não é muito positivo”, alertou Nazaré Costa Cabral.
No caso do orçamento, para além do efeito que um crescimento mais rápido ou mais lento possa vir a ter, o CFP assinala ainda a existência de vários riscos negativos, que podem colocar as contas numa situação de ainda maior desequilíbrio. A possibilidade do diferimento do prazo de pagamento de impostos acabar por se transformar num incumprimento, caso as empresas declarem insolvência, a possibilidade de utilização integral dos 3890 milhões de euros previstos no âmbito do Acordo de Capitalização Contingente do Novo Banco, a possibilidade de o impacto do empréstimo à TAP poder vir a ser superior ao previsto e a concretização de pressões orçamentais sobre as componentes mais rígidas da despesa pública, como prestações sociais e despesas com pessoal.
O que vai acontecer quando a gripe encontrar a covid?
Andrea Cunha Freitas, in Público on-line
O Inverno traz a época de gripe para se juntar à pandemia da covid-19 e traz também uma série de dúvidas sobre a possível interacção destes dois vírus. No entanto, já se sabe que a vacina da gripe e as medidas que todos estamos a cumprir para o controlo da covid-19 podem atenuar o impacto desta combinação pouco saudável.
Os cientistas já inventaram uma nova palavra para o novo medo: “twindemic”. O momento em que a época da gripe encontra a pandemia da covid-19 tem sido muito discutido entre os especialistas. É preciso antecipar, na medida do possível, como será a interacção entre estes dois vírus respiratórios para prevenir uma sobrecarga nos hospitais e cuidados de saúde primários. Ainda que se espere que as medidas em vigor por causa da covid-19 – máscaras, higiene e distanciamento – e a vacina disponível para a gripe ajudem a atenuar a época de gripe neste Inverno, há outros possíveis problemas como o “dilema do diagnóstico” que se prevê com doenças que têm muitos sintomas em comum.
Anda por aí a circular uma tabela de sintomas que pretende ajudar o cidadão comum a distinguir os sintomas da covid, da gripe e da constipação. No entanto, a esmagadora maioria dos cientistas não subscreve este autodiagnóstico. Em caso de sintomas – por mais ligeiros que pareçam ser – a melhor opção é mesmo consultar um médico. Será o médico que vai ter de lidar com este “dilema do diagnóstico” e a tarefa adivinha-se muito difícil. Há sintomas comuns entre as várias doenças respiratórias que podem surgir neste Inverno e, por vezes, a mesma doença pode manifestar-se de forma diferente nas pessoas. Então, como facilitar o diagnóstico?
“Muitas manifestações clínicas da covid-19 são comuns a outras infecções respiratórias como a gripe. Os testes moleculares para diagnóstico de SARS-CoV-2 permitem distinguir os casos que são efectivamente covida-19”, esclarece o imunologista Luís Graça, da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa. Segundo explica, “o diagnóstico molecular de infecção por SARS-CoV-2 (para diagnóstico de covid-19) não tem reactividade cruzada com influenza (vírus da gripe)”. O teste, adianta ainda, consiste na detecção de dois segmentos genéticos que são específicos do coronavírus, e o controlo é um segmento genético humano (que deverá ser positivo em todas as pessoas). “O teste é positivo quando se detecta a presença dos dois segmentos genéticos do vírus. É inconclusivo quando apenas um dos segmentos é amplificado, ou quando o controlo positivo (o segmento humano) não é detectado. Não havendo sobreposição entre as sequências genéticas do SARS-CoV-2 e do vírus da influenza, o teste não será positivo em infecções com o vírus da gripe”, acrescenta, sublinhando que “os testes de diagnóstico são fiáveis nestas circunstâncias”.
O exemplo do Sul com menos gripe
Para os que vivem no hemisfério norte a época de gripe está a ficar cada vez mais próxima no calendário e, por isso, coloca-se a questão: o que é que isso significa para a covid-19? Há muitas dúvidas. A co-infecção é possível ou provável? A interacção entre estes dois vírus será marcada por uma cooperação ou competição? A gripe aliada à covid-19 pode agravar os sintomas? Muitas das questões ainda não têm resposta mas há algumas coisas que são mais ou menos previsíveis.
