Por Raquel Martins, in Jornal Público
Novo conceito de emprego conveniente e prazos mais apertados levaram a que 12 mil desempregados perdessem o subsídio em 2010, um aumento de 49 por cento face a 2009
As novas regras do subsídio de desemprego, em vigor desde Agosto do ano passado, fizeram disparar as anulações de subsídios, assim como o número de desempregados que pediu a intervenção da comissão de recursos do Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP). Em 2010, perto de 12 mil desempregados perderam o subsídio de desemprego, porque faltaram às convocatórias do centro de emprego, não cumpriram o dever de apresentação quinzenal ou recusaram uma proposta de emprego ou de formação profissional. Estes números representam um aumento de quase 49 por cento face às anulações e reclamações feitas em 2009. Decidiram recorrer da decisão, 1200 desempregados.
"Durante a primeira metade do ano passado, o volume de trabalho manteve-se estável. A lei entrou em vigor em Agosto e, a partir de Setembro, os cinco vice-coordenadores regionais [a primeira instância para a qual os desempregados podem recorrer] começaram a sentir um grande aumento do número de recursos", revelou ao PÚBLICO Cristina Rodrigues, a coordenadora da comissão de recursos, um organismo a funcionar desde o final de 2007 na dependência do conselho de administração do IEFP. Esta responsável diz que, na segunda instância, o maior volume de recursos revelou-se de Outubro em diante. "No primeiro semestre tivemos 421 recursos, enquanto no segundo semestre chegámos aos 779", frisou.
Os dados constam do relatório de actividades da comissão de recursos que dá conta de um aumento muito significativo das anulações da prestação social por recusa de emprego conveniente, precisamente um dos pontos da lei que sofreu alterações e que apertou a malha aos desempregados na hora de aceitar emprego, sob pena de perderem o subsídio.
Com a alteração ao Decreto-lei 220/2006, passou a ser obrigatório, durante os primeiros 12 meses de desemprego, aceitar trabalho que ofereça um salário dez por cento superior ao subsídio de desemprego. Do 13º mês em diante, é considerado emprego conveniente o que propuser um salário de valor igual ao subsídio. Antes, as percentagens eram mais elevadas.
Estas mudanças levaram a que 870 pessoas perdessem o subsídio de desemprego em 2010, um número três vezes superior ao de 2009. Este aumento das anulações reflectiu-se no número de desempregados que protestaram e que ascendeu a 163. Embora a maioria dos recursos diga respeito ao corte do subsídio por faltas de comparência às convocatórias dos centros de emprego - 78 por cento do total - a recusa de emprego conveniente representou 13,6 por cento das reclamações, quando em 2009 não ia além dos 6 por cento.
As mudanças na lei não ficaram por aqui e os prazos para os desempregados justificarem as ausências às convocatórias também foram reduzidos. Até Agosto, quem faltasse podia apresentar uma justificação durante a audiência prévia, antes de o corte do subsídio se concretizar. Na nova versão, o desempregado tem apenas cinco dias para justificar a ausência.
Cristina Rodrigues reconhece que a análise dos recursos dos desempregados que não aceitam o corte por recusa de emprego nem sempre é fácil, dado que na maior parte das vezes é a palavra do desempregado contra a palavra da empresa. "No caso das faltas, há objectivamente uma falta e a justificação aparece ou não. Nas recusas de emprego conveniente é muito difícil. Uma mulher que vá a um entrevista pode estar de boa-fé, quando diz que tem dois filhos, mas também o pode dizer de forma intencional, porque sabe que isso pode ser um obstáculo. Da mesma forma, uma empresa confrontada com esse facto pode dizer que a pessoa recusou o emprego, porque não lhe interessa contratá-la. Não estamos lá para ajuizar a intenção da pessoa e da empresa", exemplifica.
188 subsídios repostos
Apesar do aumento dos pedidos de intervenção, Cristina Rodrigues realça que apenas 10 por cento dos desempregados que viram o subsídio cortado por terem violado a lei apresentaram recurso, uma percentagem semelhante à dos anos anteriores, enquanto 90 por cento conformaram-se com a decisão.
Em 2010, a comissão acabou por dar razão a 188 desempregados (23,5 por cento dos casos resolvidos, percentagem que em 2009 era de 25 por cento). A maior parte dos recursos foram deferidos na primeira instância pelos vice-coordenadores regionais que reconheceram que a lei não estava a ser bem aplicada em 160 casos, enquanto 626 acabaram por ser recusados. Mas 91 desempregados não se conformaram com o indeferimento e recorreram para a 2ª instância, que acabou por revogar 28 decisões dos centros de emprego, embora tenha recusado 55 recursos.