19.7.10

A falência do Estado Social

por António Figueiredo, Presidente da UDIPSS de Setúbal, in Setúbal em Rede

No pensamento de Sá Carneiro a democracia só se construía eliminando a pobreza pois a esta subjuga a vontade e a capacidade de defesa dos direitos da pessoa. Ouvi-lhe exprimir que ser pobre não era um destino mas a consequência ds medidas políticas que atingiam a construção do Estado Social onde a pessoa humana passava a ser olhada sem humanismo. Sabia que a pobreza abria as portas à ditadura da classe política que se proclama vanguardista.

Ouvimos vozes do Partido Socialista, nas suas recentes jornadas parlamentares, a defenderem que não abdicam do Estaado Social que um partido da oposição procura preverter com a sua proposta de revisão constitucional. Não me preocupa por agora, o que pensa sobre esta matéria o PSD, não se conhece qualquer proposta para além da contra-informação política, mas o que me preocupa é que o partido que mais constribuiu para a redução do Estado Previdência esteja agora a gritar como se nada tivesse acontecido! É um grito de culpa, de consciência intranquila de quem já tantas vezes meteu na gaveta os princípios ideológicos socialitstas que se reveem no Estado Social.

Quando ouvimos ao Primeiro-Ministro dizer, em defesa das medidas avulsas do PEC, que é pedido um esforço igual a todos, por isso o agravamnento da taxa do IVA de 1% é transversal a todos oa produtos, só com cinismo poderemos estar de acordo e não dizer que meteu na gaveta um dos fundamentos do Estado Social. Não defendo o chavão político e estafado de que “os ricos paguem a crise”, mas tenho de frontalmente dizer à classe política que tanto cinismo basta. Para dois milhões de portugueses, em situação de pobreza, qualquer 1% é dinheiro e, por isso, a medida aplicada indiscriminadamente é um ataque aos mais débeis e que há muito já não acreditam no Estado Social que deveria atenuar as desigualdades sociais.

O Estado Social não pode ser uma peça exclusiva da Constituição, mas uma prática política em que haja mais e maior acesso aos cuidados de saúde, igualdade no acesso ao sistema educativo, tratamento igual no acesso à justiça e defesa dos mais vulneráveis, desenvolvimento do território com princípios de equidade, garantia de direito ao trabalho e a uma remuneração justa, sem privilégios para políticos e correligionários, etc., etc. Tudo isto o povo sabe e chega, passados mais de 30 anos de ambiguidade social, à encruzilhada da falência do Estado Social sem que os políticos sejam julgados pelo grande tribunal da opinião pública. E não são julgados porque por caciquismo eleitoral se mantêm no poder.

Quem é dirigente na rede solidária sabe que as medidas tomadas nos últimos anos, trinta anos porque não, em nome dum Estado Social não passava de balela sem qualquer apoio sustentável. Oferecia-se o facilitismo em nome um Estado socialmente mais justo, quando afinal se criavam as condições para a crise de hoje. Em nome dum Estado Social, consagrado na Constituição, Mário Soares criou a reforma de 500$00, sim 500 escudos, socialmente justa mas sem preocupações de gerar riqueza para sustentar a que ainda é uma pensão social. Andou-se por aí a defender as reformas antecipadas para dar lugar aos jovens, mas nada se fez para garantir o desenvolvimento económico que criaria empregos. Promessa fácil em nome da construção dum Estado Social que hoje é um mar de pobreza, desemprego e fome.

O Estado Social acenta no princípio da justa distribuição da riqueza mas à sua sombra cresceu a corrupção, o aproveitamento político, o enriquecimento nas saias dos partidos, o agravamento das desigualdades sociais, o esbanjamento dos dinheiros publicos, as políticas com estratégias que só beneficiam clientelas e, fundamentalmente, os seus “boys“. Mas os que hoje gritam pelo Estado Social são os que mais deveriam estar calados, pelo comportamento deplorável com que deixaram falir o Estado Previdência, que fez duma Europa um espaço de grande justiça social.

Reconstruir o Estado Social obriga a uma profunda reflexão sobre o que de menos bem se fez e o que de bem se ignora. Na crise social grave que se atravessa todos teremos que unir esforços. Os políticos terão que abdicar do seu orgulho solitário e aceitar que o mundo gira numa realidade que não se compadece com períodos eleitorais, fenómeno que tem contribuído para para a falência do sistema. Como primeiro passo há que mobilizar recursos sociais de combate há pobreza que nada tem a ver com o Ano Europeu Publicitário da Pobreza (a troca de Combate por Publicitário é propositado) em que muito se fala e tudo fica pior. Mobilizar recursos significa juntar as forças do Estado, os Dirigentes voluntários, os recursos das Instituições e empresariais para atacar os males que conduzem há pobreza, devendo o poder político abdicar do princípio do “posso e mando“. Como segundo passo, que essas mesmas forças avaliem toda a estratégia de crescimento, de criação de riqueza e da sua distribuição, devendo o poder político abdicar de políticas para “tempos eleitoralistas“. O terceiro princípio passa pela repensar, à luz do século XXI, os princípios do Estado Social. Não sou dos que defendem que se meta na gaveta, mas que acente no trabalho, na dignidade da família, no colectivo em que os partidos devem abdicar da sua demagogia dita programática, pois foi esta a grande causadora da situação de hoje.

Parece utópico, só é utópico porque muitos de nós somos comentadores de bancada que não querem abandonar a tranquilidade da sua poltrona para ajudar a sair a comunidade social duma das suas maiores crises. O País dispõe de mais de 50.000 Dirigentes da rede solidária para se juntarem a Homens e Mulheres que queiram mostrar que vale a pena, assim o queiram os políticos. E neste cantinho à beira-mar implementado poderá surgir um modelo que sirva de exemplo a uma Europa que se está a transformar num quadro socialmente injusto e com um Estado Social em desagradação. O que hoje a Europa precisa, do que nós precisamos, não é só dum choque tecnológico, dum choque financeiro, mas dum choque social que evite os conflitos quase inevitáveis e inverta a situação. Precisamos de tecnocratas para criar planos de desenvolvimento, mas a seu lado precisamos de Homens capazes de distribuir com justiça social a riqueza. Afinal precisamos de purificar o sistema em defesa do princípio do Estado Social...