Uma das perspectivas que parece mais ou menos consensual tem a ver com o efeito que as medidas que estão a ser tomadas para a covid-19 e que afectam o nosso dia-a-dia vão ter na gripe, esperando-se que também diminuam o número de casos nesta frente. “É altamente provável que teremos um número de casos de gripe muito inferior ao habitual. Os dados dos países do hemisfério sul, que estão agora a terminar o Inverno, tiveram uma quebra do número de casos de gripe como nunca foi visto”, confirma Luís Graça ao PÚBLICO. Um estudo publicado na Lancet em Abril já concluía que as medidas de saúde pública introduzidas em Hong Kong para conter o coronavírus levaram a um declínio na actividade da gripe. “Em Março, no início da época da gripe no hemisfério sul (Outono) assim que foram implementadas as medidas para prevenir a transmissão de SARS-CoV-2 as infecções com gripe também praticamente desapareceram. Isto mostra que as medidas de higiene, distanciamento social, máscaras, têm um impacto também em outras infecções, nomeadamente na gripe”, refere o cientista do Instituto de Medicina Molecular que coordena o laboratório de investigação em Imunologia Celular.
Outro dos aspectos que é subscrito pela maioria dos especialistas está relacionado com uma diferença crucial no combate a estes dois vírus: é que se ainda não temos vacina para a covid-19, a vacina para a influenza existe e, mesmo que não garanta 100% de protecção, isso já fará toda a diferença. Ou seja, é importante que a população – sobretudo os grupos de risco – esteja vacinada contra a gripe. Não é esperado que haja protecção cruzada: os vírus são muito diferentes. Inclusivamente o vírus da gripe é suficientemente diferente de ano para ano para que a imunidade que adquirimos a um vírus da gripe não seja protectora quando surge um novo vírus no ano seguinte.
Sobre as probabilidades de uma pessoa ser infectada pelos dois vírus há várias ideias diferentes. A interacção entre diferentes vírus é muito complexa de estudar, por vários motivos mas sobretudo porque depende de muitas variáveis, desde o momento da infecção e da co-infecção (qual é que chega primeiro) até às características da “vítima” que é infectada. Por vezes, os vírus cooperam, outras vezes, os vírus competem entre si. Não se sabe ainda o que vai acontecer no contexto covid-19 e gripe ou de outros vírus respiratórios.
A co-infecção é possível?
Sabe-se que embora o coronavírus e influenza possam causar alguns dos mesmos sintomas – como febre, tosse e fadiga – os agentes patogénicos usam diferentes receptores nas células para obter acesso aos nossos corpos, ou seja, os dois podem entrar no nosso organismo. Um estudo com cerca de 1200 pacientes, feito no Norte da Califórnia e publicado na JAMA em Abril, concluiu que uma em cada cinco pessoas com diagnóstico de covid-19 estava co-infectada com outro vírus respiratório. Outro vírus não significa necessariamente a gripe, pois há outros vírus respiratórios (e mesmo outros coronavírus) que circulam nesta altura do ano. Ainda assim, o risco de co-infecção da covid e gripe é considerado muito baixo pela maioria dos especialistas. “Estão descritos casos de co-infecção de covid-19, na sua maioria com outros microrganismos diferentes do vírus da gripe — embora os casos descritos de co-infecção com o vírus da gripe sejam raros. Havendo uma baixa incidência de casos de gripe na comunidade (como tem sido observado no hemisfério sul), torna menos provável essas situações de co-infecção”, explica Luís Graça.
Mas se alguém for infectado com gripe ou covid-19, e uma vez que ambos afectam o sistema respiratório e tecidos comuns, será de esperar algum tipo de protecção cruzada? Não, responde Luís Graça. “Os vírus são muito diferentes. Inclusivamente o vírus da gripe é suficientemente diferente de ano para ano para que a imunidade que adquirimos a um vírus da gripe não seja protectora quando surge um novo vírus no ano seguinte”, esclarece. Mesmo sobre uma hipótese de o nosso sistema imunitário responder melhor ou pior (com uma manifestação mais severa da doença) a um dos vírus depois de ter sido confrontado com outro, não será de esperar algum tipo de influência. “Devido às diferenças entre os dois vírus, a resposta que nos torna imunes a uma reinfecção pelo vírus da gripe não nos protege do vírus que causa a COVID-19, e vice-versa. Deste modo a resposta protectora não será especialmente afectada”, afirma o imunologista.
Evitar a sobrecarga
Os cientistas têm seguido o rasto das epidemias ao longo de décadas e já perceberam que os surtos de vírus respiratórios não atingem o seu pico durante o mesmo período. Por outro lado, a gripe tem um ciclo mais rápido do que a covid-19. A época deverá começar nas últimas semanas de Dezembro e durar cerca de dois meses. A principal preocupação nessa altura – apesar de tudo apontar para números da gripe bastante inferiores aos registados nos anos anteriores, pelos motivos já apontados – é evitar a sobrecarga dos serviços de saúde.
