Rita Carvalho, in Sol
O Governo quer usar fundos comunitários que até agora serviam para distribuir cabazes alimentares às famílias carenciadas para financiar as cantinas sociais. A opção está a preocupar as organizações que trabalham no combate à pobreza e que consideram que a resposta à fome deve privilegiar a confecção dos alimentos em casa por parte das famílias e não a sua distribuição num espaço público em forma de refeição já confeccionada .
A medida consta do programa operacional português do Fundo Europeu de Auxílio a Carenciados (FEAC), aprovado há dias em Bruxelas e que substitui o programa de excedentes da União Europeia que, nos últimos anos, canalizou milhares de toneladas de alimentos para os mais pobres. No programa constam as duas formas de luta contra a privação alimentar, embora ainda não se saiba qual a fatia dos 189 milhões de euros do FEAC que será alocada a cada uma até 2020. Também o acordo assinado em Dezembro entre o Governo e as instituições do sector social referia que a resposta cantina social seria substituída por uma modalidade do FEAC: subvenção financeira paga às instituições para adquirirem os produtos alimentares em forma de refeição.
O Instituto da Segurança Social disse ao SOL que as cantinas asseguram “que nenhuma família carenciada fique sem acesso a duas refeições diárias e complementam a distribuição de géneros alimentares feita a estas mesmas famílias, através do FEAC”. E garantiu que esta resposta está a ser reforçada com orçamento nacional. Em 2014, havia 895 cantinas em todo o país com capacidade para servir até 100 refeições diárias.
'Mais estigmatizante'
Mas esta não devia ser a prioridade, defendem as organizações no terreno, que exigem esclarecimentos do Governo sobre a operacionalização do fundo.
“O apoio em refeições parece muito mais estigmatizante dos carenciados que pretendem resguardar a sua situação de pobreza e contrariam a autonomização na governação doméstica e familiar que um cabaz de alimentos propicia e até implica”, considera Isabel Jonet, presidente dos Bancos Alimentares, que têm distribuído muitas das toneladas que vêm da UE. Ao SOL, defendeu a entrega individual do cabaz “que permite um contacto e acompanhamento individual que não pode ser prestado na tomada de refeições em grupos”. E acrescentou: o apoio financeiro “implica sempre maior dificuldade de controlo e acompanhamento do que o rastreio e seguimento de bens com reduzido valor comercial, como são os alimentos”.
António Saraiva, da Sociedade de São Vicente de Paulo, considera que a refeição é uma solução para os sem-abrigo mas lembra que “combater a pobreza é ajudar as pessoas a restruturar a sua vida e não apenas servir-lhes refeições”. Já o presidente da Cáritas, Eugénio Fonseca, diz que devem ser as instituições, em conjunto com as pessoas, a decidir a melhor forma de apoio. Para as famílias estruturadas, defende a solução do “vale de compras, para que possam escolher os alimentos, comprá-los e confeccioná-los”.
A AMI aplaude o facto de o FEAC abranger os sem-abrigo e não só as famílias, mas propõe que a distribuição de refeições - que a AMI já faz em refeitórios - não se faça na rua. Fernando Nobre disse ao SOL que o “FEAC devia garantir ainda apoio social a todos os beneficiários e não fazer apenas uma distribuição alimentar”.