Mas uma vez que há mais população susceptível, o SARS-CoV-2 será mais transmissível do que a gripe? “Mais uma vez, podemos aprender com o que se tem passado no hemisfério sul. Nesses países em que houve SARS-CoV-2 e vírus da gripe em circulação, as medidas de prevenção da transmissão tiveram um impacto comparativamente maior no vírus da gripe. A mortalidade por gripe nesses países foi este ano extremamente baixa”, constata Luís Graça.
Entre os mais optimistas, que esperam que a gripe passe despercebida este ano, e os mais pessimistas que temem uma “twindemic” com a união da pandemia aos outros vírus que circulam no Inverno, há espaço sobretudo para algumas dúvidas e poucas certezas. Acima de todas as incógnitas, destaca-se o conselho dos especialistas para que os grupos mais vulneráveis se protejam, para que ninguém desvalorize sintomas e para que todos adoptem as medidas impostas para o controlo da covid-19.
O Inverno traz a época de gripe para se juntar à pandemia da covid-19 e traz também uma série de dúvidas sobre a possível interacção destes dois vírus. No entanto, já se sabe que a vacina da gripe e as medidas que todos estamos a cumprir para o controlo da covid-19 podem atenuar o impacto desta combinação pouco saudável.
Os cientistas já inventaram uma nova palavra para o novo medo: “twindemic”. O momento em que a época da gripe encontra a pandemia da covid-19 tem sido muito discutido entre os especialistas. É preciso antecipar, na medida do possível, como será a interacção entre estes dois vírus respiratórios para prevenir uma sobrecarga nos hospitais e cuidados de saúde primários. Ainda que se espere que as medidas em vigor por causa da covid-19 – máscaras, higiene e distanciamento – e a vacina disponível para a gripe ajudem a atenuar a época de gripe neste Inverno, há outros possíveis problemas como o “dilema do diagnóstico” que se prevê com doenças que têm muitos sintomas em comum.
Anda por aí a circular uma tabela de sintomas que pretende ajudar o cidadão comum a distinguir os sintomas da covid, da gripe e da constipação. No entanto, a esmagadora maioria dos cientistas não subscreve este autodiagnóstico. Em caso de sintomas – por mais ligeiros que pareçam ser – a melhor opção é mesmo consultar um médico. Será o médico que vai ter de lidar com este “dilema do diagnóstico” e a tarefa adivinha-se muito difícil. Há sintomas comuns entre as várias doenças respiratórias que podem surgir neste Inverno e, por vezes, a mesma doença pode manifestar-se de forma diferente nas pessoas. Então, como facilitar o diagnóstico?
“Muitas manifestações clínicas da covid-19 são comuns a outras infecções respiratórias como a gripe. Os testes moleculares para diagnóstico de SARS-CoV-2 permitem distinguir os casos que são efectivamente covida-19”, esclarece o imunologista Luís Graça, da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa. Segundo explica, “o diagnóstico molecular de infecção por SARS-CoV-2 (para diagnóstico de covid-19) não tem reactividade cruzada com influenza (vírus da gripe)”. O teste, adianta ainda, consiste na detecção de dois segmentos genéticos que são específicos do coronavírus, e o controlo é um segmento genético humano (que deverá ser positivo em todas as pessoas). “O teste é positivo quando se detecta a presença dos dois segmentos genéticos do vírus. É inconclusivo quando apenas um dos segmentos é amplificado, ou quando o controlo positivo (o segmento humano) não é detectado. Não havendo sobreposição entre as sequências genéticas do SARS-CoV-2 e do vírus da influenza, o teste não será positivo em infecções com o vírus da gripe”, acrescenta, sublinhando que “os testes de diagnóstico são fiáveis nestas circunstâncias”.
O exemplo do Sul com menos gripe
Para os que vivem no hemisfério norte a época de gripe está a ficar cada vez mais próxima no calendário e, por isso, coloca-se a questão: o que é que isso significa para a covid-19? Há muitas dúvidas. A co-infecção é possível ou provável? A interacção entre estes dois vírus será marcada por uma cooperação ou competição? A gripe aliada à covid-19 pode agravar os sintomas? Muitas das questões ainda não têm resposta mas há algumas coisas que são mais ou menos previsíveis.
Uma das perspectivas que parece mais ou menos consensual tem a ver com o efeito que as medidas que estão a ser tomadas para a covid-19 e que afectam o nosso dia-a-dia vão ter na gripe, esperando-se que também diminuam o número de casos nesta frente. “É altamente provável que teremos um número de casos de gripe muito inferior ao habitual. Os dados dos países do hemisfério sul, que estão agora a terminar o Inverno, tiveram uma quebra do número de casos de gripe como nunca foi visto”, confirma Luís Graça ao PÚBLICO. Um estudo publicado na Lancet em Abril já concluía que as medidas de saúde pública introduzidas em Hong Kong para conter o coronavírus levaram a um declínio na actividade da gripe. “Em Março, no início da época da gripe no hemisfério sul (Outono) assim que foram implementadas as medidas para prevenir a transmissão de SARS-CoV-2 as infecções com gripe também praticamente desapareceram. Isto mostra que as medidas de higiene, distanciamento social, máscaras, têm um impacto também em outras infecções, nomeadamente na gripe”, refere o cientista do Instituto de Medicina Molecular que coordena o laboratório de investigação em Imunologia Celular.
Outro dos aspectos que é subscrito pela maioria dos especialistas está relacionado com uma diferença crucial no combate a estes dois vírus: é que se ainda não temos vacina para a covid-19, a vacina para a influenza existe e, mesmo que não garanta 100% de protecção, isso já fará toda a diferença. Ou seja, é importante que a população – sobretudo os grupos de risco – esteja vacinada contra a gripe. Não é esperado que haja protecção cruzada: os vírus são muito diferentes. Inclusivamente o vírus da gripe é suficientemente diferente de ano para ano para que a imunidade que adquirimos a um vírus da gripe não seja protectora quando surge um novo vírus no ano seguinte.
Sobre as probabilidades de uma pessoa ser infectada pelos dois vírus há várias ideias diferentes. A interacção entre diferentes vírus é muito complexa de estudar, por vários motivos mas sobretudo porque depende de muitas variáveis, desde o momento da infecção e da co-infecção (qual é que chega primeiro) até às características da “vítima” que é infectada. Por vezes, os vírus cooperam, outras vezes, os vírus competem entre si. Não se sabe ainda o que vai acontecer no contexto covid-19 e gripe ou de outros vírus respiratórios.
A co-infecção é possível?
Sabe-se que embora o coronavírus e influenza possam causar alguns dos mesmos sintomas – como febre, tosse e fadiga – os agentes patogénicos usam diferentes receptores nas células para obter acesso aos nossos corpos, ou seja, os dois podem entrar no nosso organismo. Um estudo com cerca de 1200 pacientes, feito no Norte da Califórnia e publicado na JAMA em Abril, concluiu que uma em cada cinco pessoas com diagnóstico de covid-19 estava co-infectada com outro vírus respiratório. Outro vírus não significa necessariamente a gripe, pois há outros vírus respiratórios (e mesmo outros coronavírus) que circulam nesta altura do ano. Ainda assim, o risco de co-infecção da covid e gripe é considerado muito baixo pela maioria dos especialistas. “Estão descritos casos de co-infecção de covid-19, na sua maioria com outros microrganismos diferentes do vírus da gripe — embora os casos descritos de co-infecção com o vírus da gripe sejam raros. Havendo uma baixa incidência de casos de gripe na comunidade (como tem sido observado no hemisfério sul), torna menos provável essas situações de co-infecção”, explica Luís Graça.
Evitar a sobrecarga
Os cientistas têm seguido o rasto das epidemias ao longo de décadas e já perceberam que os surtos de vírus respiratórios não atingem o seu pico durante o mesmo período. Por outro lado, a gripe tem um ciclo mais rápido do que a covid-19. A época deverá começar nas últimas semanas de Dezembro e durar cerca de dois meses. A principal preocupação nessa altura – apesar de tudo apontar para números da gripe bastante inferiores aos registados nos anos anteriores, pelos motivos já apontados – é evitar a sobrecarga dos serviços de saúde.
Mas uma vez que há mais população susceptível, o SARS-CoV-2 será mais transmissível do que a gripe? “Mais uma vez, podemos aprender com o que se tem passado no hemisfério sul. Nesses países em que houve SARS-CoV-2 e vírus da gripe em circulação, as medidas de prevenção da transmissão tiveram um impacto comparativamente maior no vírus da gripe. A mortalidade por gripe nesses países foi este ano extremamente baixa”, constata Luís Graça.
Entre os mais optimistas, que esperam que a gripe passe despercebida este ano, e os mais pessimistas que temem uma “twindemic” com a união da pandemia aos outros vírus que circulam no Inverno, há espaço sobretudo para algumas dúvidas e poucas certezas. Acima de todas as incógnitas, destaca-se o conselho dos especialistas para que os grupos mais vulneráveis se protejam, para que ninguém desvalorize sintomas e para que todos adoptem as medidas impostas para o controlo da covid-19.
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